[vc_row full_width=”stretch_row” full_height=”yes” parallax=”content-moving” parallax_image=”355369″ parallax_speed_bg=”1″ css=”.vc_custom_1543716135160{margin-top: -250px !important;}”][vc_column][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width=”stretch_row” el_class=”blue-grey darken-4″ css=”.vc_custom_1543728759697{padding-top: 50px !important;padding-bottom: 100px !important;}”][vc_column][vc_custom_heading source=”post_title” font_container=”tag:h2|font_size:40px|text_align:center” google_fonts=”font_family:Fira%20Sans%3A300%2C300italic%2C400%2C400italic%2C500%2C500italic%2C700%2C700italic|font_style:700%20bold%20regular%3A700%3Anormal” el_class=”white-text”][vc_text_separator title=”Texto e Fotos: Alexandre Noronha || Revisão: Deyse Cruz e Elson Martins || Diagramação: Adaildo Neto” color=”white” el_class=”pequeno white-text”][vc_text_separator title=”Rio Branco, 2 de dezembro de 2018″ color=”white” el_class=”pequeno white-text”][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1521576300268{margin-top: -100px !important;}”][vc_column el_class=”white”][vc_column_text]Nem parece que, aqui em Rio Branco, faz tanto tempo assim que no fim da tarde as crianças saíam para brincar na rua. A gente brincava da barra, jogava bets, esconde-esconde e os outros meninos jogavam bola e soltavam pipa, mas eu mesmo nunca fui bom nessas coisas.
Lá em casa, o muro era baixo. O que presenciávamos de crime nessa época era só a inconveniência de perder um boné quando estávamos na rua e um menino passava correndo de bicicleta e pegava da nossa cabeça. Eu que nasci no finalzinho dos anos 80 tive essa infância.
Nem lembro quando percebi que não era pela estética que as casas que se enchiam de grades, mas pela segurança. Passando a infância e adolescência no centro da cidade, ali no bairro Aviário, não percebi a explosão urbana que a capital acreana estava passando.
De acordo com o historiador Marcus Vinicius Neves, “nos anos 70, com a Ditadura Militar e a crise do extrativismo, o governo (nomeado) Dantas estimulou a vinda de grandes empresas, fazendeiros e especuladores de terras para o Acre, em pouco tempo um terço das terras acreanas mudou de mãos”, explica. Diz também que o desmatamento e as transformações dos seringais em fazendas ocasionou o êxodo de milhares de famílias que há décadas moravam na floresta.
Foi por conta desse movimento que se iniciaram as chamadas “invasões”, que deram origem a novos bairros populosos, mas sem nenhuma estrutura básica. Em 90 anos, a cidade de Rio Branco se resumia a pouco mais de uma dezena de bairros, mas entre 1970 e 1999 esse número iria passar de 150. E assim se formava a periferia da capital.
Enquanto isso tudo acontecia no Acre, no Sudeste do país se formavam os maiores grupos criminosos do Brasil. No Rio de Janeiro, final dos anos 70, surgia a primeira. Enquanto em São Paulo, uma facção local tem sua origem em 1993.
As duas organizações criminosas seguiram alinhadas por quase duas décadas. O racha começou pela disputa de rotas do tráfico, antes dominada por Jorge Rafaat Toumani, o “Rei do Tráfico” no Paraguai, que, sozinho, controlava as rotas e revendia para facções brasileiras. Ele foi assassinado numa ação gigantesca orquestrada pelo grupo paulista. Então, desde 2016, as facções paulista e carioca disputam as maiores rotas de maconha e cocaína na América do Sul, pois o vencedor dessa disputa pode ganhar poder para dominar toda produção, comércio e distribuição das drogas.
A organização paulista dominou a principal rota do Paraguai, herdada de Jorge Rafaat. Então, o grupo carioca se viu obrigado a achar outro caminho: a Amazônia. No Amazonas se aliou a terceira maior facção do Brasil, surgida em Manaus. Por lá, conseguem entrar com maconha e cocaína vindas da Colômbia.
Já o Acre é disputado por fazer fronteira com a Bolívia, terceira maior produtora de cocaína do mundo e ainda com o Peru, segundo maior produtor da droga e maior produtor da folha de coca, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Com uma fronteira de quase 2.000 km entre florestas e rios, nosso estado se torna um corredor vulnerável para as drogas.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width=”stretch_row” full_height=”yes” parallax=”content-moving” parallax_image=”355366″ parallax_speed_bg=”1″][vc_column][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1521579302032{margin-top: -100px !important;}”][vc_column el_class=”white”][vc_column_text]
A Guerra no Acre
Depois de declarada, a guerra entre as duas facções não demorou a chegar ao Acre. Meses depois da morte do Rafaat, em 2016, os confrontos chegaram ao nosso estado. Aqui o grupo paulista é aliado de uma organização local, surgida dentro do Presídio Francisco D’Oliveira Conde, em 2013.
A rivalidade não se restringe aos presídios. Aqui fora a corrida pela dominação também acontece. Os bairros são disputados entre elas e disputados a preço de sangue. Quando conquistam uma região significa que possuem mais um território para o tráfico.
E foi essa guerra que colocou o Acre na lista dos estados brasileiros com maior número de assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes. Se até 2015 seguíamos a média nacional de homicídios, em 2016 pulamos para quinta capital mais violenta do país e ainda em 2017 ficamos em primeiro lugar, proporcional ao número de habitantes. Os dados são do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Quando uma região é dominada, além do controle da venda de drogas local, há também a chance de conseguirem arregimentar mais jovens daquele espaço. Essas pessoas são alvos valiosos para o crime. A criança e o adolescente estão ainda em fase de construção e são a todo momento assediados por ideias de poder, dinheiro e o mais importante: pertencimento.
