O aposentado Sebastião Carlos dos Santos, 71, mora com a esposa Irene, no bairro Cruzeirinho, em Cruzeiro do Sul. Ele conta que já pegou, aproximadamente, oito malárias. Há cerca de vinte dias, pegou novamente, tomou o medicamento e ficou curado.
Depois disso, Sebastião recebeu a visita do agente de endemias e se submeteu a um novo exame, denominado Lâmina de Verificação de Cura (LVC). Sua esposa também fez o teste, porque estava com suspeitas de ter contraído a malária. “Eu acho malária ruim demais. Logo me dá alergia. Duas noites sem sono é de certeza”, conta ela.
Sebastião confessa que não gosta dos remédios, mas toma direitinho. “Aquelas pilulazinhas amarelinhas não tem problema, o difícil são aquelas grandes”. Ele elogia o atendimento: “Moramos há sete anos aqui e o atendimento é muito bom. Eu nem sabia que estava com malária, não estava sentindo nada, mas o agente veio aqui e fez o teste, que deu positivo”.
Agente: o herói anônimo
Enivaldo Mendonça Uchoa é um dos 123 agentes de endemias que saem a campo, em busca ativa, diariamente. Para ele, o mais compensador do trabalho é a gratidão das pessoas. “Às vezes, a pessoa está acamada e fica muito agradecida com nossa chegada. E cada vez que a gente faz o trabalho e o número de casos é reduzido, também é muito gratificante”.
Os agentes se espalham por 12 distritos sanitários de Cruzeiro do Sul para a coleta de lâminas e posterior diagnóstico de malária e de leishmaniose. No trabalho de combate à malária, a notificação dos casos é compulsória. No ato da coleta da lâmina, o agente preenche uma ficha do Sistema de Vigilância Epidemiológica (Sivep).
O Sivep emite relatórios diários que ajudam a tomar as decisões. “A gente fica sabendo quais localidades têm alta incidência, quantos casos de falciparum ou de vivax, e decidimos qual ação iremos executar”, relata Simone Daniel, coordenadora de Endemias, de Cruzeiro do Sul.
Euzilene Valente de Carvalho é a supervisora do 11º distrito, que engloba o Centro de Cruzeiro do Sul e bairros próximos. Ela conta que no distrito as ações executadas são diagnóstico precoce, borrifação intradomiciliar e educação em saúde e, ainda, tratamento supervisionado, que é um controle para ver se o paciente está realmente tomando o medicamento de forma correta.
Embora existam 42 postos de coleta de lâminas em Cruzeiro do Sul, a procura da população pelo diagnóstico – que é denominada busca passiva – é baixa em relação à busca ativa – que é feita pelo trabalho dos agentes quando vão às casas e coletam as lâminas. A busca ativa é de extrema importância porque há casos em que a malária não apresenta sintomas, e se sabe que o diagnóstico, quanto mais precoce, melhor.
População no combate e controle da malária
O papel da população é fundamental para que as estratégias de combate à doença, promovidas pelo governo do Estado, tenham bons resultados. Uma das formas de contribuir com o controle da malária é permitir a entrada dos agentes nas residências e seguir as orientações quanto ao uso correto dos mosquiteiros impregnados de inseticida, além das outras formas de prevenção como, por exemplo, evitar as proximidades de rios, matas, açudes e igarapés – que são o habitat natural de mosquitos transmissores da malária – em horários que o inseto se alimenta (entre 5 e 7 horas ou entre 18 e 21 horas).
“Em alguns lugares, as pessoas não aceitam a visita dos agentes, não cumprem as recomendações e, o pior de tudo, não tomam a medicação conforme recomendado pelo agente. O governo está fazendo a sua parte, mas a população precisa entrar nessa batalha, porque, só assim, iremos novamente reduzir a malária no estado”, orienta a gerente do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Controle de Endemias da Sesacre, Thayna Holanda.
Números
De janeiro a novembro de 2013, mesmo com todas as estratégias do governo do Estado para prevenir a população do mosquito transmissor da malária, foram registrados 30.286 casos, 26% maior que no mesmo período de 2012. O município de Cruzeiro do Sul lidera o ranking de notificação, foram 17.743, representando 58,6% dos casos.
