Juíza que adotou criança fala da maternidade além dos laços sanguíneos: ‘parece que eu nunca tinha vivido sem ela’

Quando a maternidade se inicia? Se pensarmos pela forma biológica, é quando a mãe passa a gestar o pequeno embrião, mas e quando essa gestação começa no coração? Isso acontece quando o amor ultrapassa os laços sanguíneos e fazem pais e filhos se encontrarem em uma conexão que parece que sempre existiu.

Neste dia 25 de maio, em que se comemora o Dia Nacional da Adoção, a Agência de Notícias do Acre conta a história da pequena Manu Santana dos Santos, de 1 ano e 6 meses, e da juíza Rosilene Santana, que iniciaram a relação de mãe e filha pelo olhar.

Juíza e o marido optaram pela adoção. Foto: Cedida

A magistrada, natural do sertão da Bahia e filha de agricultores semianalfabetos, encontrou na educação uma forma de mudar de vida. De família humilde e grande, ela conta que sempre teve um sentimento maternal muito forte. Desde muito nova, ela queria acolher, era amor transbordando. Aos 40 anos, ao relatar que havia adotado a primogênita, diz que pode ter filhos biológicos, mas destaca que a adoção sempre foi sua prioridade.

“A gente tem essa ideia de que a adoção é a última forma de você ter filho, mas não podemos ver esse ato como uma coisa egoísta. Você tem que adotar por amor a alguém que está precisando de uma família, de uma mãe, de um pai. E a minha ideia de adoção surgiu desde muito cedo, acho que por eu ser a segunda filha mais velha, sempre tive meus irmãos mais novos como meus filhos”, relembra.

Para ela, a relação de pais e filhos é algo além do laço sanguíneo. Quando conheceu o marido Anderson dos Santos, há 10 anos, ele já tinha uma filha biológica e Rosilene começou a conversar sobre a possibilidade da adoção. Inicialmente, encontrou resistência do marido, mas isso tudo mudou a partir do momento em que visitaram um abrigo na cidade de Cruzeiro do Sul.

“A gente sabe que ainda existe muito preconceito, no sentido do que a palavra passa, que é uma opinião formada antes do conhecimento. Mas, fomos conversando, amadurecendo, porque eu precisava que ele estivesse seguro também. É uma decisão conjunta. Quando a gente veio para o Acre, eu já tinha falado que quando chegasse aqui iria fazer a habilitação para receber a nossa criança”, relembra.

Para a juíza, a vontade era de ter quatro filhos, sendo dois adotivos e dois biológicos, porém, devido às mudanças e a posse no concurso do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), que ocorreu em 2022, o pensamento foi mudando. Porém, nunca pensou em abrir mão da adoção.

“Em abril do ano passado começamos a frequentar o abrigo. E inclusive foi no dia da adoção que a gente teve lá pela primeira vez, quando teve um evento. Foi aí que ele se despiu de todos os pensamentos e preconceitos que tinha em relação a isso e se apaixonou por várias crianças e já queria sair de lá com a criança no colo. E foi aí que eu aproveitei a oportunidade e fiz a habilitação”, conta.

A habilitação à qual a juíza se refere é no Sistema Nacional de Adoção (SNA), primeiro passo para quem quer adotar uma criança. De maio do ano passado até março deste ano, este foi o período que durou todo o processo, até que no dia 22 de março saiu o termo de guarda provisória para ela e o marido, e os dois puderam levar Manu para casa.

“A assistente social me ligou, acho que foi dia 20 de março, e falou: ‘Tem uma criança aqui para vincular à senhora e queria saber se a senhora tem interesse na aproximação’. Eu só respondi pra ela: ‘que dia posso buscar minha filha?’”, conta ainda emocionada.

Rosilene conta que a assistente chegou a informar que a menina era saudável, não tinha problemas de saúde, mas, na visita ao abrigo, ao cruzar os olhos com os da Manu, antes de sonhar que as duas iriam para casa juntas meses depois, a magistrada já sabia que a sua filha estava naquele abrigo. “Lembro de ter falado que não importava as condições, eu iria cuidar da minha filha da melhor forma”, relata.

Rosi Santana diz que o amor pela filha foi imediato. Foto: cedida

‘Parece que eu nunca tinha vivido sem ela’

Uma mãe com filhos biológicos passa a viver a maternidade desde as primeiras semanas do bebê, com mudanças no corpo e hormônios. Para Rosilene, ela se tornou mãe antes mesmo de saber para quem doaria tanto amor.

“O amor nasceu em mim mesmo antes da habilitação. Quando fiz a habilitação, eu já sentia esse amor no meu coração por uma criança, independentemente se fosse menino, menina, tanto que na minha habilitação não coloquei sexo, porque é como se fosse a gestação mesmo. E olha que coincidência interessante: fiz minha habilitação em maio e a neném chegou para mim em março. Dez meses, quase o período de uma gestação”, pontua.

O que não foi comum foi a preparação para receber Manu. Como ela não sabia se seria mãe de uma menina ou menino, não fez enxoval, até porque poderia ser uma criança meses ou até com mais idade. “Na hora que vi minha filha, que peguei ela no colo, ela se encaixou de uma forma que parece que eu nunca tinha vivido sem ela. Ela se encaixa tão bem em mim, no meu corpo, que parece que nasceu de mim”, declara.

