Pai, ouvi sua voz junto com o meu coração e escrevi – artigo

Margarido Ferreira de Araújo (Foto: Arquivo pessoal)
Margarido Ferreira de Araújo (Foto: Arquivo pessoal)

Ouvir. Um verbo que me encanta. Pois ouvir, para mim, representa muitos outros verbos, como conhecer, compreender, corrigir, sentir, respeitar, despertar. Ou seja: tem um sentido que carrega a possibilidade de dialogar, mesmo de forma receptora, com outro verbo tão essencial em nossa a vida, que é amar.

Ouvir e amar, amar e ouvir ou simplesmente amar-ouvir, são palavras que expressam alegria de estar perto de um pai. Todo pai é fonte inesgotável de histórias sem fim, com os enredos mais inimagináveis que se possa imaginar. Sim, é o cúmulo do exagero. A construção vocabular seria reprovável pela norma culta, porém aprovada pelo culto a nossas memórias pessoais.

Com essas recordações e sentimentos, lembro-me do meu pai, um dos maiores narradores de causos pessoais que conheci.  Na sua trajetória de vida, andou pouco pelo mundo, porém, percebia que o mundo vinha até ele.

Qualquer situação, mesmo que surreal, era apenas um gatilho para se lembrar de algo que se relacionasse com o assunto. Ficava encantado e me divertia à beça, em momentos compartilhados com familiares, vizinhos e amigos. Viajando nessas recordações, ainda ouço todas as gargalhadas e comentários.

Falar, ele falava muito, com todo mundo, a qualquer hora em qualquer lugar. Um longo papo ou uma simples e direta saudação era algo garantido. Quando lhe faltava companhia, convidava à boemia, parceira certa para horas incertas.

Como filho e espectador dessa rotina, acompanhava tudo de forma displicente, pois, criança, naturalmente minha preocupação era única: brincar. Mesmo assim, foi naquele período que absorvi outra de suas características, a paixão pela música.

Nesse processo de ouvi-lo falar, apreendi a ouvir o que ele ouvia, a cantar o que ele cantava e, logo depois, a tocar o que ele tocava. É, quase ninguém sabe, mas meu querido pai mandava uns acordes. Beatles, Bee Gees e John Lennon eram os sons tocados no meu violão, sempre num ato intimista e de recordação de sua juventude.

Margarido Ferreira de Araújo — a propósito, botafoguense. Como forma de celebrar a memória desse homem que tive a honra de receber como pai, parei, ouvi a sua voz junto com o meu coração e escrevi:  pai, obrigado por me fazer ouvir e também me ensinar a falar. Eu te amo, até breve!

André Araújo é jornalista e músico

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