Por que jornalismo? 

Essa foi uma das perguntas que sempre me fizeram desde que escolhi fazer o curso de Comunicação Social, na época, com habilitação em Jornalismo na Universidade Federal do Acre (Ufac). Fazíamos vestibular e ficávamos sempre à espera da lista dos aprovados sair no Diário Oficial, procurando com olhos ansiosos e atentos nossos nomes naquele mar de gente (os jovens talvez não entendam a referência, mas era assim nossa vida antes do Enem).

No fim de 2008, decidi que faria o vestibular para Comunicação. Ainda não havia caído a obrigatoriedade do diploma, o que ainda é uma luta para que ela seja retomada, já que, de certa forma, muitas pessoas tornaram-se jornalistas sem diploma, mas esse é um debate que não cabe aqui. Entrar em uma faculdade federal era motivo de muito orgulho, para os alunos e para os pais, que enchiam a boca ao informar que o filho havia passado em uma federal. Mas comigo era diferente! Sempre que ouviam que eu havia passado em uma federal, a pergunta seguinte sempre era: “Que fantástico! Qual o curso?”. Eu respondia animada: “Jornalismo!”. E o entusiasmo dava lugar à frustração de quem perguntava, sabe? Logo em seguida, a pergunta era: “Mas por que jornalismo?”

Essa pergunta me atravessa, ainda hoje, todos os dias. É um exercício que me proponho a fazer sempre: responder para mim mesma porque faço o que faço. E sempre chego à conclusão de que a comunicação sempre esteve em mim. Desde pequena, sabe? Eu precisava falar e precisava ouvir. Outro dia lembrava com nostalgia como em meus boletins escolares vinham sempre com boas notas, mas uma observação era persistente em todos eles: “conversar menos”.

Na escola, minha mãe ouvia dos professores: “É uma ótima aluna, mas conversa demais”, por outro lado, minha mãe sempre me questionava: “Que tanto assunto é esse que tu tem, Tácita?”. Ainda menina, gostava de ficar em um pequeno comércio que minha família tinha. Foi meu primeiro contato com gente, sabe? No sentido amplo da palavra, o contato com gente e suas histórias. Me divertia ao atender cada cliente e sabia dos gostos de cada um;  quantos pães e quais gostavam de comprar; o shampoo que alguém gostava… Eram muitas histórias, passava horas em um balcão conversando e ouvindo história de gente. E eu achava fantástico.

Voltando mais em minhas memórias, consigo lembrar da pilha de cadernos onde escrevia crônicas sem nem sequer saber o que era aquilo. Por onde passava, tentava adivinhar as histórias que havia em cada canto dali. No ônibus, tentava adivinhar a vida atrás de cada rosto, era meu passatempo em dias longos entre trabalho e faculdade. Como jornalista, entendo que nosso papel é fazer com que protagonistas anônimos tomem a narrativa de sua história, ou pelo menos, a história que conseguiram ter ao longo da vida.

Parece clichê, mas os anos de jornalismo me ensinaram que as grandes vitórias e histórias não são necessariamente grandes feitos. Todos os dias, alguém faz algo para mudar seu pequeno espaço no mundo. E, algumas vezes, estampa sua história em capas de jornais. Cabe a nós sermos mediadores disso. Outra grande responsabilidade! Escrever a história de alguém é um dos maiores desafios desta profissão. Como dizem nas redações, gosto de viver a pauta, ouvir, conhecer… Às vezes, as respostas vêm em palavras, mas é preciso sensibilidade para atentar aos detalhes. Não é à toa que na faculdade nos passam o livro O Corpo Fala, de Pierre Weil e Roland Tompakow, porque, além do que é dito explicitamente, o que está nas entrelinhas é ainda mais importante, é o que chamam de feeling, tecnicamente.

Mas, voltando ao começo deste texto, a comunicação sempre esteve em mim. Desde quando chegava à casa do meu avô e ficava encantada com as notícias que corriam pelas ondas do pequeno rádio dele; quando em casa, na hora do jornal da noite, era proibido fazer barulho, porque meu pai estava vendo o jornal; quando, no meio dos balcões de um comércio, eu parava para ouvir histórias e me divertia ou me comovia com elas. Confesso que logo no primeiro semestre, quando caiu a obrigatoriedade do diploma, uma certa tristeza me abateu, assim como ocorreu a outros colegas da sala, que acabaram abandonando o curso. Afinal, pensavam: “Por que me formar em algo que não precisa de diploma?”. Mas para mim era tarde demais, já tinha me apaixonado pelo curso desde o primeiro dia e tive certeza que a teoria aliada à prática seria importante na minha trajetória. A paixão ia aumentando cada vez mais, conforme íamos aprendendo que a comunicação está em tudo, inclusive no silêncio.

Aliás, já disse por aqui que muitas vezes o silêncio revela muito mais e é preciso humanidade para sentir. Ser jornalista é escrever uma parte da história, seja ela boa ou ruim. Nessa caminhada, cobri fatos marcantes, histórias incríveis e escrever a história é evitar que os erros não sejam repetidos (ou pelo menos tentar). Durante uma pauta em 2019, em que fiz uma reportagem especial relembrando a história dos hansenianos no estado, conheci seu Sátiro, morador da Colônia Souza Araújo. Ao fim da entrevista, ele disse que gostaria de ter sido “alguém na vida”, um psicólogo ou agente secreto, vejam vocês. Não apenas a doença mutilou os membros de Sátiro, mas as atrocidades que faziam com os doentes àquela época mutilaram também sua história, seus laços familiares e seus sonhos. Ao final, fiz questão de dizer que ele era alguém; como eu disse antes, as pessoas são donas de suas histórias ou pelo menos das que puderam ter.

Tive também reportagens de muitas alegrias; um casal que vendia trufas para se casar, se casaram, fui à festa. O filho de faxineira que passou em Medicina, uma mulher que quebrou paradigmas e quebrava concreto em meio ao centro de Cruzeiro do Sul… São muitas, muitas histórias e, mais do que ter essas histórias estampadas em uma página nacional, o retorno vem sempre quando o personagem dessa história gosta de ler, de se ver; acredito que esse é realmente o valor do nosso trabalho e não é demagogia.

No Dia do Jornalista, 7 de abril, convido todos a fazer essa pergunta: por que jornalismo? Alguns vão dizer que foi o que lhes coube, outros vão falar da profissão com paixão (como eu, confesso) e outros vão ter aquele sentimento dúbio que nos acomete vez ou outra, mas não deixa de ser uma dedicação quase exclusiva à profissão. E que dádiva poder aprender enquanto trabalho.

Foi com o jornalismo que pude entender outros mundos, reconhecer que somos apenas uma peça de uma grande engrenagem que se movimenta diariamente. É a atividade que me faz aprender todos os dias e reconhecer que o que sabemos é quase nada. Nessa caminhada, sigamos informando, aprendendo e sendo a voz de muita gente que faz história todos os dias. É o que nos cabe por enquanto. Aos colegas de profissão, feliz Dia do Jornalista e que nunca esqueçamos da nossa missão.

Tácita Muniz é comunicóloga, repórter na Agência de Notícias do Acre; trabalhou 11 anos na editoria do Portal g1 no Acre, um dos maiores sites nacionais, encabeçando projetos envolvendo todos os estados. Também foi responsável por alimentar uma página com reportagens especiais sobre a Amazônia. É fã de rock, filmes, livros e boxe, além de aprendiz de escritora nas horas vagas

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