Muitos vêm de uma família disfuncional de onde, muitas vezes, não se sentem pertencentes, e são acolhidos pelo tráfico. Eles também chamam suas facções de “família”. Alguém que nunca se sentiu parte de um grupo recebe proteção, “família” para proteger e um papel para desempenhar… Não parece um alvo tão difícil, não é?! Tantos outros entram ainda porque se sentem responsáveis pelo sustento do lar ou buscam uma ascensão social para sua casa.
Em todo o bairro eles são persuadidos. Enquanto andam na rua ou quando jogam bola nas quadras, e ainda mesmo em várias escolas. Esse assédio é algo difícil de ser notado pelas autoridades. E são justamente esses jovens as maiores vítimas, os que mais morrem têm entre 15 e 29 anos, segundo Atlas da Violência do Ipea.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width=”stretch_row” full_height=”yes” parallax=”content-moving” parallax_image=”355363″ parallax_speed_bg=”1″][vc_column][/vc_column][/vc_row][vc_row css=”.vc_custom_1521579302032{margin-top: -100px !important;}”][vc_column el_class=”white”][vc_column_text]
Como entram e como não saem
Como não sou especialista no assunto, precisei entender como funciona esse mundo a partir da perspectiva de quem vivenciou. Pude sentar e conversar com dois adolescentes que passaram por isso. Me explicaram que geralmente o jovem começa “colando” com os já faccionados. “Colar” na gíria deles é andar junto.
Ao andar juntos, eles começam também a ajudar nos crimes: venda de drogas, furtos, roubos, brigas ou mesmo apenas avisar da chegada da polícia no bairro. Mas existe sempre as “leis” aplicadas pelas organizações, como não roubar muito no próprio bairro.
Depois que o jovem ganha confiança da facção, ainda precisa de duas coisas para ser “batizado”. A primeira é ter um padrinho: só entram jovens com indicação de um membro. Depois disso, precisa cumprir uma prova passada pelos chefes; que pode envolver fazer um assalto e repassar a maior parte do lucro a eles, ou até mesmo matar algum rival.
O problema mesmo é sair. Depois que o jovem entra, a saída fica quase impossível, geralmente ele morre antes. A jornada no mundo das facções é intensa, porém curta.
Como tudo isso ainda é muito novo no nosso estado a busca de uma solução ainda têm sido estudada. Mas com intenção de salvar jovens, e consequentemente toda sociedade, conscientizando-os ainda no começo de suas vidas criminais ou mesmo tentando resgatar os que já entraram, o governo do Estado e Ministério Público do Acre criaram projetos ousados.
Eu tive a experiência de ir pessoalmente conversar muito com dois jovens envolvidos. Um deles conheci no Centro Socioeducativo Acre, onde está preso; o outro, cumpre medida socioeducativa em liberdade. Pegamos ônibus juntos e fomos andando da parada até sua casa, onde sentamos e passamos a tarde toda conversando. Foram conversas que me marcaram muito e me fizeram ter uma visão diferente sobre a própria sociedade. Busco nessa matéria contar um pouco da história desses dois jovens, que se agarraram à oportunidade de mudar de vida.
Escolha sobre quem você quer conhecer primeiro, é só clicar na foto:[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width=”stretch_row” full_height=”yes” equal_height=”yes” parallax=”content-moving” parallax_image=”355397″][vc_column parallax=”content-moving” el_class=”center-align”][vc_custom_heading text=”Roderick Alves da Silva é um menino negro, de altura mediana, meio desengonçado e tímido, porém simpático. A história de vida dele talvez seja a mais impactante que já ouvi” font_container=”tag:h2|text_align:right|color:%23ffffff” google_fonts=”font_family:Lobster%20Two%3Aregular%2Citalic%2C700%2C700italic|font_style:400%20regular%3A400%3Anormal”][vc_btn title=”Leia mais” el_class=”waves-effect waves-light modal-trigger” link=”url:%23modal1|||”][/vc_column][/vc_row][vc_row full_width=”stretch_row” full_height=”yes” equal_height=”yes” parallax=”content-moving” parallax_image=”355348″][vc_column parallax=”content-moving” el_class=”center-align”][vc_custom_heading text=”Depois de eu ter levado um bolo no dia anterior e de muitas mensagens no WhatsApp tirando todas as dúvidas sobre a entrevista, encontrei com o Talisson, um dos 8 meninos participantes do projeto Refazendo Trilhas, do MPAC” font_container=”tag:h2|text_align:left|color:%23ffffff” google_fonts=”font_family:Lobster%20Two%3Aregular%2Citalic%2C700%2C700italic|font_style:400%20regular%3A400%3Anormal”][vc_btn title=”Leia mais” el_class=”waves-effect waves-light modal-trigger” link=”url:%23modal2|||”][/vc_column][/vc_row]
[vc_row][vc_column][vc_column_text]Roderick Alves da Silva é um menino negro, de altura mediana, meio desengonçado e tímido, porém simpático. A história de vida dele talvez seja a mais impactante que já ouvi.Foi um dos primeiros nascidos do novo milênio, pois nasceu na manhã do dia 1º de janeiro de 2000. Ele nasceu em uma família pobre de um bairro de periferia, onde a chegada de um bebê talvez não gerasse mais tanta alegria, já que Roderick é um dos caçulas numa família de 10 irmãos e 3 irmãs, todos da mesma mãe e só um de pai diferente. Os pais se separaram quando ele ainda tinha 5 anos de idade. Um dia seu pai foi embora e passaram muitos anos sem se ver.
Criado com liberdade de andar na rua desde criancinha, experimentou maconha quando tinha apenas 7 anos de idade. Ele ainda lembra desse dia: disse que desmaiou e lembra que ficou viciado desde a primeira vez. Não tendo de onde conseguir dinheiro para manter o novo vício, começou a furtar já com a ajuda de meninos maiores do bairro. Era assim que Roderick, aos 7 anos de idade, entraria para o mundo do crime.