Apesar do acréscimo, quando comparado o número de ocorrência de malária registrado em 2013 com os números de 2006, observa-se que o estado diminuiu em 65% os casos da doença. As ações de vigilância também reduziram em 25% os números de internações por esta doença. Isso significa que a doença está sendo diagnosticada precocemente e que as pessoas estão recebendo tratamento adequado e com agilidade.
Thayna Holanda relata que, ao perceber o acréscimo nos números de casos da malária na região do Juruá neste ano, o governo do Estado buscou identificar onde estava o problema, tendo em vista que não houve redução nos investimentos.
Além disso, foi solicitada a vinda de técnicos do Ministério da Saúde (MS) para avaliar as estratégias desenvolvidas pelos gestores estadual e municipal, na qual não foi identificada nenhuma falha na execução dos serviços prestados à população.
“O governador Tião Viana, sempre preocupado com a saúde da população, ampliou os recursos e buscou, junto ao MS, mais incentivos para intensificar as ações de combate e prevenção à doença. Os agentes estão todos os dias em campo, fazendo o controle, a vigilância e a detecção de casos”, disse Thayna, lembrando ainda que os investimentos são altos e os resultados são satisfatórios: “Investimos muito na compra de equipamento, combustível, equipamento de proteção individual (EPI) e pagamento de funcionários. E isso não pode parar porque é importante manter esse controle”.
De acordo com a gerente, o Acre tem o melhor indicador do país no que se refere agilidade no tratamento e diagnóstico – 80% dos casos detectados são tratados em menos de 48 horas, a contar do início dos sintomas, cortando, assim, a cadeia de transmissão.
Investimentos
Em 2013, foram investidos mais de R$ 500 mil na compra de equipamentos como barcos, motor de popa, motocicletas e mobiliários. No início de 2014, serão entregues cerca 50 mil mosquiteiros impregnados, com investimentos de R$ 1,7 milhão do governo do Estado. O MS também deve repassar cerca de R$ 1 milhão ao Acre, para ações emergenciais contra a malária em Cruzeiro do Sul.
Descentralização dos municípios
As ações de vigilância epidemiológica e controle de doenças no Sistema Único de Saúde (SUS) foram descentralizadas pelo Ministério da Saúde (MS), permitindo maior controle social pela população, devido a proximidade do poder decisório situado nos municípios. Para compensar as desigualdades regionais, o MS estabeleceu o sistema de financiamento do Teto Financeiro de Vigilância em Saúde (TFVS) instituindo a transferência automática de parcelas mensais de recursos do Fundo Nacional de Saúde para os fundos de saúde de Estados e municípios certificados.
No Acre, todos os municípios já foram descentralizados e são responsáveis pela execução dessas ações, ficando o Estado responsável por monitorar e assessorar os municípios no desenvolvimento das atividades. Em Cruzeiro do Sul, as ações de combate à malária continuam sendo executadas pelo governo do Estado, em parceria com a gestão municipal, por ser o município com maior incidência da doença.
Combate à malária reconhecido
Representando o Brasil pelo terceiro ano consecutivo, o Acre foi classificado pela Organização Pan Americana de Saúde (Opas), no dia 6 de novembro, como o terceiro melhor exemplo nas Américas no combate à malária. Nas duas outras edições do prêmio, o estado ficou em segundo lugar. A estratégia do Acre se refere especialmente ao conjunto de ações desenvolvidas no Vale do Juruá, a partir de 2006 – ano em que ocorreu uma grande epidemia, quando chegaram a ser registrados 12 mil casos por mês. Hoje, esse número está um pouco acima de dois mil por mês, sendo que Cruzeiro do Sul concentra cerca de 60 % dos casos no estado.
O trabalho premiado pelas Opas é realizado em três frentes: a vigilância, feita por meio da coleta de lâminas, o diagnóstico e o tratamento. Isso inclui, também, um serviço educativo, feito pelos agentes durante as visita domiciliares, a borrifação intradomiciliar e a distribuição de mosquiteiros ou cortinados impregnados.