Reserva Chico Mendes completa 23 anos

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Com 23 anos de criação completados neste dia 12 de março, a Reserva Extrativista Chico Mendes, também conhecida como Resex, é um mundo à parte dentro do próprio Acre. Enquanto as cidades crescem e a economia se torna cada dia mais diversificada, a maior reserva extrativista do Estado detém um número incontável de pessoas que ainda vivem apenas daquilo que a floresta é capaz de oferecer, agredindo-a da menor forma possível, buscando o equilíbrio. Um espaço que gera desafios administrativos, oportunidades, uma nova maneira de encarar a vida, mas, acima de tudo, a luta pela economia sustentável entre os povos da floresta.

  

Com uma área de 970.570 hectares, a Resex abrange sete municípios: Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Capixaba, Xapuri, Sena Madureira e Rio Branco. São 46 seringais e 76 núcleos de base, sendo a maior reserva do Estado. Nela moram mais de duas mil famílias – cerca de 10 mil pessoas -, número que está sempre mudando devido à quantidade de pessoas que entram e saem do local, principalmente de forma irregular.

Para viver na reserva é preciso ter o perfil extrativista. O morador e sua família devem preencher requisitos específicos de que não organizarão atividades predatórias e que suas vidas serão baseadas no extrativismo.

Hoje existem apenas duas áreas de difícil acesso na região – uma em Rio Branco e outra em Sena Madureira. Há muitos ramais, varadouros e estradas que dão acesso à reserva. Elas dão suporte para escoar a produção e servem para a chegada dos serviços essenciais.

95% das crianças de 7 a 14 anos da reserva estão na escola, como o garoto Cião (Foto: Angela Peres/Secom)
95% das crianças de 7 a 14 anos da reserva estão na escola, como o garoto Cião (Foto: Angela Peres/Secom)

95% das crianças de 7 a 14 anos da reserva estão na escola, como o garoto Cião (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Quase todos os jovens estão na escola, como o garoto Cião, de 10 anos, morador da reserva na região de Brasileia. Como as aulas começam apenas após o período da chuva, diferentemente da cidade, ele estava animado e ansioso pelo início. Nossa reportagem o encontrou na estrada montado num cavalo. Mesmo tímido, ao ser perguntado qual série iria cursar, abriu um enorme sorriso para responder: “A terceira”.

Já Franciele, 13, que mora na comunidade Dois Irmãos, em Xapuri, tenta começar a 6ª série este ano. “Aqui na escola a gente planta, brinca, faz atividade lá fora. Eu gosto muito”, diz. Para a mãe da garota, Sueli Bezerra, a preocupação fica maior no futuro. “Não sei como vou fazer quando ela precisar ir para a faculdade. Se saio daqui com ela ou a mando para casa de algum parente. Essa é a única preocupação que eu tenho: o futuro dos estudos dos meus filhos”, explica.

Por parte do governo do Acre, existem várias ações para impulsionar a economia e o bem-estar social. A fábrica de camisinhas Natex e a indústria de beneficiamento de castanha são alguns dos exemplos, mas a principal ação, atualmente, são os Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDCs). “Eles são instrumentos de gestão territorial, consolidados agora no governo de Tião Viana. São 100 planos elaborados em 2012 para as comunidades rurais, principalmente nas regiões isoladas”, explica Cristina Lacerda, coordenadora do departamento de áreas protegidas da Secretaria de Meio Ambiente (Sema).

Só na Resex existem 18 PDCs, que levantam necessidades e o que pode ser feito para melhorar a vida na comunidade. Foram investimentos na ordem de R$ 1,8 milhão, que contemplaram 576 famílias, principalmente no recolhimento da castanha, criação de animais, centro de formação para os seringueiros e escoamento da produção.

