São 170 empregos diretos, 700 famílias extrativistas do látex envolvidas, mais de R$ 2 milhões inseridos na economia da borracha e 100 milhões de camisinhas produzidas anualmente. Com esses resultados e cinco anos de operação ininterrupta, a fábrica de preservativos Natex (pronuncia-se “Nátex”) foi responsável por uma grande mudança social e econômica na cidade de Xapuri (AC), representando 20% do mercado de camisinhas distribuídas gratuitamente no Brasil e consolidando seu projeto de desenvolvimento sustentável em plena Floresta Amazônica.
A Natex é um departamento da Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac), construída a partir de uma parceria entre o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, e o governo do Estado. Mais que uma fábrica, ela é um exemplo de que é possível associar o uso sustentável da floresta às tecnologias de ponta e movimentar a economia sem degradar a natureza.
As camisinhas da Natex são as únicas do mundo produzidas com látex de seringal nativo, o que dá uma resistência maior que suas concorrentes ao produto.
E é o Ministério da Saúde que compra todas as camisinhas produzidas. Elas são distribuídas principalmente nas campanhas do governo federal de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), aids e hepatites virais, em todos os estados da Região Norte (menos Tocantins), além de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal.
Um novo ciclo da borracha
A borracha já foi considerada o “ouro do Norte” e movimentou bastante a economia mundial. Mas, com seu polo produtivo deslocado para a Malásia após a Segunda Guerra Mundial, o extrativismo se tornou uma prática de pouco retorno econômico na região e o ciclo da borracha decaiu.
Em 2008, por meio dos subsídios do governo federal e estadual e amparadas pela garantia de um destino certo e bom preço para sua produção, centenas de famílias voltaram a cortar seringa e tirar da árvore uma boa parte do seu sustento.
Entre as 2.500 famílias moradoras da Reserva Chico Mendes, cerca de 700 estão cadastradas para vender látex e pelo menos 500 permanecem em atividade. Os seringueiros colhem o látex e, para facilitar a entrega à cooperativa que leva até a fábrica, podem levar o produto a um dos 16 pontos de coleta organizados, sendo 14 deles dentro da própria reserva. O ponto mais próximo da fábrica está a 18 km de distância dela, no Seringal Cachoeira, e o mais distante está próximo da cidade de Brasileia.
A empresa Cooperacre é a responsável pela coleta do látex entre os seringueiros e suas associações. O serviço foi concedido por meio de licitação aberta pelo governo. João Pereira da Silva, o “João do Moisés”, é contratado pela Cooperacre para realizar a logística de coleta do látex. Uma equipe de 20 pessoas faz o serviço, interrompido durante a entressafra, no período de chuvas de dezembro a abril. Segundo João, “Hoje esse é um negócio tão sólido que o que os produtores realmente precisam do governo são as condições estruturais de trabalho, como ramais ou pontes nos seringais”.
Toda semana a equipe faz a coleta nos pontos, levando os galões de látex cheios e deixando os vazios. E durante a entressafra, enquanto o trabalho de coleta não recomeça, os seringueiros tiram sustento principalmente da safra da castanha, do roçado e outras atividades.
O projeto representou uma mudança na vida de pessoas como Raimundo Pereira, seringueiro de 59 anos que vive na comunidade Rio Branco, no Seringal Floresta. Filho de seringueiro, Raimundo começou a cortar seringa aos sete anos de idade. Ele relatou: “antes de a fábrica abrir, conheci um monte de gente que até parou de cortar seringa. Eu mesmo parei. A fábrica reviveu o corte. Deram o material e o dinheiro, deram uma animada pra gente recomeçar”.
Existe até certo medo de que a fábrica pare, um receio, entre os seringueiros, de que a situação volte a ser como era antes. Mas a consolidação da Natex tem acalmado o ânimo da maioria dos produtores. Seu Raimundo tira cerca de R$ 800 por mês e seu irmão mais de R$ 1.000. “Levanto às 3 horas da madrugada. Saio às 4 horas. Volto só a uma da tarde. Todo dia são 10 ou 12kg de látex. Tem gente que pega muito mais”, afirmou.
Além disso, a renda de Raimundo não vem só da seringa. Ele tem seu roçado e faz algumas vendas de produtos dentro da comunidade. Vivendo com a mulher e dois dos quatros filhos, contempla o futuro tranquilamente sentado na varanda de sua casa, dada pelo governo, e que ele já expandiu em três cômodos. “Quero continuar cortando seringa, é o que eu sei fazer, eu gosto”, disse.