Tendo muitos problemas com o filho viciado em maconha e com diversas queixas dos vizinhos, a mãe resolve tenta salvar o filho das más companhias, junta o pouco dinheiro que tem e compra uma casa numa colônia na Transacreana. Mas o menino não se adaptou ao novo lar. Além das frequentes brigas com um dos irmãos, sentia saudade da cidade e de como estava levando a vida, então, decidiu vir embora sozinho, com 8 anos de idade. Ele lembra que a mãe ficou chorando enquanto ele vinha embora.
Na cidade Roderick não tinha para onde ir, então o jeito foi ficar na rua e dormir no Terminal Urbano. Para se alimentar e sustentar o uso da maconha, passava o dia pedindo dinheiro na rua; mas quando não conseguia o dinheiro suficiente, furtava. “Quando via alguma coisa ‘marcando’, pegava e saía correndo”, lembra.
E foi vivendo assim ao relento, pedindo daqui, furtando dali e algumas vezes passando fome ou frio, outras tantas vezes apanhando, disse que às vezes não sabia nem o motivo. Quando pergunto o que sentia, ele responde: “tristeza. Jogado, abandonado… O pessoal ficava falando besteira. Falando que eu era um drogado, que eu era isso e aquilo”, diz ele de forma pesarosa e com o rosto triste.
Perguntei se nessa época ele não sentia falta da família, e Roderick disse que sempre pensava na mãe dele e que ensaiava uma volta para casa, “dava aquela vontade, mas pensava que minha mãe tava com raiva de mim e não ia, não”, disse.
Depois de quase um ano na rua, foi abordado por assistentes sociais do poder público que o convenceram a ir morar no Educandário Santa Margarida, com 9 anos. Contou que gostou muito de lá, que era bem tratado, tinha um lugar mais confortável para dormir e era bem alimentado. Disse que a diretora gostava tanto dele que até pagava aula de natação para ele na AABB, que era uma coisa que ele adorava. Mas o ímpeto da liberdade nas ruas e a vontade de voltar a fumar o fizeram abandonar o Educandário.
Mas mesmo nas ruas ainda continuou indo à natação por um ano. Diz que uma memória feliz que guarda foi o dia que participou de uma competição, “foi uma sexta-feira, às 9h da manhã”. Fala que todo competidor tinha torcida e que nesse dia ele também tinha alguém torcendo por ele, a diretora do educandário. Ele me conta que ficou em terceiro lugar, e que ficou muito feliz com a medalha e ainda tirou várias fotos.
Com 10 anos começou a trabalhar. Com o dinheiro que pedia na rua, um dia resolveu comprar uma caixa de bombom e vender nos sinais, e viu o dinheiro se multiplicar; então começou a vender cada vez mais. Assim conseguia comprar além de sua alimentação, roupas. Mesmo assim nunca parou de furtar quando precisava de mais dinheiro e também continuava usando maconha.
Certa vez, premeditando o furto de uma loja o dono percebeu e chamou a polícia. Dessa vez Roderick foi preso, com 12 anos recém completos. Ainda ficou internado 3 meses, até que ligaram para sua mãe, que ele nunca mais havia visto. Na pousada, disseram à mãe que assinasse os papéis e assim poderia levar seu filho para casa… Ela não quis. Roderick me fala que não sentiu raiva da mãe, mas tristeza. Então ele foi encaminhado para um abrigo em Porto Acre, onde passou uma semana e fugiu.
[/vc_column_text][vc_gallery interval=”3″ images=”355354,355353″][vc_column_text]FINALMENTE, UMA FAMÍLIA
Quando voltou a Rio Branco não voltou ao Terminal Urbano, mas para seu antigo bairro, o Defesa Civil. Lá, perguntou nas ruas se alguém conhecia o pai dele e logo achou a casa. Sete anos depois do abandono de seu pai, se reencontraram e disse que ficou muito feliz nesse dia e nos próximos 5 meses em que moraram juntos novamente. Falou que seu pai sabia que ele furtava, mas que não o expulsou de casa.
Enquanto morava com seu pai no bairro em que nasceu, reencontrou um amigo, o Bruno, com quem andava antes de ir morar na Transacreana. Bruno que tinha 16 anos, quatro mais velho que Rodrigo, praticava furtos envolvendo valores muito maiores. Então chamou Roderick para morar junto com ele e sua esposa; uma traficante da mesma idade de Bruno. Com 12 anos Roderick passou a usar cocaína. Como na música Mágico de Oz, do Racionais MC’s, “moleque novo que não passa dos doze, já viu, viveu, mais que muito homem de hoje”. Na verdade, a letra inteira parece a história dele.
Então juntos, ele e Bruno, passaram a invadir lojas durante a madrugada. Roderick conta que passou a praticar esses crimes pensando nos valores muito mais altos, que sonhava em juntar dinheiro para comprar uma casa. Com 13 anos, morando numa boca de fumo junto com o casal, ajudava na venda de drogas, nas invasões das lojas e passou ainda a assaltar residências com seu parceiro e outros amigos.
Roderick me fala que não considerava o casal Bruno e Rafaela como amigos, mas que havia passado a considerar esses adolescentes como pai e mãe de criação. O casal cuidava dele como se ele fosse filho, e apesar da vida que levavam era uma relação de amor, eles eram sua nova família.
Aos 14 anos Roderick recebe uma proposta, um recado mandado de dentro do presídio; se ele cumprisse poderia realizar seu sonho de ter sua casa própria. A proposta era: matar a madrasta desse presidiário, que ele alegava ser uma mulher mais nova e mais forte que seu pai, um idoso, e ainda que batia no velho com muita frequência; se a executasse o menino ganharia uma casa como pagamento. Roderick, que a essa altura já sabia usar arma de fogo, mas até então só havia atirado em árvores, aceita o trato.
De madrugada, tremendo de nervoso, invade a casa silenciosamente – havia aprendido com Bruno como retirar o tambor da fechadura – e enquanto desce a escada rumo ao quarto do casal, o velho sai de surpresa correndo para cima dele com um terçado. No desespero, o menino atira aleatoriamente e sai correndo. No dia seguinte descobre, por um jornal televisivo, que havia matado o idoso com um tiro no peito.
