José, o paulista que perdeu a visão e se tornou professor no Acre

José Andrade Rodrigues, 67, convive com a cegueira há pelo menos 20 anos. O ex-mestre de obras é natural de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e veio ao Acre pela primeira vez em 1985, trabalhar na construção de uma agência bancária. Foi aí que a vida dele mudou completamente.

Aqui, José conheceu a primeira esposa, com quem foi casado por mais de dez anos, e perdeu a visão durante um acidente de trabalho. Uma ponta de arame causou danos irreversíveis ao então mestre de obras: “Sempre fiz tudo, trabalhei a minha vida inteira e era independente. Foi difícil entender e fazer tudo diferente do que eu estava acostumado. Depois do acidente até voltei a trabalhar, por um ano e meio, na parte administrativa da empresa”, lembrou.

José conheceu o CAP em sua segunda vinda ao Acre (Foto: Eduardo Gomes/SEE)

O retorno ao Acre

Em 2001, a convite da família da ex-esposa, José voltou ao Acre para morar. Aqui ele se estabeleceu, conheceu o trabalho do Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento à Pessoa com Deficiência (CAP/AC) e decidiu voltar a estudar.

Com auxílio dos profissionais do centro, ingressou na Educação de Jovens e Adultos (EJA), concluiu os ensinos fundamental e médio e fez a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Com uma boa nota, ele resolveu tentar uma vaga em uma faculdade particular. O então concludente do ensino médio se inscreveu no Programa Universidade Para Todos (ProUni) e foi selecionado para o curso de Letras.

“Quando entrei na faculdade meu filho ficou maravilhado, pois ele também iniciou o curso superior em São Paulo, naquela mesma época. Ele teve alguns problemas durante o curso e eu acabei formando antes dele”, lembrou sorrindo.

Hoje José tem um smartphone com aplicativos específicos (Foto: Eduardo Gomes/SEE)

O ingresso no CAP/AC

A vida do então estudante universitário mudou completamente. José passou a integrar a equipe do CAP/AC e auxiliar nas atividades oferecidas aos que, assim como ele, têm alguma deficiência visual.

Foram 12 anos como professor revisor. Era dele a responsabilidade de verificar se todo o material didático produzido pelos profissionais em mp3 e braille estava correto.

Mas não parou por aí. Depois da graduação e do aprendizado na prática, era hora de alçar voos mais altos. Foi então que José resolveu voltar ao banco da faculdade e se especializar em Educação Inclusiva.

“Eu vi a necessidade de melhorar meus conhecimentos e tentar ajudar meus colegas com deficiência. Sei que é difícil vencer essas limitações, pois no ensino médio quando todos acharam que eu não ia acompanhar o restante dos alunos, eu cheguei a ser o aluno nota 10 da escola”, lembrou José.

Professor revisava materiais didáticos produzidos em braille (Foto: Eduardo Gomes/SEE)

Inclusão

José explica que, no meio em que vive, nem todo mundo tem acesso às tecnologias. Muitas vezes essa dificuldade é causada pela falta de conhecimento. Ele lembra que muitos serviços são oferecidos pelo poder público e estão a inteira disposição da sociedade.

“Aqui no CAP eu conheci esse mundo chamado internet. Os profissionais são dedicados e nos ensinam tudo que precisamos saber. Além disso, nós temos outros recursos para aprender, audiolivro, braile, um programa que lê tudo que está na tela do computador”, destacou.

Hoje, José está inserido no dia a dia da cidade e no mundo virtual. Anda sozinho por Rio Branco, usa smartphone e baixa aplicativos específicos para pessoas com deficiência visual. Essas noções de tecnologia ele aprendeu com seus professores.

“Às vezes, as pessoas não têm interesse de vir, a família também não incentiva. Hoje, uma grande maioria dos deficientes visuais conhece o CAP e tem a oportunidade de viver outra realidade”, disse.

José grava tudo que precisa lembrar no dia a dia (Foto: Eduardo Gomes/SEE)

Hora de parar?

José já está aposentado, mas não deixou de fazer suas atividades e estudar. Faz curso de informática no CAP, participa das palestras e oficinas oferecidas no centro e está se dedicando a um projeto especial, sua autobiografia.

O livro já tem pelo menos 30 páginas escritas. José diz que não pretende publicar o material, que deve ficar apenas para conhecimento dos familiares, colegas de trabalho e amigos mais íntimos.

“Não quero escrever esse livro para publicar ou vender, quero apenas contar a minha história. Já vivi muita coisa nessa vida e acho que minha atitude pode encorajar outras pessoas a mudar de atitude”, finalizou.

CAP oferece diversas atividades às pessoas com deficiência (Foto: Eduardo Gomes/SEE)

CAP/AC

Criado no ano 2000, o CAP/AC antes era conhecido como Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADV). O modelo foi proposto pela Associação dos Professores Cegos do Brasil e se tornou referência nos estados.

A instituição já formou inúmeros alunos em diversos cursos. Pessoas que receberam instruções no CAP já atuam em instituições de ensino e hoje auxiliam no processo educacional inclusivo.

São os profissionais do CAP que também produzem a maioria do material didático utilizado pelos estudantes da rede pública. Os livros tradicionais são codificados em formatos acessíveis.

Segundo a coordenadora do centro, Gercineide Maia, o estilo e a qualidade de vida dos deficientes visuais atendidos pelo CAP mudam a partir do ingresso deles nas atividades.

“A proposta é orientar professores, alunos e a sociedade quanto ao processo de inclusão da pessoa com deficiência visual. Nós trabalhamos com o educacional, e isso reflete no social. Lutamos pela autonomia dessas pessoas, em casa, na relação com os amigos e no mercado de trabalho”.

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