Um marco profissional
A fábrica de camisinhas Natex é a segunda maior empregadora de Xapuri, com vários departamentos técnicos, inclusive um laboratório, tudo certificado com a ISO 9001. Dos 170 empregados, 98% são de Xapuri mesmo. E, em seus cinco anos de funcionamento, 33 funcionários desenvolveram suas carreiras, migrando para cargos superiores.
É o caso de Samara Aquino, de 27 anos, que hoje é a gerente industrial da fábrica. Ela foi admitida para o cargo de analista em 2007, quando, recém-formada em Farmácia e Bioquímica, passou para responsável técnica e chegou até a gerência de todo o processo de produção. “Fiz minha faculdade fora do Acre e nunca imaginava conseguir algo tão bom em Xapuri, que é minha terra natal”. Morando dentro do complexo industrial, em uma das casas construídas na área da fábrica, Samara atesta: “Esta fábrica é uma oportunidade de crescimento para Xapuri, tanto na cidade quanto no campo”.
O mesmo vale para uma de suas amigas de infância, Maisa Farias, que a própria Samara chamou para trabalhar. Formada no mesmo ramo e tendo feito faculdade em Manaus, Maisa conta que estava descontente de voltar a morar em Xapuri. “Fui selecionada pela empresa e voltei. Mas, quando vim pra cá, no primeiro dia apareci com a cara inchada de tanto chorar. Foi só a partir do momento que entendi o projeto que passei a amar isso aqui”. Maisa começou a carreira como analista de laboratório, passou a responsável técnica e hoje é a gerente do laboratório da fábrica.
Na área técnica, o jovem Junior Silva, de 25 anos, não esconde sua satisfação. Ele brinca dizendo que foi um dos fundadores da fábrica, onde entrou em março de 2006, quando havia acabado o ensino médio em Epitaciolândia. Saiu do sítio onde vivia e foi ajudar na montagem dos equipamentos da fábrica, com um trabalho tão bem feito que, após conclui-lo, foi disputado pelos setores técnico e químico da Natex, tornando-se operador de preparação química da fábrica. “Cada dia eu gostava mais e pensava ‘eu vou ver isso aqui tudo funcionando’. Foi meio que um resgate também, meu avô era seringueiro”, declarou.
A Natex tem investido nos profissionais jovens. “Somos empreendedores, além de inovadores, para conquistar a maior produtividade possível”, explica Dirley Bersch, gerente-geral da fábrica desde que foi inaugurada. Também se encaixa nesse perfil Roney Bispo, de apenas 23 anos, sendo que esse é seu primeiro trabalho de carteira assinada. “Fiz os primeiros testes, não consegui, mas não desisti. Eu queria trabalhar aqui na Natex, virou meu sonho, não me conformava de ficar de fora”, contou. Após ser admitido, começou na limpeza, passou para a embalagem e agora se prepara para assumir função na área de fabricação.
Duas vezes mais poderosa
O sucesso da Natex tem trazido tamanho reconhecimento para a empresa que, apesar da crise mundial, os governos federal e estadual decidiram pela duplicação da fábrica de preservativos. Apenas com acréscimo de maquinário, sem a necessidade de obras estruturais, a fábrica se prepara para aumentar a produção de 100 para 200 milhões de camisinhas e corresponder a 40% de tudo o que é consumido nas campanhas de prevenção a DSTs e aids no país.
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Entenda as etapas do processo de produção das camisinhas na Natex:
1 – O látex entregue na fábrica tem sua qualidade testada, em seguida é armazenado e centrifugado, para ficar livre de impurezas;
2 – Depois de centrifugado, o látex é armazenado em tanques, que podem sustentar a fábrica por até seis meses, especialmente durante a entressafra;
3 – É preparado o composto e realizada a adição de produtos químicos. Em seguida é novamente armazenado e descansa de dois a três dias antes de entrar na linha de produção;
5 – Entra na fase de fabricação. Três máquinas mergulham moldes no látex e moldam a camisinha. Cada máquina pode produzir 100 mil unidades por dia;
6 – Então as camisinhas são lavadas e secas em máquinas específicas;
7 – Cada camisinha passa por um teste elétrico que detecta furos e imperfeições. As perfeitas passam para a próxima etapa e as imperfeitas são moídas e mandadas para uma fábrica em Minas Gerais onde são transformadas em sola de sapato. No máximo, 10% das camisinhas produzidas são descartadas por imperfeições;
8 – As camisinhas são coladas em uma esteira, lubrificadas e embaladas;
9 – As camisinhas são encaixotadas. 174 unidades por caixa, que segundo o Ministério da Saúde, é o numero médio de relações sexuais que os homens brasileiros mantém por ano;
10 – Encaixotamento e encaminhamento das 7 a 8 milhões de camisinhas produzidas por mês.{/xtypo_rounded2}