Mas nesse ano não seria essa morte que mais marcaria a vida de Roderick, e sim a morte do seu pai de criação e parceiro. Bruno tinha feito um assalto junto com outro jovem do bairro, mas quando foi cobrar sua parte, o jovem disse que não lhe daria nada. Sabendo que Bruno o mataria, o rapaz se adiantou e foi armado à casa de Bruno, e o executou. Ainda ameaçou Roderick e seu irmão de morte.
Na mesma noite, Roderick junto com um irmão mais velho (também amigo de Bruno) e mais dois jovens amigos de Bruno se reuniram e foram à vingança. Invadiram a casa do rapaz, mas ele já havia fugido, então atiraram em um dos parentes e foram ainda à casa de quem havia emprestado a arma com a qual Bruno foi assassinado. A pessoa estava em casa, e foi morta. Roderick estava junto, mas foi seu irmão quem matou.
Nessa madrugada, Roderick e seu irmão foram presos. O irmão está preso até hoje, junto com outros três, e uma das irmãs também já foi presa quando era menor de idade. Outra perdeu a guarda dos filhos pelo Conselho Tutelar, então um casal de sobrinhos seus de 7 anos e outro bebê de apenas 1 ano, estão Educandário Santa Margarida.[/vc_column_text][vc_single_image image=”355396″ img_size=”full”][vc_column_text]
FACCIONADO AOS 15
Em 2015, já de volta às ruas, Roderick fez outro amigo: o Maron. Além de andarem juntos também eram parceiros no crime, mas às vezes seu amigo ia sozinho. Uma dessas vezes invadiu a casa de um homem e durante o assalto cortou o dedo da vítima. Maron não imaginava que o homem era parente de um “conselheiro” da facção carioca, o qual mandou avisar que tanto ele quanto o Roderick estavam jurados de morte.
Dias depois, Roderick foi almoçar na casa de seu parceiro. O amigo se serviu e sentou na calçada. Ele ainda colocava comida em seu prato na cozinha, que tinha uma janela com vista para fora de casa, de onde avistava o companheiro. Foi quando ouviu uma voz: “Levanta, Maron, pra morrer”, seguido de um estouro. Maron jazia morto ali na calçada com sua última refeição.
Desesperado por proteção, Roderick se lembrou que um de seus irmãos que estava preso era membro da facção paulista. Então mais que rapidamente mandou seus dados. Com o apadrinhamento do irmão, conseguiu velocidade no trâmite, e logo mandaram sua prova: um assalto onde deveria doar a maior parte do lucro a eles. “Cumprindo sua parte” e assim, aos 15, era membro batizado de um grupo criminoso.
Mas, três meses depois, foi preso novamente por assaltar uma casa lotérica com um amigo, portando uma arma de fogo de grosso calibre. Roderick está internado desde então, já pela 5ª vez. Fala que durante essas vezes que foi preso já deve ter escapado de morrer cerca de 4 vezes, e já foi espancado severamente por colegas de cela.
Há um ano e meio atrás, Roderick se vingou de um colega de alojamento que havia batido nele, matou o menino. Continua cumprindo medidas até agora por causa desse assassinato. Me diz que já passou por todos os centros socioeducativos e já aprontou muito, mas que agora acabou a vida do crime para ele e que se arrepende muito de ter cometido esse homicídio.[/vc_column_text][vc_single_image image=”355395″ img_size=”full”][vc_column_text]
A MUDANÇA EXTERNA
Roderick está internado agora no Centro Socioeducativo Acre, local para onde são destinados meninos em cumprimento de medidas de internação. Antes mesmo de conhecer o Roderick, fui algumas vezes conhecer mais um pouco de como funciona o sistema da unidade, que é referência na Região Norte pela inovação nas medidas.
Lá, os jovens não passam o dia todo presos nos alojamentos. Eles vão para aula dentro de uma sala no mesmo espaço das celas. Existe uma escola que tem mesmo cara de escola. Os que estudam de manhã, têm a tarde de folga e vice-versa, onde ficam livres nas dependências do centro. Uns jogam pingue-pongue, outros jogam damas, enquanto outros conversam. Uma liberdade com ordem.
Além dessa liberdade existem ainda projetos que eles podem participar. No primeiro dia que visitei o centro, pude assistir uma palestra sobre empreendedorismo ministrada pelo Senac. Em outro dia da mesma semana, aconteceu uma das etapas do concurso do projeto O Som da Liberdade, nesse dia era a etapa que escolheu os três meninos que vão passar para a grande final. Nesse dia, antes mesmo de saber que falaria com Roderick, o vi apresentando uma música cristã: Carta Viva.
Esse é um projeto de música idealizado pelo Gabinete da Vice-Governadoria do Estado que acolhe os socioeducandos que têm interesse em participar, com aulas de instrumentos e canto. O concurso no dia era de canto, mas na banda já havia meninos no violão, contrabaixo e no Cajon. Foi bem bonito poder assistir esses meninos tão animados, cantando com as mãos para cima. Estavam competindo entre si, mas não pareciam rivais. Todos sempre eram aplaudidos pelos colegas.
Em outra visita à unidade, vi que enquanto um grupo participava de um culto cristão no pátio, outro participava de uma dinâmica sobre família em uma sala de aula, ministradas por duas psicólogas voluntárias. Uma delas me apresentou a turma e perguntou se eu poderia assistir às atividades e eles permitiram. Sentei com eles e, então, pude perceber como ali muitos têm problemas familiares. Pude presenciar ainda o dia da feira de conhecimentos da escola, que era como aquelas feiras de ciências nas escolas comuns.
Outra inovação desse centro é que os internos lá dentro estão “desfaccionados”, ou seja, os que aceitam ir para essa unidade, tendo sido “batizados” ou não, concordam que lá dentro não manifestarão os interesses das organizações às quais foram ligados. Sendo assim, não há rixas nesse sentido. Para o que o país se tornou depois da guerra de 2016, só esse fato já é uma grande revolução.
