Retrospectiva pra quê?

Por Annie Manuela e Miriane Teles

Já temos memes e figurinhas que – com humor – rejeitam a Retrospectiva 2020. Eu lembro que minha família compartilhou várias vezes uma imagem que dizia: “Eu me recuso a envelhecer um ano que não vivi”. Parecia ser engraçado, mesmo não sendo uma escolha. Aliás, quem optaria por livre e espontânea vontade viver um momento histórico desses? O Bug do Milênio, vivido nos anos 2000, foi bem mais divertido, inclusive!

Você não lembra, mas esse ano começou normal! A gente deixava as crianças na escola e ia trabalhar. Teve o carnaval e, então, a primeira crise que ouvimos falar, nem foi nossa, foi dos venezuelanos. O Brasil é signatário de tratados internacionais, por isso as fronteiras do Acre continuam sendo um caminho de esperança para os imigrantes.

Ok, o primeiro item da retrospectiva é a pandemia do coronavírus, que foi declarada pela Organização Mundial de Saúde em março. No mês seguinte, o Brasil entrou em isolamento social e ainda estamos nele. Segundo o boletim oficial emitido diariamente pelos órgãos de saúde, no nosso estado houve 710 mortes pela covid-19 e 33.976 infectados até o momento.

Quando surgiram as primeiras notícias mundiais, o vírus ainda parecia muito distante…Quem poderia prever que os benefícios de um mundo globalizado também nos abarcariam malefícios como essa pandemia? Não bastam as mudanças climáticas?! Só nos restou encher nossa rotina de empatia, solidariedade e álcool em gel.

Como você não deve ter visto muito além dos seus muros e estava complicado filtrar tanta notícia na internet, eu queria te contar que o ano foi marcado por ações governamentais descentralizadas e isso também não é comum. A interiorização distribuiu mais qualidade de vida pelas regionais e esse fato está nítido nas aberturas e recuperação de ramais, entrega da Biblioteca Estadual Ancelmo Marinho Lessa, em Tarauacá, revitalização de parques públicos e o Teatro Náuas em Cruzeiro do Sul, construção de calçadas em Rodrigues Alves, inauguração da ponte na reserva extrativista de Brasileia, além de obras que seguem em andamento.

Vimos mais famílias comemorarem o recebimento de títulos definitivos, em Rio Branco e Tarauacá. Na saúde, teve mutirão de cirurgias de catarata, eletivas de hérnia e vesícula, bem como de otorrinolaringologia. Campanhas de vacinação foram realizadas e hospitais de campanha foram construídas para reforçar a luta contra a covid.

Teve a nomeação de 200 policiais civis e foi comemorado o primeiro ano da Patrulha Maria da Penha. Quando eu digo comemorado, não me refiro aos altos índices de violência doméstica e familiar – que infelizmente possuímos – mas ao amadurecimento do poder público, que implementou novas formas de coibição de crimes, já que nós mulheres precisamos, sim, de apoio. A Patrulha Maria da Penha é resultado de um avanço legislativo e institucional, sendo então um socorro para as vítimas romperem ciclos de violência.

Falando em avanços, a educação teve que se reinventar! Foram entregues alimentos e kits de merenda para os alunos de escolas públicas e indígenas. Estamos tendo a disponibilização de videoaulas e aulas em áudio também na Rádio Aldeia e Difusora Acreana. Inesperadamente, um dia desses, fui surpreendida com uma aula de física durante o caminho para casa. Me admirei com a dicção da professora, como ela adaptou bem o conteúdo para outra plataforma, e de sua dedicação para garantir o direito das crianças e adolescentes. Fiquei orgulhosa por ser uma produção local, daquelas que a gente até consegue sentir que é feita com amor.

Em 2020 teve acreanos em destaque e não estamos falando da moça que está no reality show. Um policial penal acreano foi medalha de prata no Campeonato Brasileiro de Jiu-Jitsu. Novos talentos foram reconhecidos na primeira edição do 1º Prêmio Literário de Jovens Escritores. Por fim, a observação de aves no Parque Estadual Chandless também foi capa de uma revista inglesa. Falando em ecoturismo, todos nós acumulamos vontades sobre lugares que queremos ir, no meu caso, sigo com planos de ir à Serra do Divisor. Vamos?

Em setembro, as queimadas no Pantanal bateram recorde histórico. O Acre também teve o maior número de queimadas dos últimos quatro anos. Muita fumaça. Queimadas urbanas e nas nossas florestas, que demandaram um esforço institucional para realizar autuações, fiscalização e combate aos incêndios, tarefa que foi cumprida bravamente pelo Corpo de Bombeiros e logo me veio a importância daquele investimento feito em equipamentos, entregues nos primeiros meses deste ano.

Hoje, Dia da Consciência Negra, nos remete aos protestos contra racismo iniciados após a morte de George Floyd por um policial branco nos EUA em maio. O país e nós mesmos repetimos que “vidas negras importam”, analisamos criticamente nossa realidade e, diante isso, a gente pode combater discursos de ódio durante o ano todo. Essa é uma pequena vitória.

Então, tivemos as eleições e depois de tantas movimentações, enfim, retornou a preocupação com o coronavírus. Vejo que a compreensão sobre a gravidade da doença continua oscilando na sociedade. Entretanto, não acredito em um fim de ano com um respeito maior às normas de segurança. Mas, apesar disso, hoje vou montar minha árvore de Natal (vale lembrar que de acordo com a tradição católica, o dia certo do Advento, ou seja, quando se inicia a decoração natalina é no próximo dia 29) e fortalecer meu coração com gratidão.

Quis fazer a retrospectiva porque ela tem muitos significados e sentimentos. É preciso fazê-la para refletir sobre os momentos que foram vividos, pois os aprendizados não devem ser ignorados somente porque foram feitos em isolamento social. O que eu aprendi sobre mim, sobre minha casa, as novas receitas, abdominais, leituras e até organização das gavetas me completam. Fazem da profissional, da filha, mãe e esposa que sou mais paciente e munida com novas perspectivas de vivências. 

Você deve ter vivido o mesmo aí com sua máscara, preocupações, talvez com mais fé e cura, por isso sei que ao menos uma coisa esse ano tem em comum com os demais: todos nós vamos encerrá-lo desejando dias melhores.

É o que desejamos a você.


Annie Manuela e Miriane Teles são jornalistas, servidoras públicas e amigas de longa data.

 

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