 

Os Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDCs) são responsáveis por levar melhorias (Foto: Angela Peres/Secom)

Os Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDCs) são responsáveis por levar melhorias (Foto: Angela Peres/Secom)

 

“Além de investimentos na educação e saúde, podemos com os PDCs expandir a produção”, ressalta Ana Negreiro, técnica da Sema. Ela explica que em 2013 serão mais 11 comunidades beneficiadas, totalizando 300 famílias, com investimentos de R$ 1,1 milhão, oriundos do governo do Estado e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A castanha é um dos principais produtos dentro da Resex (Foto: Angela Peres/ Secom)
A castanha é um dos principais produtos dentro da Resex (Foto: Angela Peres/ Secom)

A castanha é um dos principais produtos dentro da Resex (Foto: Angela Peres/ Secom)

 

O maior desafio da Reserva Chico Mendes hoje é  o desenvolvimento econômico e, consequentemente, o social. Cada região da Resex possui algum aspecto particular de sua economia. Nas regiões com maior número de moradores, por exemplo, existe uma atividade carro-chefe para cada uma. Em Assis Brasil pode-se encontrar a borracha em manta (FDL) vendida para a fábrica de sapatos francesa Veja. Em Xapuri, o látex puro é recolhido e comprado pela fábrica de camisinhas Natex. Em Brasileia/Epitaciolândia fica a indústria de beneficiamento de castanha.

Fábrica de camisinhas Natex e fábrica de beneficamento de castanha Chico Mendes compram a produção dos extrativistas (Foto: Arquivo Secom)
Fábrica de camisinhas Natex e fábrica de beneficamento de castanha Chico Mendes compram a produção dos extrativistas (Foto: Arquivo Secom)

Fábrica de camisinhas Natex e fábrica de beneficamento de castanha Chico Mendes compram a produção dos extrativistas (Foto: Arquivo Secom)

Mas só isso não é o suficiente. As safras e entressafras mantêm a economia extrativista instável para muitos ainda. Os subsídios proporcionados, ou a falta deles, também. Existem várias tentativas de fazer com que o ganho econômico e a qualidade de vida aumente. Um deles é o crédito moradia, proporcionado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para que 1.200 famílias possam melhorar suas habitações, num formato padrão de casas que tenham conforto e espaço arejado.

Xapuri em breve também receberá o seu primeiro plano de manejo comunitário – o corte da madeira começa em abril em três seringais, beneficiando 72 famílias. Ainda assim, a gerente da Resex afirma que a reserva freou o desmatamento. “Se pararmos para vermos os mapas, ficamos impressionados: ela [a reserva] se mantém firme”, garante.

Embora a Resex tenha sido criada em 1990, as associações concessionárias surgiram apenas em 1994 e passaram a ter papel fundamental na organização entre as comunidades para impulsionar a economia e o desenvolvimento da região. A Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes de Assis Brasil (Amopreab) foca bastante nesse ponto. “O que tem trazido retorno financeiro é a borracha, com o apoio do governo. O subsídio do Estado está na casa de R$ 96 mil para este ano”, acrescenta.

Os produtores da reserva na área de Assis Brasil são os únicos que trabalham com a borracha no formato FDL. Os seringueiros transformam o látex em Folha Semiartefato e em Folha Defumada Líquida. São mantas de borracha maleáveis e coloridas com características naturais bem preservadas. A técnica une ciência, tecnologia e extrativismo, denominada Tecnologia da Borracha na Amazônia (Tecbor). A venda é feita para a empresa francesa Veja, que produz calçados de látex reconhecidos mundialmente.

 

Valdemir Martins é um dos produtores de Assis Brasil que produz a borracha em FDL (Foto: Angela Peres/Secom)

Valdemir Martins é um dos produtores de Assis Brasil que produz a borracha em FDL (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Valdemir Martins vive há 12 anos na Resex e há dois trabalha com a produção de FDL. Ele não esconde a satisfação de viver na região.

A Resex em Assis Brasil possui 68 unidades de produção de FDL. O quilo é vendido por R$ 7,50. São 318 famílias beneficiadas. Além disso, os produtores também se preparam para começar o manejo florestal, e 60 famílias estão aderindo à criação de abelhas por meio de um programa da Secretaria de Pequenos Negócios.

Franclismar de Souza não troca a vida na floresta pela cidade de novo (Foto: Angela Peres/Secom)
Franclismar de Souza não troca a vida na floresta pela cidade de novo (Foto: Angela Peres/Secom)

Franclismar de Souza não troca a vida na floresta pela cidade de novo (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Para ele, o período na cidade teve seu lado bom e o lado ruim. “Como tudo nessa vida… Mas a cidade é sempre muito difícil para o homem do campo.” Trabalhando como mototaxista, o produtor sempre teve temor pela criação dos filhos. “Eu tinha medo. Na mata eu crio meus filhos soltos, livres; na cidade a gente vive trancado dentro das próprias casas.”

