Apesar da morte de seu fundador, projeto se mantém com nova articulação e apoio do governo do Estado
No 17 deste mês, uma equipe da SEMA foi acompanhar mais uma eclosão de ovos de quelônios nas praias do Rio Abunã. O evento faz parte das meticulosas atividades empreendidas pelo Projeto SOS Quelônios, pioneiro no Acre na proteção de tracajás e iaçás. Recentemente, com a morte de seu fundador e também coordenador Abrahão LibdidyKerdy, o projeto enfrentou sérias dificuldades, que estão sendo progressivamente superadas com novas possibilidades de articulação e com o apoio logístico e estrutural do governo do Estado.
O Estado do Acre possui em seu território uma das maiores biodiversidades do planeta, que se expressa em recursos naturais capazes de gerar renda e desenvolvimento social, além de suporte para pesquisas científicas visando diversas atividades econômicas, que vão desde a produção de alimentos à confecção de insumos para as indústrias moveleira, farmacêutica, de cosméticos e outras.
No entanto, por se tratarem de recursos naturais não-renováveis e dependentes da manutenção dos ecossistemas que lhes dão suporte, a simples exploração dos mesmos – não levando em conta critérios ambientais – proporcionam rapidamente o seu esgotamento.
Um exemplo tocante nesse sentido é a situação dos quelônios (tartarugas, iaçás e tracajás), cuja população foi drasticamente reduzida nas últimas décadas, chegando quase à extinção no Estado. Não fossem iniciativas individuais apoiadas pelo poder público, como o Projeto SOS Quelônios, ou mesmo o Tamazon, provavelmente não encontraríamos atualmente mais representantes destas espécies nos rios acreanos.
Como tudo começou
O SOS Quelônios – Iaçás e Tracajás – teve início em 2000, por iniciativa de membros da Comissão Ecológica Permanente, vinculada à Associação de Moradores de Plácido de Castro – Amplac. Até junho de 2011 o Projeto foi Coordenado pelo Sr. Abrahão LibdidyKerdy (o qual veio a falecer). Este pioneiro literalmente sonhou com a principal atividade que realizaria até o fim de seus dias: salvar os tracajás e iaçás da extinção certa.
Após realizar uma excursão no baixo rio Abunã, constatou que os Quelônios eram quase inexistentes naquela região, onde anteriormente, se constituía em berçário (habitat natural) de várias espécies. Preocupado com a situação, elaborou as três diretrizes básicas do projeto: preservação ambiental, conservação das espécies, segurança alimentar, ou seja, além de cuidar da preservação e elaborar técnicas para este fim, tais conhecimentos deveriam ser compartilhados com as comunidades, para que estas elaborassem seus próprios criadouros para reposição e abate. Parece muito simples, mas quando observamos as diversas atividades que ocorrem pelo desdobramento destes três pilares, temos uma idéia da complexidade e gigantismo do trabalho realizado.
Um trabalho complexo
A sede do Projeto está localizada no seringal Porto Diaz, região limítrofe entre os municípios acreanos de Plácido de Castro e Acrelândia, tendo suas atividades no rio Abunã afluente da margem esquerda do rio Madeira. São cerca de 280 praias distribuídas em 51 localidades às margens do rio, sendo 14 praias do lado boliviano e 37 do lado brasileiro.
O Projeto SOS Quelônios se desdobra nestas principais ações:
1 – Identificação das Praias de Desovas (identificando aquelas de coleta e aquelas que não serão retirados os ovos);
2 – Limpeza das Praias de Desova;
3 – Fiscalização das Praias de Desova;
4 – Transferência dos Ovos;
5 – Proteção das Covas;
6 – Controle da Eclosão;
7 – Manejo com os Filhotes, incluindo a recuperação dos mais frágeis e doentes;
8 – Soltura dos Filhotes;
9 – Difusão Ambiental;
Mesmo partindo de uma iniciativa individual, na qual não faltaram sacrifícios e o uso dos próprios recursos, Abrahão também soube procurar parceria e cooperação técnica com os diversos órgãos do governo do Estado do Acre, como a Sema, o Imac, Seaprof, Ibama e Companhia Ambiental (ex pelotão florestal).
Desde então, esses órgãos têm procurado colaborar em aspectos de infraestrutura e apoio logístico para as coletas. Os Termos de Cooperação técnica firmados com os órgãos estaduais envolvidas na questão ambiental no estado do Acre vêm a ressaltar o apoio e a presença de autoridades no âmbito Estadual e Federal no acompanhamento das atividades desse Projeto, confirmando o compromisso dos Gestores com a preservação e conservação dessas espécies, além do apoio ao desenvolvimento sustentável na região. Em dez anos de Projeto SOS Quelônios já foram devolvidos a natureza (solturas no rio Abunã) 123.170 filhotes de Quelônios.