Tudo isso é fruto de um novo sistema experimentado a partir desse ano. Para chegar a esse modelo foram muitos estudos e uma construção conjunta entre o ISE, que conta com uma equipe aguerrida de psicólogos, assistentes sociais e um gestor técnico com especialidade na área: Rafael Almeida; e o Ministério Público por meio da nova Promotoria Especializada de Execuções de Medidas Socioeducativas, liderada pela promotora Vanessa Muniz. Agora, a meta para o ano que vem é evoluir. O plano é que essa unidade tenha ensino integral ao modo das escolas militares acreanas.[/vc_column_text][vc_single_image image=”355401″ img_size=”full”][vc_column_text]A MUDANÇA INTERNA
Roderick, que já foi apreendido tantas vezes, diz que agora foi diferente, que agora ele sabe que não quer mais essa vida. Não diz que vai mudar, diz que já mudou. Lá dentro não tem mais nem notícias da facção que uma vez entrou e testemunha a importância desses projetos. Fala que é diferente, que eles se sentem muito melhores com essa nova abordagem.
Na vida dele, lá dentro, três coisas se destacam. A primeira é a escola; cursando ainda a 5ª série, com 18 anos, ele diz que as vezes que ele realmente estudou foram as vezes em que esteve preso. Conversei com uma professora dele e ela me garantiu que ele é bom aluno, é esforçado, e que tem muito mais afinidade com matemática do que com português. Outro destaque para Roderick foi o projeto O Som da Liberdade. Ele diz que não quis aprender a tocar um instrumento, mas sim a cantar. Questionei sobre sua timidez, e ele me responde dizendo que fez assim tímido mesmo, que se não enfrentasse o medo nunca ia poder fazer a aula.
Mas o jovem me fala – e até sua expressão muda – que o que foi mais importante para a sua total mudança foi a possibilidade que o Centro Socioeducativo Acre oferece de participar dos cultos e dos estudos bíblicos que acontecem no pátio com as igrejas Universal e Assembleia de Deus. Comenta que ele agora se sente uma nova pessoa, que essa vai ser sua última vez internado. Diz que já combinou com um dos pastores para gravarem o vídeo de desfiliação da facção, quando ele sair.
Dos 51 internos que havia nos dias em eu visitei o lugar para realização dessa matéria, Roderick foi o escolhido por algumas questões. Uma delas é a vasta experiência de vida que ele já tem, pela história dele, outra questão foi como as pessoas que eu conversava falavam sobre ele… Diziam que lá todos gostavam e torciam por ele, que acham que ele realmente mudou. Mesmo a psicóloga me disse que o comportamento e perfil dele são realmente animadores.
Perto do fim de nossa conversa, pergunto se Roderick tem memórias felizes e ele sorri – o sorriso dele não é aquele que só mexe os lábios, toda a expressão muda, seus olhos e até as orelhas parecem se mover – me dizendo que a primeira coisa feliz que ele lembra foi do aniversário dele de 8 anos, porque nesse dia ele ainda estava com sua família e teve bolo, presentes e fotos. Esse havia sido a única festa de aniversário que ele havia tido, até completar 18 lá na unidade e sua cunhada levar um bolo com refrigerante, quando ele comemorou com a equipe do centro.
Outra memória muito feliz é de quando ele ganhou a medalha da natação e lembra ainda de quando ia tomar banho num igarapé junto com o Bruno e a Rafaela.
Também pergunto a ele qual sua perspectiva para quando ele sair do centro socioeducativo. Ele me conta que é só mudar de vida mesmo, de fazer o vídeo com o pastor saindo da facção e ir ajudar a família. Quer voltar para a colônia para ajudar sua mãe e seu padrasto, que hoje já estão velhos para mexer com trabalho pesado da roça. Ele me diz que vai tentar reunir os irmãos, que agora é para todo mundo trabalhar na roça ajudando a mãe.
Algo que me tocou no Roderick desde a hora que ele disse que ficou triste quando a mãe não assinou os papéis quando ele foi preso pela primeira vez, é que ele não parece ter absolutamente nenhum ressentimento da família. O pai, que abandonou a família quando ele era criança, ele disse ter ficado feliz em reencontrá-lo. E agora sonha em voltar para casa e viver em família, para ajudar a mãe que não tem mais tanta força para o trabalho pesado. Achei isso muito bonito nele.
Perguntei como estava essa relação com sua mãe e ele disse que está ótima, que eles mal conseguem se falar, porque onde ela mora não tem sinal, mas quando ela consegue ligar para o centro, ele fala bastante tempo com ela e depois fica se sentindo muito feliz por vários dias. Aquele sorriso de rosto inteiro se abre de novo quando ele comenta sobre isso.
Pergunto se ele quer me falar mais alguma coisa. Ele diz que sim, que falou comigo porque quer ser um exemplo para quem ler essa matéria, quer ser testemunha também na igreja, “eu quero mostrar pro pessoal lá fora que eu mudei mesmo. Falar bastante. Falar que conheci a Deus através da Palavra. Tem lá: ‘Ouve a minha voz, atende o meu clamor… ‘ Tem também João 8.32: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’. Em Isaías 55: ‘Buscai a Deus enquanto se pode achar… ‘ Dessa palavra aí eu vi que seguir a Deus é o caminho certo, que a única salvação é Ele”.
No dia que o vi a primeira vez ele estava cantando a música Carta Viva, que diz: “Sou Tua carta viva, que não precisa de apresentação”. É, Roderick, acho que é isso que você é mesmo: uma carta viva.
