“Amor de marinheiro
é amor de meia hora,
quando o navio suspende os ferros
o marinheiro vai embora.”
(Canção do repertório popular que integra a Marujada)
O acreano Aldenor da Costa Souza tinha apenas oito anos quando conheceu a Marujada, em Cruzeiro do Sul. “Eu ouvia cada música duas, três vezes e já aprendia”, relata, referindo-se às marchas, sambas, cocos e valsas que compõem a manifestação folclórica levada ao Vale do Juruá pelo amazonense Osvaldo “Galego” em meados do século passado.
Fazem parte da brincadeira canto, dança e dramatização, com acompanhamento de banda: piston, banjo, violão, pandeiro e tambor grave são os instrumentos primordiais. Durante uma hora, é narrada uma rebelião dentro de um navio, do imediato contra o comandante, que por sua vez o repreende e ameaça jogá-lo ao mar. Nesse momento, como sinal divino, precipita-se sobre eles uma terrível tempestade. Assustados, todos se ajoelham e rezam a Nossa Senhora, a Jesus e José, pedindo clemência. A tempestade acaba e a ordem é reestabelecida.
A Marujada é observada em várias regiões do Brasil e normalmente traz a memória do tráfico negreiro. Em cada local apresenta características peculiares; no Acre, não tem caráter predominantemente religioso e é realizada, basicamente, no Carnaval. “Antigamente a gente brincava em 30 casas nas três noites”, lembra Aldenor.
Ao longo da folia momesca, o Brig Esperança, grupo de Osvaldo, Aldenor e de Chico do Bruno, falecido em 2015, fazia visitas às moradas nas quais era convidado a se apresentar, costume que remonta à tradição da Folia de Reis e da Festa do Divino. A agremiação contava com até 30 brincantes. “Hoje não tem mais isso”, assinala Aldenor, que se preocupa com a manutenção desse patrimônio cultural do estado. “Os jovens gostam de outras coisas”, lamenta.
O pesquisador da musicalidade tradicional do Acre, Alexandre Anselmo dos Santos, que também é músico do Brig Esperança, pondera: “Uma das dificuldades para se manter essa tradição é que a Marujada não é algo simples de se transmitir. É uma ópera, uma obra de arte complexa, que leva anos para ser aprendida”, analisa. “Para se ter uma ideia, tem uma música chamada “O Gajeiro”, que só pode ser cantada por uma criança, no personagem de marinheiro mirim. Então o grupo precisa sempre ter essa criança preparada para o papel, o que nem sempre é fácil”, explica.
Aos 75 anos, Aldenor dedicou boa parte de sua vida buscando consolidar esse fazer cultural. Mesmo quando, jovem, casou-se e foi viver no alto Juruá, nunca deixou de ser “marujo”, ia sempre que podia a Cruzeiro do Sul: “Eu sempre gostei da Marujada. Eu acho muito bom, e a gente tem que fazer o que gosta”.
Foi nessa época que desenvolveu outra habilidade, que sempre representou o seu ganha-pão: “Criei meus filhos cortando seringa. Fiquei famoso como seringueiro, ‘fiz’ 800 quilos no primeiro ano. Um dia, um camarada me perguntou como eu conseguia e eu respondi: ‘Você tem que se virar, dar seus pulos’”.
Agenda
Neste Carnaval, a Marujada irá se apresentar no dia 27, às 18h, na praça do Novo Mercado Velho, em Rio Branco.