Rosilene recorda que pensou em como pôde viver tanto tempo sem ser a mãe da Manu. “Não sei como pude viver um ano sem ela, porque é maravilhosa. É uma criança incrível e foi um amor mútuo. Meu marido é apaixonado por ela, tanto que todos falam que ela é a cara dele. Olha só, são os mistérios da adoção”, diz bem humorada.

Ao expor a adoção em suas redes sociais, o objetivo da juíza é fazer com que a informação chegue a mais pessoas. Em uma matemática em que há uma criança necessitando de amor e do outro lado há pais dispostos a amar incondicionalmente, a equação é perfeita. O amor se encontra e nele os laços são construídos diariamente, como em qualquer relação.

“Entendo quem tem algum temor, algum medo, porque por muito tempo vivemos com desinformação sobre adoções, mas digo que quando você leva uma criança para casa e você chama ela de filha, você esquece que ela não saiu de você. O amor é muito grande. É essa quebra de tabu que a gente vai fazendo com o tempo, com muita informação, mostrando que a adoção muda a vida não só de quem foi adotado, mas também de quem adotou”, observa.

A juíza disse, ainda, que é necessário que as pessoas visitem os abrigos, conheçam a realidade dessas crianças e façam os cursos disponibilizados pelo Tribunal de Justiça. “Acredito que é o conhecimento que tira a venda dos olhos de quem ainda está vestido desse preconceito. A gente precisa evoluir nesse ponto, e é com informação que a gente vai conseguir isso”, acredita.

Juíza diz que é preciso quebrar tabus e preconceitos com relação à adoção. Foto: cedida

Apoio do Estado ao abrigo

Em Rio Branco, um dos abrigos que recebem crianças e adolescentes que precisaram ser afastados do lar é o Educandário Santa Margarida. O governo do Acre, por meio da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos , envia um recurso trimestral para pagamento dos funcionários do quadro. O valor total é de mais de R$ 932 mil. Em uma ação, no último dia 17, a instituição também recebeu doações de cestas básicas para garantir segurança alimentar.

A  secretária de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos, Zilmar Rocha, pontuou que o governo dá todo o suporte aos abrigos para que essas crianças tenham o suporte necessário enquanto estão acolhidas. Além disso, o recurso destinado ao Educandário garante a funcionalidade do local. 

“O Estado faz a subvenção de recursos anualmente para o pagamento de toda a equipe técnica necessária para o funcionamento da casa. Também trabalhamos com doação de gêneros alimentícios de formas pontuais, acompanhamento técnico e tem sido uma das instituições do estado amparadas com emendas que são fomentadas e acompanhadas pelo departamento de planejamento da secretaria.”

Ela lembra ainda que manter essas casas acolhidas é reafirmar o compromisso com a segurança daquelas crianças que foram afastadas da família em situação de vulnerabilidade. 

“O Educandário hoje traz uma importância, é um trabalho de ressignificar vidas de crianças que tiveram seus direitos violados, que passaram por traumas. O Estado tem feito um acompanhamento preciso, tem dado um apoio significativo para que o Educandário possa estar condicionado em uma situação de melhor viabilidade de atendimento uma vida inclusiva. Como nosso governador diz, as crianças são as autoridades do nosso governo. São o futuro do nosso estado”, reforça. 

Em visita ao Acre para o 27° Fórum de Governadores da Amazônia Legal, em abril, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, esteve no Educandário Santa Margarida, em Rio Branco, que abriga crianças em situação de risco e vulnerabilidade social, proporcionando condições para o seu desenvolvimento.

A  secretária  reforçou a importância de trabalhar política de proteção social com o governo federal. “É um privilégio receber um ministro tão  importante para a política de proteção social, que conheceu toda a estrutura e viu a nossa necessidade. Nosso Acre precisa desse ombro amigo, desse abraço  fraterno. Agradecemos à vice-governadora, Mailza Assis, pelo envio de mais de R$ 47 milhões para o social, já em execução. Dentro deste espírito de integração, temos atuado para minimizar os impactos que atingem diretamente as crianças e suas famílias”, pontuou a secretária.

Números do Conselho Nacional de Justiça, por meio do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, mostram que o Acre tem 122 crianças e adolescentes coletados, sendo que 11 estão disponíveis para adoção. Há ainda 19 crianças e adolescentes em processo de adoção. Desde de 2019, o sistema contabilizou 112 adoções e ainda 480 reintegrações desse público. Os dados mostram ainda que são 73 pretendentes querendo adotar no estado e ainda 14 serviços de acolhimento.

Ministro esteve no Educandário em visita ao Acre. Foto: Felipe Freire/Secom

Como adotar

Para se habilitar à adoção de uma criança ou adolescente é obrigatório o certificado no Curso de Pretendentes à Adoção. A Escola do Poder Judiciário do Acre oferta essa formação durante todo o seu ano letivo, ou seja, a matrícula está disponível até o dia 13 de dezembro de 2024. A formação é on-line e possui carga horária de 30 horas/aula.

O processo de adoção é gratuito e deve ser iniciado na Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua residência. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.

Nas comarcas em que o novo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento tenha sido implementado, é possível realizar um pré-cadastro com a qualificação completa, dados familiares e perfil da criança ou do adolescente desejado. No site do Conselho Nacional de Justiça, há todo o procedimento passo a passo.

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