– Roderick não é o nome real do personagem. Foi modificado, para resguardar sua identidade -[/vc_column_text][vc_single_image image=”355402″ img_size=”full”][vc_btn title=”Fechar” link=”url:%23!|||” el_class=”modal-close waves-effect waves-green”][/vc_column][/vc_row]
[vc_row][vc_column][vc_single_image image=”355349″ img_size=”full”][vc_column_text]Entrei meio suado e esbaforido no ônibus, que já estava saindo quando eu o alcancei no Terminal Urbano. Depois de eu ter levado um bolo no dia anterior e de muitas mensagens no celular tirando todas as dúvidas sobre a entrevista, encontrei com o Talisson, um dos 8 meninos participantes do projeto Refazendo Trilhas, do Ministério Público do Acre. Ele chegou um pouquinho antes de mim, mandou mensagem dizendo que não me viu no ponto e já havia entrado no ônibus. Entrei no terminal e vi o ônibus começando a andar, corri, dei com a mão e entrei. Sabe aquele calor típico do Acre? Estava fazendo.
Finalmente o conheci. Um rapaz claro, magro, com uma tatuagem no antebraço, um rosto meio encoberto por um boné e um sorriso que quando aparece, entrega que ele ainda está mais para menino do que para homem. Tímido, mas mais simpático do que aparentava ao telefone.
Depois de pouca conversa, descemos na sua parada. Do ponto até sua casa são cerca de 2 km, e para não ter que andar tudo isso ele vai de bicicleta até uma borracharia próxima do ponto, onde o senhor dono do pequeno empreendimento cuida da bicicleta dele e de mais vários meninos que fazem o mesmo. Mas como eu não tinha nenhuma bicicleta fui andando. O bairro é fruto de uma invasão, com pouca infraestrutura.
Quanto mais entramos, mais as marcas da facção são vistas para sabermos ‘quem domina’ ali… Mais à frente outro muro pichado, agora com o recado: “Abaixe os vidros”. Fui ficando com algum medo já que eu não era morador do bairro e estava com minha câmera na mão. Precisava fazer meu trabalho, mas se roubassem meu equipamento ficaria sem ter como trabalhar por um bom tempo. Perguntei a ele se a chance de eu ser roubado era alta. Como ele era dali pensei que ele me ‘acalmaria’ dizendo que não, mas ele só sorriu, ficou balançando a cabeça e disse: “Rapaz… É!”.
Nas ruas, passei por muitos estudantes, por homens trabalhando na frente de suas casas, mulheres com bebês, um evangélico na frente de sua igreja usando roupa com gravata àquela hora da manhã. A maioria me olhava um tanto ressabiada por conta da minha câmera, mas quando eu olhava de volta para cumprimentar, eram muito simpáticos.
Chegamos à sua casa depois de quase meia hora. Mas, chegando lá, ele para, se vira para mim e pede para que eu volte depois porque, diz ele, a casa estava cheia e ele não ficaria à vontade para conversar comigo. Mais tarde soube que “a casa cheia” deveria ser seu padrasto, com quem não tem uma boa relação. Marcada a hora da conversa, volto andando e encontro minha esposa no caminho. Ela viera me buscar.
Conforme combinado, retorno à casa dele. Uma pequena construção inacabada de alvenaria. A sala quase toda pintada de verde com uma parte em tijolo aparente, de onde dá para ver o restante da casa, que ainda mescla ora tijolos aparecendo, ora paredes rebocadas, e outras partes pintadas em cores vivas. Nos quartos lençóis ou cobertores pendurados usados como portas. Na sala, o piso branco limpíssimo e uma televisão onde passa uma novela mexicana infanto-juvenil dublada em português. Ele divide o pequeno espaço com sua esposa – uma menina de 17 anos -, sua mãe, padrasto e mais três irmãs do atual casamento de sua mãe.
Enquanto Talisson fala comigo, passa a maior parte do tempo olhando lá para fora, através da porta aberta. Conta que nasceu no bairro Taquari, mas que veio para esse outro bairro quando era muito criança e que a única memória que tem do Taquari é a alagação. Fala que sempre morou com a mãe e que sempre tiveram uma boa relação e que quando seus pais se separaram ele ainda era muito novo, mas mantiveram contato.
Agora ele estuda no período noturno, ainda no primeiro ano do Ensino Médio. Atrasou-se dois anos, um deles foi ano passado quando se envolveu numa briga para proteger a cunhada de um rapaz, que ameaçava bater nela com mais dois amigos. O rapaz ameaçou ele também, então no dia seguinte ele foi com toda a turma do bairro, vários meninos com quem andava, e colocaram esses rivais para correr. Depois desse dia Talisson não voltou mais às aulas.
Depois que desistiu da escola, um tio muito querido para ele o chamou para passar uns dias na colônia o ajudando em seu trabalho de caseiro. Por lá pelos ramais desse lugar ele se locomovia com uma motocicleta sem documento e um dia resolveu vir à cidade com ela, mas foi parado pela polícia e o levaram à delegacia. Ficou apreendido algumas horas até sua mãe ir buscá-lo.
Pude também conversar com a mãe dele, por telefone. Dona Juliana engravidou com a idade que o filho tem hoje: 18 anos. Ela me fala que Talisson sempre foi um bom filho e que era obediente, mas que sentiu que ele começou a se afastar depois que ela se separou de seu pai quando ele ainda tinha 7 anos. Pouco tempo depois ela conheceu seu atual marido, e Talisson foi ficando cada vez mais distante. Ela acha que ele sentia ciúmes e quando ela ia conversar com ele, ele não falava muito. Ela conta ainda que o menino e o padrasto nunca se deram muito bem.
Diz que rebelde mesmo ele nunca foi. Conta também que a distância deles aumentou ainda mais por causa de seu trabalho, que para poder sustentá-lo ela trabalha muito como doméstica e só chega em casa à noite. Nos fins de semana, Dona Juliana tem as tarefas do lar para fazer, além das outras três filhas menores para cuidar. Ela comenta que foi assim que Talisson foi ficando mais tempo nas ruas e “arrumando essas amizades”.[/vc_column_text][vc_single_image image=”355340″ img_size=”full”][vc_column_text]
TALISSON E JONATAS
Na conversa com Talisson começamos a falar sobre amizades e qual o envolvimento dele com uma facção acreana. Ele fala que como era do bairro desde criança, conhecia a maioria dos meninos por terem crescido juntos, mas que só considerava um como amigo verdadeiro: “mas, amigo mesmo, o único que eu confiava era no Jonatas”, diz. Pensando nessa conversa novamente, percebo que foi no Jonatas que ele pode ter reencontrado o pertencimento.
