Quando sua ex-mulher foi morar em Feijó e levou os dois filhos pequenos, Gisleucilande Portela da Silva, conhecido como Nando, ficou muito entristecido. “Quase morro longe deles”, recorda o motoboy.
Dois anos depois, o mais velho, desnutrido, voltou a viver com ele, em Rio Branco. Mais tarde veio o menor. Atualmente têm 14 e 12 anos e estão sob sua guarda. Ainda, de outro relacionamento, nasceu Nicole, de seis anos. “Quando estamos todos reunidos, no final de semana, é uma alegria”, relata.
As expressões de saudade e de carinho, o sorriso largo e satisfeito quando fala dos três deixam muito claro um sentimento: Nando ama seus filhos e se importa com o bem-estar deles.
Mas, infelizmente, essa ternura e compromisso não são tão frequentes quanto muitos idealizam. Na verdade, cada vez há mais queixas da ausência física, moral e afetiva dos pais.
A estudante Gláucia de Almeida (nome fictício), testemunhou, ao longo dos seus 18 anos, uma atuação extremamente negativa por parte do genitor: “Meu pai bebia, usava drogas e batia muito em minha mãe, até com faca. Quando eles se separaram, minha mãe não tinha condições de manter os três filhos. Entregou cada um de nós para um parente, a família se desintegrou e só alguns anos mais tarde voltamos a morar juntos. Nós sofremos muito. Hoje meus irmãos também usam drogas. Eu acho que se meu pai não fosse daquele jeito tudo teria sido melhor”, analisa.
O psicólogo Fabiano Carvalho, que atua em Rio Branco há sete anos, aponta para uma questão-chave em relação à função paterna dentro da família: “O problema mais recorrente está na dificuldade que grande parte dos pais têm de assumirem suas responsabilidades junto aos filhos. Muitos permanecem adolescentes, apenas buscando prazeres, como a companhia de amigos, casos extraconjugais, futebol ou cerveja. E o que sustenta tudo isso é a conivência da mulher, que aceita absorver todas as responsabilidades e mantê-lo nesse papel de filho”, avalia.
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Adaildo Pereira{/xtypo_quote_right}
Exagero? Parece que não. Basta dar uma espiada no público das reuniões de escola. Alguns estabelecimentos até marcam os encontros para a noite, para facilitar a presença dos pais. Mas, seja qual for a hora, a maioria presente é sempre de mães. Como se acompanhar a vida escolar do filho não fosse também responsabilidade paterna.
Mas, se há pais separados ou solteiros que desprezam o contato com os filhos, há também aqueles que o desejam e encontram impedimento para vê-los, por interposição da mãe da criança, quando nutre sentimentos de mágoa ou vingança. É o caso de Adaildo Pereira Neto, 28 anos. “Essa situação é doída não só para mim, mas também para toda a minha família”, desabafa.
A crise da paternidade contemporânea extrapola as fronteiras da família e se pronuncia socialmente também. Se a função fundamental do pai na cultura patriarcal, como ensina a psicanálise, é colocar limites na ação dos filhos, a formação da cidadania saudável está diretamente condicionada a esse princípio.
“É urgente que a discussão sobre os papéis familiares seja instituída nos currículos escolares para despertar essa consciência no indivíduo desde cedo”, sugere o psicólogo Fabiano.
O motoboy Nando concorda: “Filho é compromisso para a vida toda”.