Atualmente, com a morte de Abrahão Kerdy, o projeto tem enfrentado dificuldades financeiras e sofre com uma equipe reduzida, sendo obrigado a diminuir substancialmente suas atividades. Uma das saídas apontadas pelos coordenadores seriam as parcerias e convênios com as universidades acreanas e brasileiras, através de visitas controladas para alunos e pesquisadores. Outra estratégia é a de regularizar o mais rapidamente possível a situação fundiária da região onde está a sede do projeto, ainda indefinida. Este quadro impede que investimentos maiores e projetos sejam aprovados pelas instituições financeiras.
Quantidade de filhotes devolvidos à natureza em 11 anos de existência do Projeto
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Vantagens angariadas pelo projeto
Além dos benefícios que o Projeto presta com a soltura dos Quelônios no rio Abunã, este também, apresenta outros resultados positivos como a produção de Quelônios para o repovoamento de rios e lagos dos vales do Purus e Juruá (Tarauacá, Feijó e Jordão), tendo sido repassados em 2005 – 150 filhotes para a terra Indígena do Igarapé do Caucho, 150 filhotes para a Terra Indígena da Colônia 27, ambas em Tarauacá e 600 filhotes para a terra indígena Katukina-Kaxinawá em Feijó; em 2008, 200 filhotes e em 2009 repassados 3.000 filhotes, ambos para a terra indígena do Seringal Independência em Jordão.
Podemos ainda, citar como potencial existente na área do Projeto SOS Quelônio e Microrregião:
– Manejo de fauna silvestre, terrestre e aquática;
– Exploração comercial do açaí nativo e abacaba branca;
– Exploração comercial de abelha nativa sem ferrão (Urussú e Jandaíra);
– Atividade comercial do eco-turismo de observação e científico;
– Campo extremamente favorável à implementação e prática da educação ambiental;
– Perspectiva real de produção de 60 a 80 mil filhotes de Tracajás e Iaçás/ano;
– Condição plena de orientar a replicação da experiência e poder contribuir expressivamente no repovoamento de rios e lagos do Estado com déficit das espécies com ganho ambiental, beneficiando segmentos sociais de Índios, Seringueiros e Ribeirinhos, quanto à segurança alimentar;
– Condições ótimas para implantação de um Centro de Pesquisa, capaz de gerar conhecimento e tecnologia a disposição da sociedade acreana em geral;
– Excelente cenário para a celebração ou formalização de acordos e parcerias binacionais (Brasil-Bolívia);
– Recursos humanos detentores de valiosos conhecimentos empírico/científico, na área ambiental e das relações humanas;
– Projeto com capacidade para estabelecer parcerias, quer de cunho acadêmico/cientifico, técnico/financeiro, sócio ambiental, bi-nacional e outros.
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O sonho de Abrahão
Roberto Libdidy, atual coordenador de campo do projeto nos conta que Abrahão, em meados de 1998, reuniu a família para relatar um sonho impressionante que tivera: uma nave com formato de embarcação descia do céu e logo estava ele dentro da mesma, junto ao seu irmão Roberto que, ao observar seus dois acentos e volante, logo disse: “Eu sou capaz de pilotar isso aí”. Em pouco tempo, estavam passeando pelas florestas e rios acreanos, observavam as pessoas à margem dos rios acenando conforme viajavam, e o passeio terminava com a curiosa presença de uma vaca malhada.
Como era um sonho aparentemente sem sentido, como é comum nestes casos, o assunto foi logo esquecido. Passados dois anos, Abrahão retornou de uma viagem à Brasília com uma nova proposta de ação para a Amplac – Associação dos Moradores de Plácido de Castro da qual fazia parte – salvar a já diminuta população de tracajás do Rio Abunã. Na primeira viagem de reconhecimento sobre o rio, feita na chamada voadeira, Abrahão percebeu ecos significativos de seu antigo sonho: um volante e dois lugares, o irmão pilotando, pessoas acenando e, como não podia faltar, a tal vaca malhada no final da trajetória. Coincidência demais? Abrahão Kerdy concluiu que não, o sonho havia sido na verdade uma espécie de revelação de sua principal atividade enquanto estivesse vivo. E hoje, passados 10 anos desde o início do projeto, de fato o coordenador de campo, aquele que pode “pilotar a nave”, é o mesmo apontado pelo sonho de outrora.
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