Eles se conheceram aos 14 anos e logo se tornaram melhores amigos, só andavam juntos. O problema era que o novo amigo já era faccionado, dessa maneira ele acabou se entrosando mais e começou a “colar” com os outros meninos também. Fala que à noite só andavam em bandos, “era aquele monte de menino”. Se alguém mexia com um, eles todos se juntavam e iam tirar satisfação. Viviam em brigas, “mas era só briga mesmo”.
Depois, Talisson também começou a servir de olheiro no bairro, ficando pela rua para avisar imediatamente à facção toda vez que a ronda da polícia entrasse. Cada vez mais envolvido, tendo ainda um potencial padrinho que era o Jonatas, era questão de tempo para Talisson entrar de vez na facção acreana. Pouco tempo.
Até que um dia foram presos. Ele e Jonatas estavam na rua quando foram surpreendidos pela polícia que fazia ronda no bairro. Como Jonatas estava armado com um revólver foram levados à delegacia. Eram menores de idade, ainda com 17 anos, então puderam esperar a audiência em liberdade. Jonatas não foi à audiência.
Foi assassinado antes disso.
Executado pela própria facção por um engano… Um jovem rival membro do Comando Vermelho conseguiu hackear sua conta de Facebook. Usando a conta de Jonatas fez um post declarando que agora era membro de uma facção carioca. Morando num bairro completamente dominado por uma facção acreana, a organização tratou de resolver a suposta traição no mesmo dia. Talisson estava dormindo quando um colega foi à casa dele para avisá-lo que seu melhor amigo acabara de ser assassinado.
Talisson correu até onde o corpo ainda estava caído. Disse que a única coisa que conseguiu sentir foi raiva. A facção mandou perguntar nas ruas se alguém era contra aquela execução, mas ele sabia que qualquer manifestação significaria sua morte. No dia seguinte o membro do grupo carioca que havia hackeado a conta de Jonatas posta uma selfie com a legenda, “nem Deus escapou da traição”. Percebendo o engano, a facção local pediu desculpas… Mas na mesma semana executou outro menino, no mesmo erro.
Ele conta que aquele bando de meninos que ele andava junto nas brigas, “não tem mais ninguém”. Fiquei confuso e perguntei: como assim, não tem mais ninguém?
“Ham!” – um sorriso que continha sarcasmo e tristeza – “Por causa disso daí, da facção mesmo. É o que a facção faz, quem é que não sabe? O que ela traz pro cara? Ela não traz nada. Só acabou mesmo com os caras daqui. Não tem mais ninguém. Nem dos que eram mesmo (já membros batizados) nem dos que colavam, que é quase a mesma coisa”.
Conta que só ali pela redondeza das ruas vizinhas foram cerca de 7 jovens executados. Um deles foi a organização rival que matou, mas os outros foi a própria facção: “Uns porque estavam devendo droga, outros porque estavam roubando demais aqui no bairro, outros fingiam estar na igreja, mas pegavam eles falando com os caras da outra facção… Aí eles matavam”. Disse ainda que o mais velho devia ter no máximo 27 anos.
[/vc_column_text][vc_gallery interval=”3″ images=”355345,355343,355341″ img_size=”full”][vc_column_text]TRILHA REFEITA
Talisson me conta que quando viu seu melhor amigo ali caído decidiu que ia mudar e se afastar da facção, porque percebeu, “Os que não estão mortos, estão na cadeia e os que não estão na cadeia estão pra igreja. Só sobrou eu e os meninos da igreja”, analisou. Ainda sem ter muita ideia de como era ter um outro cotidiano, sua audiência chegou na hora certa, aquela que ele e Jonatas foram pegos portando arma de fogo. Foi sentenciado a prestar serviços públicos.
Antes mesmo de sair foi abordado pelas assistentes sociais do Ministério Público do Acre, Sandra e Vanderléia, que explicaram que ele cumpriria essa sentença lá. E disseram que ele participaria de um projeto e o convidaram para o lançamento e que esse novo projeto era feito não só para colocar ele para que ele cumprisse uma sentença, “Falaram que o projeto não era isso, só de nos botar pra trabalhar. Que o projeto era pra nós sermos alguém, pra que a gente pudesse crescer na vida. Será que é isso mesmo? Eu pensei”.
O projeto se chama Refazendo Trilhas, concebido no próprio MPAC, pela promotora Vanessa Muniz e sua equipe na nova Promotoria de Especializada de Execuções e Medidas Socioeducativas. Em sua primeira etapa, o programa consistia em trazer ao Ministério Público 8 adolescentes sentenciados a prestação de serviços públicos. “Esse foi o primeiro projeto, aqui em Rio Branco, para receber adolescentes para efetivamente cumprir a medida dentro do Ministério Público, com esse olhar mesmo de medida socioeducativa e não com o olhar de recriminação, de ser um devedor para sociedade”, explica promotora Vanessa Muniz.
Uma vez na instituição eles seriam encaminhados aos mais diversos setores. A escolha do setor era feita de acordo a afinidade de cada jovem, e lá eles recebiam todo o treinamento para que aprendessem o máximo possível sobre um novo ofício. Ainda recebiam uma pessoa como referência para contato direto, que seria alguém responsável pelo jovem na repartição. Isso ajudou os jovens a se sentirem melhor acolhidos. Talisson foi encaminhado à Central de Atendimento, lá, recepcionava as pessoas e as encaminhava para qual promotoria ou setor deviam seguir.
A responsável por ele foi a coordenadora do CAC, Nazaré Gadelha. Ela diz que se esforçou a ensiná-lo tudo sobre acolhimento, atendimento, orientação e encaminhamento; “além de explicar sobre o trabalho, ofereci a ele um estudo sobre atendimento de excelência. E o vi praticar corretamente. Talisson é um menino educado, respeitador e proativo”, diz muito orgulhosa.
