No coração da floresta, Festival Yawa reúne espiritualidade, tradição e cultura

Na chegada, um ritual sagrado dá boas-vindas àqueles que vão participar da 14ª edição do Festival Yawa (Fotos: Gleilson Miranda/Secom)
Na chegada, um ritual sagrado dá boas-vindas àqueles que vão participar da 14ª edição do Festival Yawa (Fotos: Gleilson Miranda/Secom)

São quase 15 horas de viagem, entre via terrestre e navegação, para chegar à Aldeia Nova Esperança, no alto Rio Gregório, em Tarauacá.

No coração da floresta amazônica acreana, na parte mais alta das terras indígenas, um ritual sagrado dá as boas-vindas àqueles que vão participar da 14ª edição do Festival Yawa, do povo indígena yawanawá, iniciado no domingo, 25, com término neste sábado, 31.

Essa que é uma das maiores festividades indígenas da Amazônia, que reúne tradição, cultura e espiritualidade. Um breve relato sobre o festival pode ser um bom convite a quem quiser saber mais sobre esse momento de conexão com a floresta.

Haux Haux, Txai

“Haux haux, Txai”. Para os yawanawás, a expressão significa uma saudação. Uma afirmação. Boas-vindas. Este é o “povo da queixada”, que etimologicamente faz parte do tronco linguístico Pano. Os primeiros contatos com os não índios se deram por volta do século XX, quando os seringalistas começaram a explorar a borracha na Amazônia.

Dispersos pelo impacto da exploração, os índios afastaram-se da sua cultura e do local onde viviam. Mas, a partir de 1984, iniciou-se o processo de demarcação da terra. Hoje a população yawanawá é superior a 700 indígenas, que vivem nas aldeias Nova Esperança, Mutum, Escondido, Tibúrcio, Amparo e Matrinchã, ao longo do Rio Gregório.

A Nova Esperança é liderada pelo cacique Biraci e sua mulher, a pajé Putani, e outras lideranças tradicionais, como os pajés centenários Tatá (102 anos) e Yawá (104 anos).

Ritual de Uni – pajelança com Ayahuasca

Cura, fogueira, cantos, rapé e dança comandam a abertura oficial dos festejos, que nesta edição homenageia as mulheres yawanawás. Seja pela bravura, força, coragem ou firmeza, o festival enaltece a figura da índia guerreira, mãe do povo, geradora de vidas.

As lideranças espirituais da aldeia conduziram o início dos rituais de Uni, com rodadas de pajelança e ayahuasca (bebida sacramental de vários povos amazônicos e andinos). O governador Tião Viana, que há anos prestigia o festival, recebeu a purificação dos indígenas, num ritual de proteção.

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“O grande desafio da humanidade é a convivência entre o homem e a natureza. Como chegar a essa convivência de maneira adequada é nosso maior desafio. Eu vim aqui para escutar melhor o povo yawanawá”, expressou o governador.

Cultura Yawa: o sagrado

Na segunda-feira, 26, Tião Viana e sua equipe de governo fizeram uma caminhada de três horas à Aldeia Sagrada, no meio da mata intocada, entre árvores gigantes, animais raros e exóticos e a diversidade dos frutos da floresta. “O ambiente mais lendário e místico da floresta acreana”, observou Viana.

Biraci contou que a Aldeia Sagrada é o local onde pela primeira vez os yawanawás viram um homem branco subir o barranco do Rio Gregório. É o local onde, outrora, habitava todo o “povo da queixada”, sob a orientação de Antônio Luiz, o patriarca centenário e maior pajé, hoje enterrado no cemitério da aldeia.

A árvore sagrada – uma sumaúma milenar de muitos diâmetros de espessura – reitera a magia da floresta, na qual os índios a consagram como a maior divindade da mata. O local preserva a grande oca, onde o povo yawanawá habitou unido, antes da dispersão.

(Foto: Gleilson Miranda/Secom)
(Foto: Gleilson Miranda/Secom)

O resgate das tradições

No fim da tarde, um resgate cultural marcou mais um rito: o uso das flechas, numa rodada competitiva entre os participantes. O instrumento reforça a retomada da essência indígena, da tradição que durante muito tempo não era praticada no festival.

“É isso que o festival traduz: um momento de relembrar nossa origem, nossa ancestralidade, e fazer uma reflexão para não perdermos essa harmonia com a natureza, a maneira como o yawanawá vive”, observa Biraci Júnior, na prévia do ritual do peixe-boi – uma tradição indígena que legitima o modo yawá de resolver as diferenças.

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Ritual do peixe-boi – uma tradição indígena que legitima o modo yawá de se resolver as diferenças (Fotos: Gleilson Miranda/Secom)

“As desavenças são resolvidas assim: chamamos a pessoa que ofendeu e o ofendido para o centro de uma roda formada pelos índios. E daí, com o talo da bananeira, cada um bate nas costas do outro duas vezes. Pronto, o problema está resolvido”, explica Biraci Júnior.

Celebração e união encerram a segunda noite do festival

A segunda noite de celebração do Festival Yawa ganhou um toque especial. O pajé centenário Tatá falou sobre as origens yawanawá e a magia da floresta para a vida.

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Os japoneses Silvio e Silvia escolheram a aldeia Nova Esperança para reafirmarem a longeva união sob a orientação do pajé Tatá (Fotos: Gleilson Miranda/Secom)

O discurso e o local escolhido, o amplo terreiro em frente à casa do cacique Biraci, foi o cenário ideal para a celebração da união do casal de japoneses que, coincidentemente, chamam-se Sílvio e Sílvia. Eles escolheram a Aldeia Nova Esperança para reafirmar a longeva união sob a orientação do pajé Tatá.

Mais de 300 visitantes de outras aldeias do Brasil e de diversos países do mundo estão na Aldeia Nova Esperança para participar do festival – um atrativo cada vez mais forte e que garante destaque ao turismo do Acre em relação aos demais estados da Região Norte.

Kanarô, Txais

E assim foram as duas primeiras noites do Festival Yawa. Repletas de cores, formas e das boas energias que emanam da natureza. Para quem precisou deixar a aldeia antes do dia 31, uma palavra yawanawá traduz o sentimento:

Kanarô – um pássaro que voa mais alto levando e trazendo mensagens de saudades. Mesmo a quilômetros e dias de distância da Aldeia Nova Esperança, ficam as lembranças e a saudade do que é fazer parte da cultura, expressão e pensamento yawanawá.

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