Desde 1999, o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é o instrumento de gestão territorial para uma nova ordem territorial no Acre, em substituição às antigas formas de ocupação e uso insustentáveis dos recursos naturais. É um pressuposto da estratégia de desenvolvimento sustentável do governo do Estado e da sociedade acreana.
O Acre fortalece uma economia florestal e agroflorestal sustentável, considerando o contexto global de mudanças climáticas e as estratégias de repartição dos benefícios oriundos dos ativos florestais e da biodiversidade, compreendidos em seus 14 milhões de hectares de florestas primárias, das quais 7,5 milhões são terras protegidas.
Por meio do zoneamento, foram estabelecidas as bases para o diálogo em um embate que se inicia na década de 70 e se consolida nos anos 90, com a legitimação eleitoral do projeto de desenvolvimento sustentável do Acre, sonhado e postulado pela luta dos seringueiros, povos indígenas e trabalhadores rurais, liderada por Chico Mendes e Wilson Pinheiro.
Esse instrumento de gestão territorial foi pensado e construído para implementar a sustentabilidade, o que significa distribuição dos frutos do trabalho, equidade social, equilíbrio ambiental, preservação da sociodiversidade, compartilhamento de poder, igualdade de direitos civis e políticos e o cultivo da boa ética. O ZEE não vem para servir aos desígnios de exploração das elites políticas e econômicas da Amazônia, mas para dar suporte aos propósitos de desenvolvimento sustentável e emancipação social.
Eis a síntese do sonho: no caso do Acre, o problema econômico, sociopolítico e ambiental fundamental é superar o modelo de crescimento predatório e construir o projeto de desenvolvimento sustentável local, visando aumentar o produto econômico, eliminar a pobreza, elevar o nível de bem-estar da população, criar formas de aprofundamento democrático e fortalecer a identidade dos povos que constituem a população do Acre, assegurando a conservação de recursos e a preservação do ambiente natural.
Ao se tornar lei, que nasce como um grande pacto da sociedade acreana (foram oito anos de construção, discussões, fóruns, diálogos e produção de conhecimento), materializa-se o objetivo de implantar e consolidar uma economia florestal, baseada no manejo sustentável múltiplo dos recursos (floresta, solo, rios, lagos e outros recursos ambientais), combinada com formas agropecuárias sustentáveis, valorização de ecossistemas e a implementação de políticas de valorização da cultura local e instituição de instrumentos de compartilhamento do poder político com a sociedade.
Esse projeto, construído de forma participativa pela sociedade acreana, tirou o Estado do escuro, da impunidade, e lançou as bases de infraestrutura nas duas gestões do governador Jorge Viana (1999-2006), avançou com a inclusão social e visão de futuro do governador Binho Marques (2007-2010) e continua avançando no caminho da sustentabilidade na gestão do governador Tião Viana (2011-2014), com uma economia de baixas emissões e de alta inclusão social.
A Iniciativa Economia Verde do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), lançada em 2008, concebe a economia verde como aquela que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Tem três características preponderantes: é pouco intensiva em carbono, eficiente no uso de recursos naturais e socialmente inclusiva.
Esse conceito para o Estado do Acre é antigo e se confunde com sua história de lutas. Têm-se resultados significativos nos indicadores socioeconômicos dos últimos anos destacando-se pela escolha de um modelo de desenvolvimento sustentável que garanta a emancipação financeira do Estado com ganhos socioambientais, oportunizados pela escolha de uma economia de baixo carbono.
Essa economia de baixo carbono e alta inclusão social pode ser caracterizada por um modelo econômico baseado na produção local sustentável, que faz uso de mecanismos e recursos renováveis de forma eficiente, minimizando as emissões dos gases de efeito estufa na atmosfera e garantindo o bem-estar de sua população.
O governo do Acre vislumbra o futuro, conhece a importância e dimensão do problema da produção e estabeleceu como o grande desafio do desenvolvimento econômico a industrialização e o fortalecimento das cadeias produtivas locais, com base no conhecimento do território. Sendo assim, promove a integração da produção familiar nas indústrias de escala onde houver presença governamental, inclusive pela participação dela no negócio através do investimento público.
O ZEE como instrumento se materializa nas diferentes políticas públicas, indicando que o fomento aos pequenos negócios, às comunidades frágeis e isoladas, urbanas e rurais, e aos grupos em situação de pobreza seja prioridade na geração de ocupação e inclusão produtiva. Isso faz parte da estratégia da formação de trabalho, ocupação produtiva, renda e redução das desigualdades sociais, para fortalecimento de uma economia verde e para caminhar no desenvolvimento sustentável, não como objetivo, mas como processo.
Está-se trabalhando num Novo Modelo (com base em conhecimentos tradicionais) que já é exitoso e procura respeitar e cuidar da comunidade, da vida, garantindo integridade ecológica associada a uma forte justiça social, tendo como base o conhecimento do território, num amplo processo democrático que garante a construção do processo por todos, por meio de fóruns, conferências, consultas e pelos conselhos estaduais.
Esse projeto de desenvolvimento sustentável já reflete mais qualidade de vida para todos em várias áreas. No período de 1998 a 2010, a população do Estado do Acre cresceu 43%, ou seja, foram mais de 200 mil pessoas no período de 12 anos. Mesmo assim, o PIB per capita cresceu 197% no período de 1998 a 2008. Na área da saúde, a mortalidade infantil diminuiu 57% no mesmo período. Na educação, a taxa de analfabetismo foi reduzida em 48%, o que significa a metade da taxa que era em 1998 (24,5%). Do lado do meio ambiente, a preocupação foi regulamentar as terras indígenas e criar novas unidades de conservação, fazendo com que nesse período as terras protegidas aumentassem 144%. Hoje, 46% do território acreano é de terras protegidas. Por outro lado, a pobreza, que em 1998 era de 25,9%, hoje é de 18,2%, representando uma redução de 30%, mesmo considerando o crescimento populacional no período (Tabela 1).
Tabela 1. Alguns indicadores de mudança e de cuidado com o Acre, 2011
Essa é parte de uma história construída a muitas mãos (foram mais de 400 técnicos que trabalharam diretamente no ZEE Fase I e Fase II) e com a vida de muitos companheiros que só pode ser completamente entendida se vivida e compartilhada. É uma pequena contribuição de quem está vencendo uma realidade desfavorável de conservar a floresta e criar esperança para seus povos.
Muito ainda há por se fazer nesse varadouro da sustentabilidade, porém, o conhecimento do território, entendido aqui como o Zoneamento Ecológico-Econômico, é a base para tornar realidade o sonho de viver em um mundo sustentável.
*Eufran Ferreira do Amaral, diretor-presidente do Instituto de Mudanças Climáticas do Acre
*Engenheiro Agrônomo (Universidade Federal do Acre) e doutor em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas) pela Universidade Federal de Viçosa. Foi secretário de Meio Ambiente do Estado do Acre (2007-2010). É pesquisador da Embrapa Acre desde 1996. Atualmente é diretor-presidente do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais do Acre. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Gênese, Morfologia e Classificação dos Solos, atuando principalmente nos seguintes temas: Amazônia, zoneamento, mudanças climáticas, serviços ambientais e planejamento de uso da terra