Conheça a história de uma pediatra que faz a diferença na saúde do Acre
Todo mundo quer ser reconhecido. Todo mundo quer ser festejado. Todo mundo quer ser apontado como herói.
Mas quantos estão dispostos a trabalhar com devoção e humildade numa missão que exija sacrifícios? Quantos são capazes de se dedicar a uma causa justa sem contar com testemunhas de seu esforço? Quantos têm a coragem de, se necessário, abraçar o problema do outro e relegar os seus próprios a um segundo plano?
Poucos. Bem poucos. Mas essas pessoas existem. E sua atitude, além de fazer a diferença no mundo, estimula os mais despertos a refletirem sobre sua própria contribuição.
A doutora Elisa de Souza, pediatra e intensivista (especializada em terapia intensiva), é, certamente, uma delas. Atua há 17 anos nas UTIs de Rio Branco. Também atende no Samu e é professora da Ufac.
Escutar seu relato não é fácil. O ouvinte que se prepare. Se estiver minimamente atento, não sairá ileso: vai sentir o coração apertar e os olhos encherem d’água. Antes, de tudo, porque o universo em que Elisa vive é ritmado por muito trabalho e renúncias: ela nunca tem a certeza de que dormirá uma noite toda, nem de que poderá desfrutar de uma noite de Natal com seu marido e dois filhos, nem que descansará em suas férias, pois pode ser chamada a qualquer momento para um atendimento de emergência. Não bastasse, seu dia-a-dia é entrecortado de doenças, infortúnios e nele, com alguma regularidade, depara-se com a morte. Por envolver crianças, o cenário torna-se ainda mais dramático. É onde se vê mais de perto o sofrimento de inocentes, de mães, pais e profissionais que operam dentro dessa realidade.
De seu posto, Elisa tem uma visão privilegiada e dolorosa: a leitura cotidiana da miséria social. Crianças afetadas por doenças graves e feridas em acidentes, pequenas vítimas de grandes maus tratos, como tentativas de homicídio, e menores que tentam o suicídio são alguns dos casos que aportam no Hospital da Criança. Ainda, histórias chocantes como a da menina de 15 anos que chegou ao hospital com pancreatite alcoólica, quadro resultante de alcoolismo crônico, ou de outra, uma mãe de apenas 13 anos, internada na mesma UTI que seu bebê.
Seja como for, essa brava acreana que, aos sete meses de gravidez, foi vista no chão, entubando uma criança, não foge e não nega auxílio: “No calor da hora, não penso, eu vejo a criança e parto para cima igual a um leão, vou fazendo o que é necessário para salvá-la”, relata.
Conta que já houve momentos mais difíceis da saúde no Estado. Assegura que agora as condições de trabalho são muito melhores, sobretudo em relação a equipamentos e medicações. “Esperei 16 anos por uma UTI pediátrica e, há um ano, nós recebemos”, comemora.
Ainda assim, como única pediatra intensivista do Estado, Elisa explica a pressão emocional a que se vê continuamente submetida: “Eu não tenho com quem dividir uma decisão. E, neste caso, um passo errado ou um esquecimento pode significar a perda da vida de uma criança. Isso me marca muito porque também tenho filhos”. Em termos práticos, quer dizer que a médica, mesmo em suas poucas horas de descanso, não “desliga”. “Fico pensando nas minhas crianças”, diz. Às vezes, vai dormir e acorda de madrugada, com um diagnóstico difícil pronto na cabeça. Por isso, certa vez chegou cedo ao hospital dizendo à sua equipe: “O Lucas (nome fictício) tem Síndrome de Kawasaki”. O exame foi feito e ficou confirmada sua suspeita.
Por falar em equipe, esse é um dos portos seguros de Elisa. É composta por várias mulheres, todas mães – o que representa um componente afetivo fundamental naquele trabalho –, e apenas um homem. É um grupo que, apesar do pouco tempo de convívio, tem bom entrosamento e se entrega com garra aos desafios que surgem. Outro ponto de apoio a que recorre são os colegas de medicina: “O bom é saber que se eu precisar do serviço de um cirurgião, eu tenho, de um neurologista, eu tenho”.
Com absoluta franqueza, Elisa fala do cotidiano estressante. Narra, por exemplo, o quanto é impactante a morte de uma criança dentro da UTI: “Tem situações que fogem ao nosso controle. A criança está bem e, de repente, morre. Fico arrasada. O pior é dar a notícia para aquela mãezinha aflita. Tem dias em que nós todos choramos aqui.”
Mas o contrário também ocorre. Com o rosto iluminado por um grande sorriso, Elisa rememora que já presenciou inúmeros casos de recuperações espantosas. “Eu me pergunto como a criança suporta aquele nível de infecção, ou ficar entubada 15 dias, e, logo depois, já está restabelecida, sorrindo pra ti… Eu fico maravilhada!”, exclama Socorro Elisabeth Rodrigues de Souza – seu nome completo.
Diz um provérbio latino que “Nomem est omen”, ou seja, “nome é presságio”. No caso dessa mulher, a previsão é perfeita. Para começar, “Socorro”: mais explícito, impossível. E, ainda, “Elisabeth”, que significa “consagrada a Deus”. Muitíssimo coerente com a biografia da menina que, aos cinco anos de idade, já anunciava a que tinha vindo: “Eu vou ser médica”.