Mercado verde: iniciativa pública e privada de ativos ambientais

Por José Luiz Gondim dos Santos

Os mercados de ativos ambientais, também conhecidos como mercados verdes, são fundamentados em compromissos internacionais, considerando valores éticos sociais em escala global, e devidamente internalizados sob uma perspectiva conjunta de responsabilidades nos ordenamentos jurídicos brasileiros. Tal compreensão é salutar dada a necessidade de delineamento dos mercados voluntários (privado) e mercados regulados (jurisdicional/estatal/nacional-subnacional) e seus mecanismos econômicos e financeiros.

Nesse sentido, temos pelas complexidades do desenvolvimento dos mecanismos econômicos e financeiros do mercado verde, associados à internalização das normas internacionais nos ordenamentos jurídicos nacionais, bem como as forças de interesses públicos e privados. Conquanto os objetivos sejam coexistentes, por vezes tornam-se conflitantes diante da busca pela melhor eficiência de políticas públicas, revelando o antagonismo entre posições entusiastas e descrentes nesse segmento.

A criação da sistemática de mercado delineada nas conferências sobre meio ambiente e aprimoradas em Kyoto e Paris revelam a necessidade de revisão e fortalecimento de metas e urgência no restabelecimento de confiança.

Nesse universo de mercado, em regra, temos dois atores possíveis e de excelência.  De um lado, a iniciativa privada, com os projetos privados. De outro, o próprio poder público, com os projetos jurisdicionais na construção e no desenvolvimento de arranjos econômicos e financeiros para geração de ativos ambientais, especialmente do carbono equivalente, proteção da natureza e promoção de bem-estar social.

Cada iniciativa tem peculiaridades quanto às regras, metodologias, verificações, registros, bem como trabalhos e levantamentos técnicos-científicos a serem realizados para o bom desenvolvimento do modelo adotado.  Além da exigência da clareza, certeza e transparência da normatização legal do mercado, também há o mesmo nível de exigência quanto ao tratamento de dados, aplicação de metodologias, validação e verificação de todo o trabalho de mensuração dos ativos ambientais para que surtam os efeitos de existência, eficácia e validade para fins de mercado.

Nesse sentido, uma variável nevrálgica da construção do mercado são os modelos de padrões metodológicos (standards) que devem orientar todo trabalho técnico de base aliada à lei e orientações internacionais para mercados privados (particulares, voluntários) e mercados jurisdicionais (Estados). Confira a Tabela 1.

Standard Jurisdicional

 

1.   ART/TREES;

2.   Acre Carbon Standard (ACS);

3.   Califórnia Florest Carbon (CFC)

4.   E outros;

Standard Voluntário

 

1.   VERRA (conhecido como VCS);

2.   Gold Standard;

3.   Social Carbon;

4.   Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (não mais permitido novas projetos e emissões);

5.   Plan Vivo;

6.   GHG Protocol;

7.   E outros.

A distinção básica entre as metodologias consiste no fato de que standards jurisdicionais fundamentam-se em compromissos internacionais e legais, a exemplo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), do Protocolo de Quioto, Acordo de Paris e normas nacionais, que estabelecem limites de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e trazem regras de negociação entre as partes. Os standards voluntários/privados, por sua vez, estão limitados pelas regras de mercado, sendo admissível tudo que a lei não proíbe ou que contra ela seja incompatível, sendo admissível a criação, pela iniciativa privada, de regras próprias quanto à mensuração de GEE.

De todo modo, os padrões metodológicos de geração de ativos de créditos de carbono equivalente (tCO2eq), sejam eles voluntários ou jurisdicionais, não escapam às exigências do rigor técnico-científico, de segurança jurídica e transparência. Nessa toada, dada a abrangência das variáveis e possíveis discussões acerca do tema, faz-se necessário o aprofundamento a ser dado noutra oportunidade.

Ademais, cabe dar destaque à relevante missão insculpida ao mercado verde, ou seja, a contribuição de gerar escala e efeitos capazes de reduzir emissões suficientes para contribuir com as metas da UNFCCC quanto à redução do aquecimento global, cuja relação está diretamente relacionada à capacidade real de evitar desmatamento e degradação, bem como o modo de vida poluente, com acurácia, segurança jurídica e técnico-científica, e qualquer mínimo risco sobre o projeto e/ou programas pode trazer sua perda de valor ético e de mercado por completo.

Os agentes envolvidos na cadeia de valor desse mercado são: proprietário ou responsáveis pela gestão da terra; desenvolvedores de projetos; desenvolvedores de metodologias; certificadores; intermediários (brokers e traders) e clientes. Outros atores podem surgir nessa cadeia de valor, considerando as regulações legais específicas de mercado jurisdicional.  Um fato importante a se destacar é a atuação desses agentes, considerando as melhores práticas de compliance e conformidade, as quais devem ser fracionadas, cada parte fazendo uma atividade, pois a conjugação de atividades num mesmo agente pode comprometer a integridade do projeto ou programa e criar risco reputacional para o momento da negociação em mercado. Como exemplo, observa-se que não é aconselhável que o agente desenvolvedor do projeto seja o mesmo a certificar as emissões equivalentes (tCO2eq).

O atual estágio do mercado e das decisões de países é buscar desenvolver seus mercados de ativos ambientais com padrões de alta integridade: acurácia, segurança jurídica e transparência associados aos objetos do UNFCCC na busca de maior reconhecimento internacional e intensiva valoração de esforços para garantir maior retorno às políticas públicas de desenvolvimento sustentável, o que coloca os modelos jurisdicionais em maior evidência pela conexão de fins entre os países e coloca em relativo enfraquecimento os modelos voluntários.  Uma forma de equacionar muitas variáveis de incerteza, principalmente sobre dupla contagem e efeitos sobre as metas em Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) e o alinhamento de estratégias que permita a interoperabilidade entre padrões metodológicos – um assunto que deve aquecer ainda mais num futuro próximo.

Sejam jurisdicionais ou voluntários, os modelos de desenvolvimento econômico baseado em soluções naturais são modelos integrativos de ações e atividades capazes de potencializar crescimento econômico, proteção e valoração dos recursos naturais, inclusão e bem-estar do ser humano, num modelo caracterizado como modelo de desenvolvimento capitalista regenerativo de stakeholders (capitalismo reconstrutivo de partes interessadas).

Nesse ínterim, deve ser frisado que em tais modelos de desenvolvimento, principalmente os modelos jurisdicionais, que podem se aninhar aos privados a fim de melhor valoração, a natureza possui a infraestrutura natural inteligente e suficiente para promoção de commodities (ativo ambiental), valor e vida para a humanidade, cabendo ao homem uma revisitação e retrospectiva na escala evolutiva para que possa compreender que ele é componente integrado ao meio e que a exploração inteligente dos recursos naturais permite mais eficiência econômica e maior desenvolvimento humano e proteção de si mesmo.

Em sendo assim, o poder público e a iniciativa privada devem racionalizar as relações para promover modelos de desenvolvimento compartilhados, seguros técnico-jurídico e científicos, e com o melhor regime de partição de benefícios públicos e privados, fortalecendo a sociedade, a natureza e a economia.

José Luiz Gondim dos Santos é advogado, gestor de políticas públicas, mestre em Ciências e Especialista em Economia Contemporânea, com experiência em projetos de políticas públicas e programas de integridade e Environmental, Social and Governance (ESG).