Refazendo Trilhas é além de tudo um projeto muito corajoso, pois além de lidar com o preconceito lidava também com um certo risco. Era algo novo e sem precedentes, então levar jovens infratores para dentro da instituição foi um ato de ousadia e também de fé, fé nesses meninos. E a confiança foi respondida: durante toda a etapa que os jovens estiveram na instituição não houve uma ocorrência sequer.
A procuradora-geral do MPAC, Kátia Rejane, me diz que quando a promotora Vanessa apresentou o programa à ela pedindo autorização, foi a realização de um sonho, pois quando esteve à frente da Promotoria de Defesa da Criança e do Adolescente tentou aprovar um projeto, não idêntico, mas com a mesma essência. Porém, por conta de diversos empecilhos e de a instituição viver em um momento em que ainda não havia muito a prática de realização de projetos, não conseguiu prosseguir com seu programa.
Então hoje, como procuradora-geral de Justiça nesse novo momento da instituição, pode ajudar a dar vazão ao programa. Diz que reuniu a diretoria, chamou a promotora Vanessa para apresentar e disse que seu voto era sim. Nessa mesma reunião o projeto foi aprovado. E logo todos estavam se envolvendo… Como os meninos almoçavam no restaurante do MP, a promotoria precisava de parceiros e os parceiros surgiam a cada dia, então sempre alguém se escalava para pagar o almoço deles.
Perguntei ao Talisson como ele se sentiu trabalhando lá. Ele me disse que no primeiro dia de trabalho já pensava em si como uma pessoa diferente. “Eles estão me tratando de boas”, diz ter pensado. “Se estão botando confiança em mim, eu que já estava querendo mudar, vou ganhar a confiança deles”. Acostumado somente com o mundo em que vivia, com aqueles antigos amigos e as pessoas que o marginalizavam, disse uma frase que me tocou muito e me fez refletir em como ele devia ser tratado: “Foi diferente. Nunca tinha ido a um lugar que tratavam a gente daquele jeito, não”.
Depois, enquanto ele apertava a capa do sofá com a mão esquerda, parou de olhar para fora e olha para mim por alguns segundos, com os olhos marejados. Referindo-se a seu amigo Jonatas, diz: “Se ele tivesse vivo também, depois desse projeto aí acho que nós dois tínhamos saído. Ele já tava querendo sair também. Eu conhecia ele, sei que ele teria saído. Nós já estávamos nos afastando devagarinho. Porque ninguém se afasta de uma vez, né?!”
Até a relação dos meninos com a família melhorou. A cada 15 dias a Promotoria Especializada de Execuções e Medidas Socioeducativas auxiliada pelas assistentes sociais, técnicas e psicólogas do MPAC, reunia todas as famílias para acompanhamento e práticas de dinâmicas. “No começo todos eram mais tímidos, mas logo isso mudou e todo mundo participava”, diz Dana França, psicóloga do MP.
A primeira etapa do projeto terminou. Agora os jovens avançaram para o segundo passo, a qualificação profissional. Depois de uma temporada de três meses conhecendo outra realidade trabalhando no Ministério Público, agora todos estão fazendo cursos profissionalizantes no Senac. Mas as reuniões familiares continuam e o acompanhamento da instituição com os jovens prossegue mesmo depois de todas as etapas, “a gente continua o acompanhamento porque é importante para sedimentar o que eles aprenderam e vivenciaram no cumprimento da medida”, esclarece promotora Vanessa.
Talisson me disse que quando acabou a primeira etapa ficou triste porque estava gostando muito e “preferia ir pra lá do que ficar em casa”. Mas que depois que o curso começou está gostando muito. Ele, que havia ficado no departamento de atendimento, agora faz curso de recepcionista.
A terceira etapa do processo todo é conseguir encaminhar todos os alunos ao mercado de trabalho. Agora com experiência, curso profissionalizante e o testemunho de uma instituição com a credibilidade do Ministério Público, Talisson e todos os outros participantes conseguem voltar a ter chances mais reais de emprego.
Pergunto a ele seus planos para o futuro, “a gente sempre pensa, né?! Me vejo bem, agora é mudar e trabalhar”, declara. Conta ainda que com o trabalho vai poder tentar conseguir uma casa fora daquele bairro e morar com sua esposa, que daqui para frente é outro Talisson.
Liguei para a mãe dele para saber como ele estava indo: “Ah, tá ótimo! Se afastou daquelas amizades… Tá até gostando de fazer curso e ele não gostava de fazer curso, mas tá feliz lá com esse do Senac. Graças a Deus!”, diz toda contente.
A experiência de escrever essa matéria, de poder transitar nessa instituição conhecendo as pessoas que estão envolvidas no projeto, de ver o comprometimento e o amor delas pelo programa; e ainda de fazer essa jornada de conhecer outras realidades que são as desses jovens, que durante sua vida vão passando por um processo de desumanização, invisibilidade, preconceitos e reducionismos; e então ver renascer a esperança neles, de que ainda há chance, que existem outros caminhos e possibilidades, os quais agora eles se enxergam capazes de trilhar, me fez criar uma empatia muito maior por eles e suas histórias.
Eu realmente acredito neles. Acredito de verdade nesse projeto. Torço muito por todos aqueles jovens e torço para que mais instituições tomem iniciativas como essa. Sei que tem muita gente que é ruim, mas também acredito muito que um a grande parte foi por uma decisão errada ou por estar apenas se deixando levar ou ainda por não conhecerem outro mundo, outra realidade. Gostaria que todos tivessem outra oportunidade e fossem resgatados da morte como o Talisson foi e o Jonatas, não.
– Talisson, Jonatas e Dona Juliana não são seus nomes reais. Foi um pedido do protagonista dessa história, para resguardar sua identidade -[/vc_column_text][vc_btn title=”Fechar” link=”url:%23!|||” el_class=”modal-close waves-effect waves-green”][/vc_column][/vc_row]