Hoje, ao lado da mulher, das duas filhas e do filho caçula, Franclismar faz de tudo um pouco – com a agricultura de subsistência, planta arroz, feijão, melancia, banana e milho, e cria galinhas. Para complementar a renda, vende mercadorias dentro da própria comunidade, faz serviço de mototáxi levando os moradores até a beira da estrada para pegar o ônibus até a cidade e sua mulher tem até uma espécie de serviço de buffet, onde faz as comidas para as datas festivas na comunidade. “O Dia dos Pais aqui é incrível. Vem um monte de gente para nossa festa. Isso aqui nem parece parado do jeito que está agora, com tanta gente”, afirma.

Na época do inverno não é possível usar o ramal direto para a cidade porque ele fica alagado. “É mais fácil passar de canoa”, brinca. É necessário atravessar o Rio Xapuri – que corre nos fundos da casa de Franclismar – e pegar outro ramal, esse, sim, bastante trafegável até mesmo no inverno. Hoje a luta de Franclismar e da família é para trazer a energia elétrica à comunidade. O Programa Luz Para Todos considerou o projeto inviável e por isso disponibilizou para os moradores os sistemas de placas solares, que geram uma energia suficiente para atender alguns eletrodomésticos, mas o produtor diz que outra comunidade, a apenas cinco quilômetros de distância, recebeu a energia, e por isso acredita que é possível levar a rede de energia elétrica também para a região onde mora.

 

No período de chuvas é necessário atravessar o rio para chegar na casa de Franclismar (Foto: Angela Peres/Secom)

No período de chuvas é necessário atravessar o rio para chegar na casa de Franclismar (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Perguntado se trocaria novamente o campo pela cidade, Franclismar é enfático: “Eu só não queria ter que sair quando meus filhos tiverem que fazer a faculdade”. A filha mais velha do produtor é a jovem Franciele, citada no início da reportagem e que acaba de ingressar no ensino médio. Franclismar acredita que as crianças educadas no campo e que depois se formam na cidade têm mais chance de voltar para casa e continuar na reserva. “Se ela sai cedo para estudar, acostuma-se com a cidade e não quer voltar mais.”

Todos os moradores da Resex em Xapuri são ligados à Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri (Amoprex). São 800 famílias cadastradas e 21 núcleos de base. A principal atividade econômica em Xapuri é a extração látex – 500 dessas famílias vendem seu produto para a fábrica de camisinhas Natex. Tião Aquino, presidente da Amoprex, tem orgulho de dizer que o maior avanço na reserva de Xapuri foi na educação. “Em 1990 apenas 10% das crianças da Resex estavam na escola. Com o Projeto Seringueiro passou para 30% e hoje 95% das crianças de 7 a 14 anos têm possibilidade de estudar. Eu mesmo me alfabetizei lá dentro”, lembra.

A busca pela melhoria econômica também é  o grande desafio da região. Tem início este ano a exploração do manejo florestal na região para 62 famílias licenciadas para explorar 12 mil metros cúbicos de madeira, o que vai gerar para elas R$ 600 mil por ano. O projeto de Florestas Plantadas também vai beneficiar 70 famílias já cadastradas com plantio de seringueiras e árvores frutíferas.

O segredo da boa vida na floresta

 

Severino da Silva e sua esposa, Rizoneide (Foto: Angela Peres/Secom)

Severino da Silva e sua esposa, Rizoneide (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Brasileia e Epitaciolândia são as cidades com o maior contingente populacional da Reserva Chico Mendes – mais de três mil pessoas. É no interior da comunidade Wilson Ribeiro que encontramos Severino da Silva Brito, o “Seu Silva”, 57, que mora na Resex há 18 anos. Nascido em um seringal, hoje leva uma vida confortável em casa, onde vive com a mulher e um dos filhos. Mas nem sempre foi assim, e ele tem orgulho em contar sua trajetória.

