Que importância tem a arte na vida da gente? (Uma reflexão sobre a Bienal da Floresta) – artigo

Durante dez dias, Rio Branco esteve diferente. A II Bienal da Floresta, encerrada ontem, movimentou milhares de pessoas de diversas idades, todas se dirigindo para as margens do Rio Acre, onde foram montadas as tendas do evento.

Susana Baca, cantora peruana que se apresentou na noite de sexta, na Bienal (Foto: Arison Jardim)

Susana Baca, cantora peruana que se apresentou na noite de sexta, na Bienal (Foto: Arison Jardim)

Não pude apreciar todos os eventos que tive vontade, mas elegi alguns e botei pé firme para não perdê-los, oportunidades únicas que me pareceram ser e que de fato foram.

Pra começar, a feira em si, os estandes de venda: a chance de manejar aqueles objetos maravilhosos e cheios de a-gente-nunca-sabe-o-quê chamados livros. Os infantis, então, estão uma covardia: a cada dia mais irresistíveis, coloridos, interativos, surpreendentes, para o deleite de crianças e adultos.

Também assisti a um debate sobre oralidade e literatura infantil que me fez pensar e sonhar um bocado. Escritores e contadores de história compartilharam suas experiências e conhecimento, gente renomada que eu conhecia só  de livros ou de ouvir falar ou nem conhecia e que então pude apreciar pessoalmente: Heloísa Prieto, Francisco Gregório Filho, Gislayne Avelar Matos, Glória Kirinus, Maria Inez do Espírito Santo e Katy Navarro. Ainda, mediados pela competente Marília Bomfim, que há anos produz arte e promove a leitura no Acre.

Outro dos pontos altos da Bienal foi a temática: a inteiração com as culturas fronteiriças proposta me pareceu muito oportuna, ao fomentar o intercâmbio de informações e estreitar laços de identidade e de afeto entre os povos vizinhos.

Dentro dessa proposta, um capítulo especial: tive a alegria de conhecer, ao lado de muitos acreanos, uma artista peruana en-cantadora chamada Susana Baca, que deixou o público estarrecido com o seu brilho. Não por acaso já arrematou o Grammy latino duas vezes.

Dona de uma voz sedosa e intensa, que modula com naturalidade, Susana sabe gerar imensa beleza. Durante o seu show, na noite de sexta, dançava suavemente e sorria com prazer, era quase visível a música percorrendo todo o seu corpo e sua alma. Como é bom ver alguém fazendo o que ama! Com maestria e simplicidade, ofereceu um espetáculo de bom gosto e talento. No repertório, influências afro e caribenhas, além das gentis homenagens a Gil e Caetano.

Também a natureza ajudou muito. A noite morna estava perfeita para um show ao ar livre. De vez em quando, o vento soprava sobre a roupa branca e vaporosa de Susana, fazendo-a parecer ainda mais diáfana. Lindo de ver. E a lua cintilante, em seu quarto crescente, emoldurava o palco. Meu filho de 11 anos observou a harmonia do momento de uma maneira lúdica: “Olha, até a lua tá sorrindo…” E voltamos pra casa muito felizes.

Então: um presente! A noite, o espetáculo, a Bienal.

Primeiro do Céu, que autorizou (e, ai, que bom que aqui no Acre tem gente perceptiva o suficiente pra que a gente possa falar na força divina sem ser sumamente considerado supersticioso; lá fora a coisa é bem diferente). E, depois, presente também de todas as pessoas do governo do estado e do município e todos os colaboradores que propiciaram algo semelhante, que planejaram, que se empenharam e dedicaram seus esforços a preparar essa Bienal. Sim, é função do estado. Mas nada nos impede, como cidadãos, de reconhecer um trabalho bem feito e de expressar nossa aprovação e gratidão.

Porque eventos culturais dessa qualidade nos lembram de algo muito importante: a vida não é só trabalho. A pausa é necessária. Para o descanso, para o lazer e para a introspecção. A própria substância musical ensina: é feita da combinação de sons e silêncios.

No encontro com a arte e com a criatividade, nosso olhar se transforma e a vida se ressignifica. Resgatamos a capacidade de fazer belo o cotidiano e de tornar gratificante o nosso viver. E aí a gente se levanta, contente, e pode seguir adiante.

Onides Bonaccorsi Queiroz, jornalista

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