Rio Acre: nervoso e vulnerável – final

Expedição Rio Acre estuda nova relação do rio com as cidades
O geólogo Amilcar Adamy apresenta alternativas para a regularização das vazões (Foto: Arison Jardim/Secom)

Os pesquisadores que participaram da Expedição Rio Acre em maio deste ano sugerem alternativas para a regularização das vazões, mas advertem que não devem causar impactos ambientais graves; e também podem ser de baixo custo para a gestão pública. O geólogo Amilcar Adamy apresentou algumas opções:

– Aproveitamento dos meandros (lagos) abandonados para acumulação de água;

– Aproveitamento de depressões naturais laterais ao Rio Acre;

– Escavação de piscinões;

– Abertura de canal artificial;

– Construção de barragem a montante de Rio Branco.

Todas as opções têm pontos positivos e negativos. O item abertura de canal artificial, por exemplo, poderá ser viabilizado a partir da foz do Riozinho do Rôla, principal afluente do Rio Acre. O canal circundaria Rio Branco, desviando a vazante até um ponto à jusante (abaixo) da cidade. A intervenção, entretanto, resolveria apenas o problema da inundação de parte da cidade na época das cheias.

(Foto: Arison Jardim/Secom)
Expedição Rio Acre estuda nova relação do rio com as cidades (Foto: Arison Jardim/Secom)

Já a construção de uma grande barragem seria possível a montante (acima) de Xapuri e Brasileia, num estirão que segue para Assis Brasil. Mas a imprevisibilidade na precipitação de chuvas e alterações na drenagem do solo oferecem riscos de rompimento de barragem e inundação de áreas. Da mesma forma, o aproveitamento de depressões naturais laterais do rio implicaria em rompimento de diques e descontrole de áreas alagadas.

Restariam, como opção, pequenas intervenções em municípios, isoladamente, como a construção de grandes açudes e pequenos barramentos a montante; aprofundamento do leito do rio; diques em bairros de áreas urbanas; zoneamento das áreas inundáveis; recuperação de nascentes e matas ciliares. Seriam, ainda assim, medidas de resultados limitados e incertos.

Enquanto seu lobo não vem, as ações do governo, respaldadas em estudos técnicos e parcerias com órgãos estaduais e federais, caminham para uma situação de bom senso: a transferência de famílias que vivem em áreas de risco para conjuntos habitacionais em terrenos mais altos. É o caso da Cidade do Povo, construída no governo Tião Viana em Rio Branco, com capacidade para atender até 60 mil moradores.

O ciclo de vida dos rios

Professor de História na Universidade do Kansas (EUA), Donald Worster faz oportuna abordagem da natureza da água que forma os rios do planeta. Em “A natureza dos rios: história, memória e territórios”, ensaio publicado pela Universidade Federal do Paraná (2008), ele afirma que “a água possui uma natureza sempre móvel, caindo das nuvens, encharcando as raízes, correndo para os córregos e mares”. Por isso recomenda cultivar rios e a correnteza da água tanto quanto a floresta, “se quisermos continuar a progredir”.

(Foto: internet)
Estudioso recomenda estudar a história do uso do Rio Nilo (Foto: internet)

Outro estudioso norte-americano, Aldo Leopold, cita o Rio Nilo como “o mais velho rio do mundo em termos de sustentabilidade humana”, e recomenda aos agricultores modernos e aos especialistas: “Todos deveriam estudar a história natural do uso do Nilo desde as mais remotas eras (cerca de 5.000 a.C.) até o presente. É uma história com boas e más lições; uma simbiose extraordinariamente longa entre o povo e o rio”.

Na era do Faraó Menes (cerca de 3.200 a.C), relata Leopold, “os agricultores do vale construíram uma série de diques e canais para direcionar as enchentes anuais para os seus campos. Por milhares de anos consecutivos, a Mãe Nilo alimentou os egípcios com regular abundância, com a água e a lama das enchentes enriquecendo as estreitas faixas de terra verde situadas entre o rio e o deserto. Quando o rio secava por falta de chuvas, a colheita não era suficiente e a fome prevalecia. Finalmente, os egípcios aprenderam como estocar o excedente de cevadas e grãos dos melhores anos a fim de suprirem e se alimentarem durantes os anos magros”.

“Não foi uma sorte irracional que deu àquela agricultura a durabilidade não encontrada em nenhum outro lugar; eles respeitaram o rio, aprenderam a usá-lo sem violar sua ordem, e deste modo alcançaram um avançado nível de civilização”.

(Foto: Arison Jardim/Secom)
O Rio Acre nasce no Peru e deságua em Boca do Acre (AM) (Foto: Arison Jardim/Secom)

A necessidade elementar em aprender como lidar eficientemente com a água – argumenta Leopold – é parar de pensar sobre o problema exclusivamente sob o ponto de vista de economistas e engenheiros, e começar a aprender a lógica do rio.

A sobrevivência do Rio Acre, certamente, ainda depende da lição que os egípcios antigos deixaram para o mundo. O povo acreano suportou mais de um século de enchentes e secas do rio, respeitando seu ciclo de vida, mas daqui para frente novos estudos poderão aproveitar essa história considerando a natureza volátil das águas.

Elson Martins é jornalista

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter