João Donato: 80 anos de música simples e sorridente

João Donato inicia as comemorações dos seus 80 anos com show em Rio Branco (Foto: Arison Jardim/Secom)
João Donato inicia as comemorações dos seus 80 anos com show em Rio Branco (Foto: Arison Jardim/Secom)

Simpatia e leveza definem João Donato, que há 69 anos morando fora do Acre nunca teve dificuldade de contagiar a música que faz com o espírito de sua terra. “Ela é simples, sofisticada e um pouquinho diferente”, diz o artista sobre suas canções, notas e melodias, embaixo de uma mangueira, em frente à Usina de Arte de Rio Branco, horas antes de iniciar as comemorações de seus 80 anos de vida com um show no Teatro Plácido de Castro, na última quinta-feira, 24 de outubro.

Minha música vem do Acre e volta pra ‘qui’”

Durante um fim de semana de pura dinâmica acreana, Donato vai mostrando como empresta essa energia à sua arte, fazer fino que ele realiza como ninguém. Aos sete anos de idade, já demonstrava jeito para “a coisa”. Apaixonado, compôs uma valsa pra Nini, sua primeira namorada. Seria mais uma canção de um garoto com o coração apertado, mas, com o tempo, superou as expectativas e até hoje é tocada em shows. Na Rússia, na sala Tchaikovsky, fez o público aplaudir intensamente, relata o ainda garoto sorridente, João.

Com essa irreverência, Donato continua a conversa de sua trajetória pelo mundo da música. Uma pausa para um café e segue, a história agora é da música “Índio Perdido”, que depois de ganhar letra de Gilberto Gil viraria “Lugar Comum”. Mais uma prova de que a Amazônia não deixa a sua gente. João revela que a música não é sua: “eu ouvi, quando ainda era criança, alguém assoviá-la dentro de um barco que passava no Rio Acre, ao cair da tarde”.

Já  em outro ponto do estado, na Aldeia Nova Esperança, do povo yawanawá, o menino revela um pouco mais sobre seu histórico amazônido. “Nasci em Rio Branco, morei no Seringal Amapá; eu me acostumei a ver esse negócio de rio, de água amarela barrenta, das frutas, das próprias árvores”, diz com um sorriso no rosto ao contemplar a natureza.

“Este show é uma homenagem ao povo acreano”, diz Donato sobre o espetáculo no Teatrão (Foto: Arison Jardim/Secom)
“Este show é uma homenagem ao povo acreano”, diz Donato sobre o espetáculo no Teatrão (Foto: Arison Jardim/Secom)

Lembranças essas que, com certeza, acompanham o senhor João, que já fez música para a namorada, para as filhas, na beira de rios e até dormindo. Durante o show no Teatrão, antes da música “Amazonas”, ele citou a fonte de sua inspiração para a melodia: “Fiz essa música em um sonho”, diz, rindo para o público.

Essa composição em especial entrega mais sobre a relação do músico João Donato com sua terra natal que qualquer conversa. Remonta à lembrança de seus rios, indo de correnteza suaves até águas mais agitadas. Traz sons que lembram árvores balançando ao vento, momentos antes de mais uma chuva tropical, até seu fim, quando o céu se abre revelando uma vida verde e, como diz a letra de Lysias Ênio (irmão e parceiro de Donato), que “livre vai correndo o Amazonas seguindo seu caminho para o mar”.

“É o clima do Acre que vive na minha vida”

A universalidade de um músico latino

Em uma composição de Joyce Moreno e Jorge Helder, o menino parece tomar vida a partir da letra: “Ele é o barato e ele tem o poder da criação”. Donato é muito reconhecido pela habilidade de inventar, de andar pelos diversos mundos da música. Começou com uma sanfona, caminhou pelo jazz, caiu nos braços dos ritmos caribenhos, conheceu os sons da umbanda e candomblé e vive nos braços do samba.

"Aqui só falta aquela borracha que os seringueiros com quem convivi no seringal faziam", diz Donato sobre a Aldeia Nova Esperança (Foto: Sérgio Vale/Secom)
“Aqui só falta aquela borracha que os seringueiros com quem convivi no seringal faziam”, diz Donato sobre a Aldeia Nova Esperança (Foto: Sérgio Vale/Secom)

“No início minha música era incompreendida, eu lutava pra tocar nos lugares”

O som “simples, sofisticado e um pouquinho diferente” desse mestre da música teve um encontro único durante sua visita aos yawanawá, na Terra Indígena do Rio Gregório, no município de Tarauacá. Como um menino curioso, ao ouvir, à distância, os índios yawanawá em kupixawa (palhoça redonda), buscou o som até encontrá-lo.

Enquanto o líder Shaneihu Yawanawá, acompanhado de crianças, cantava o “Kanarô” (que relata parte da história de seu povo), Donato, com uma espécie de piano móvel, dedilhava as teclas, reproduzindo as notas que ouvia. No meio da floresta, quis apresentar um pouco de sua arte, “tenho umas músicas que também podia mostrar”.

O senhor com sorriso de criança tocou “Emoriô”, acompanhado de Shaneihu no violão e um coro de uma nova geração de acreanos. “Achei lindas as crianças, têm rostos tão bonitos! As vozes são todas bonitas, os cantos são muito bonitos e eu vou levando muita influência por essa troca”, diz João, encantado com o encontro.

“Eu queria ser piloto por toda minha vida, mas fui reprovado por daltonismo. Escolhi a música como profissão”, revela João Donato (Foto: Arison Jardim/Secom)
“Eu queria ser piloto por toda minha vida, mas fui reprovado por daltonismo. Escolhi a música como profissão”, revela João Donato (Foto: Arison Jardim/Secom)

João não cansa de gravar discos e músicas com parceiros. Entre mais de 80 LPs e CDs, tem praticamente um álbum por ano de vida. E continua. Este ano já foi indicado ao Prêmio da Música Brasileira, na categoria Melhor Canção, com “Eu não sei o seu nome inteiro”, de sua parceria com João Bosco e Francisco Bosco, incluída no CD “40 anos depois”, de João Bosco.

Ao falar sobre prêmio Grammy Latino na categoria Álbum de Jazz Latino, que recebeu em 2010 pelo CD “Sambolero”, agradece com humildade o reconhecimento e explica o porquê: “No início minha música era incompreendida, eu lutava pra me apresentar nos lugares. Tinha que esperar até 4, 5 horas da madrugada pra tocar para o pessoal da limpeza, aí entrava e tocava com meus colegas que gostavam de mim.”

Hoje, iniciando os festejos dos seus 80 anos de vida, que, na verdade serão completados em 2014, já com a agenda repleta de shows pelo mundo todo, João Donato pode dizer com orgulho sobre sua música: “Eu não mudei de ideia, não mudei de estilo”. O menino do Acre mantém seu jeito de fazer uma música simples e sorridente.

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