Incidente da operação Tatu Canastra possibilita que seringueiros e governo formulem novo pacto pela sustentabilidade nas reservas extrativistas
O Acre acaba de passar por mais uma prova onde sua opção pela sustentabilidade e pelo diálogo franco com os movimentos sociais foi duramente testada. Seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes e diversas lideranças populares se reuniram novamente em Brasiléia, durante toda a sexta-feira, 13, para repudiar a ação de fiscalização do ICMBio que, cumprindo a lei, destruiu fornos de carvoaria presentes em setores seriamente descaracterizados dentro da Reserva (seringais Santa Fé, Rubicon e Nova Esperança). Segundo seringueiros e testemunhas, a ação foi realizada de forma intimidadora e arbitrária, usando de força policial armada, onde o diálogo e ações de fiscalização mais brandas bastariam.
Para melhor atender as reivindicações, estavam presentes na reunião o Presidente Nacional do ICMBio, Rômulo Melo, a Coordendora Regional do ICMBio Ana Rafaela, o Secretário do Meio Ambiente do Acre, Edegard de Deus, o diretor do Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), Fernando Lima e José Maria de Aquino, representando a Secretaria Estadual de Floresta.
Ao discutir amplamente com as autoridades do governo a questão, as lideranças populares aproveitaram a ocasião para cobrar políticas e subsídios visando concretizar uma economia verdadeiramente sustentável dentro das reservas que, se bem efetuada, seria a melhor forma de não incentivar ações predatórias, como a carvoaria. “Precisamos gerar uma economia que dê um bom padrão de vida aos seringueiros e moradores das reservas, senão a ação predatória vai continuar, porque as pessoas precisam sobreviver”, afirmou Osmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e morador do Seringal Humaitá.
“Nós criamos um plano de utilização que, se for cumprido, todas essas questões serão resolvidas. Precisamos de açudagem, de serrarias para fazermos móveis e agregar valor à madeira e outros produtos florestais, de roçados sustentáveis, de manejo florestal, de linhas de crédito eficientes para o seringueiro. Temos que ter escola técnica de qualidade para nossos jovens não irem se perder nas cidades, além de ramais para escoar nossas mercadorias. Nós assumimos o compromisso de não desmatarmos mais que 10% dentro da Reserva. Quem não cumprir, tem mesmo que pagar por isso, mas necessitamos também da ajuda do governo para consolidar ações que não sejam somente de fiscalização.”
O Presidente do ICMBio afirmou que não poderia permitir ações como as de carvoaria dentro das reservas por elas contrariarem a lei, também lembrou às lideranças que pastagens, gado e loteamento de terras não seriam permitidos e continuariam a ser fiscalizados, mas concordou com os seringueiros na questão de que políticas mais incisivas se fazem necessárias. “Eu considero importante a gente restabelecer um diálogo com a comunidade numa perspectiva mais verdadeira, porque parte da Reserva tem um processo de ocupação totalmente ilegal e irregular, sendo que parcela dessa responsabilidade é da comunidade e a outra é nossa. Reconhecer isso primeiramente é importante, para depois podermos repactuar. Nós vamos ter que voltar aqui e reorganizar os processos em andamento, vamos abrir diversas discussões com o Estado, ver como ele pode nos ajudar a fazer esse novo pacto e restabelecer a ordem e a implantação da sustentabilidade. A Reserva é importantíssima para nós, para o Acre, para o Brasil e para o mundo. Ela é simbólica do ponto de vista da conservação e do ponto de vista político, em virtude do que aconteceu aqui trinta anos atrás”, concluiu.
Para o Secretário do Meio Ambiente Edegard de Deus, a crise ocasionada pelo incidente da Operação Tatu Canastra se transformou num grande divisor de águas dentro da história acreana. Ele avalia que o fato se desdobrou num motivo para reunir novamente as lideranças populares em prol de reivindicações a favor do verdadeiro papel das Reservas Extrativistas. “O Governador Tião Viana nos pediu pessoalmente para intervirmos nessa questão, de forma a atender da melhor forma possível aos seringueiros e trabalhadores da Resex Chico Mendes, abrindo oportunidade para reavaliar nosso papel e reforçar o compromisso das comunidades. Eu fico feliz quando percebo que um incidente que tinha tudo para ser negativo, ainda pode se transformar, aqui no Acre, numa oportunidade de diálogo franco entre o Governo e as comunidades. Acredito que este incidente é na verdade um novo divisor de águas dentro dos movimentos sociais pela sustentabilidade no Estado e na Amazônia brasileira.”
O Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, Rosildo Rodrigues, um dos responsáveis pela articulação necessária à vinda do Presidente do ICMBio, avaliou como positiva e oportuna a discussão estabelecida, sendo que agora está aberta uma possibilidade concreta para novas oportunidades de uso da Reserva Chico Mendes, que é a mais representativa dentro dos movimentos sociais pela manutenção da floresta como unidade viável para gerar riqueza às comunidades que nela vivem. Também avaliou que há necessidade de resolução imediata da situação de degradação vivida pelos moradores dos seringais Santa Fé, Rubicon e Nova Esperança.