Na juventude, trabalhou para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, mas nunca quis viver na cidade. “Mesmo fora da reserva, eu lutava por ela. Esse lugar para mim é muito bom, tem tranquilidade, eu criei minha família aqui, meus oito filhos. Hoje um deles faz faculdade”, diz. Ainda assim as dificuldades foram grandes no passado, principalmente pela falta de acesso e pelo isolamento terrível que sofriam.

Depois da criação do sindicato, “Seu Silva” virou agente ambiental e por sete anos conheceu quase tudo na Resex. “Conseguimos o ramal, a comunidade, a associação com CNPJ e tudo, a escola, o barracão de castanha, e aí a vida começou a melhorar. Os programas de governo fizeram muito bem”, reconhece. Para ele, os avanços foram grandes, mas ainda falta descobrir mais maneiras de o extrativista se sustentar a partir da floresta. Hoje, “Seu Silva” trabalha principalmente com a castanha e tem deixado de cortar a seringa. “Esse serviço é para quem é novo, quem tem saúde.”

 

A casa de Seu Silva foi beneficiada pelo programa de crédito moradia do Incra (Foto: Angela Peres/Secom)

A casa de Seu Silva foi beneficiada pelo programa de crédito moradia do Incra (Foto: Angela Peres/Secom)

 

Mas não reclama. Luta por aquilo que, segundo ele, é justo. Pelo bem da comunidade, em seu julgamento, ele sabe a diferença entre aquilo que precisa de ajuda e aquilo que precisa ser conquistado sozinho. “O ser humano nunca vai estar satisfeito. Ele não tem limite. Ele sempre vai querer algo mais. A Resex dá lição de vida às pessoas. Aqui na comunidade só tem gente do bem. A gente festeja, brinca, joga bola…”.

“Seu Silva” também trabalha com a produção de castanha e utiliza a técnica de ‘boas práticas’: entrega as amêndoas já limpas, sem casca e secas. Ele também realiza uma parceria com a Embrapa para experimentar um novo secador de castanhas que faz em quatro horas o que o anterior fazia em alguns poucos dias.

Com a mulher Rizoneide, uma fã do radinho de pilha, leva hoje uma vida pacata, contemplando a bela vista que a área da reserva lhes proporciona e com uma casa grande e confortável, reformada com o apoio do programa do Incra, pintada de azul e que chama a atenção vista de longe.

O ICMBio é responsável por combater a ocupação irregular e as práticas predatórias na reserva (Foto: Sérgio Vale/Secom)
O ICMBio é responsável por combater a ocupação irregular e as práticas predatórias na reserva (Foto: Sérgio Vale/Secom)

O ICMBio é responsável por combater a ocupação irregular e as práticas predatórias na reserva (Foto: Sérgio Vale/Secom)

O maior problema da Reserva Chico Mendes hoje é  a ocupação irregular. O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade fiscaliza, com o apoio da Polícia Militar, as áreas que são monitoradas por satélite, mas o efetivo de funcionários é pequeno para o tamanho da demanda. Segundo o analista ambiental Anselmo da Silva, o ICMBio está iniciando uma campanha contra a compra e venda de terras na Resex, prática totalmente proibida.

Hoje, para sair e entrar na Resex é necessário uma mutualidade. Quem quer entrar tem que encontrar alguém que queira sair. Encontrando, deve ser apresentado para a comunidade conhecer e julgar se o interessado em morar na Resex possui perfil extrativista para se fixar no local. Se a comunidade aprovar essa pessoa, a moradia então é apenas oficializada pelo ICMBio.

Além da ocupação irregular, atividades proibidas dentro da reserva, como desmatamento, arrendamento, produção de carvão e criação de gado em larga escala, também afetam o desenvolvimento da Resex e são acompanhadas pelo Instituto Chico Mendes.

O presidente da Associação em Xapuri, Tião Aquino, atenta que ainda hoje a informação é um dos principais desafios para quem vive na Resex. “Um dos problemas é fazer com que a informação dos benefícios existentes chegue aos produtores.”

Ainda assim, segundo a gerente da Resex, Silvana Lessa, pelo censo realizado em 2009, constatou-se que 95% dos entrevistados querem realmente viver lá e não pensam em sair. “Quem vive na Reserva Chico Mendes gosta mesmo de lá.”

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