Filha de ex-seringueiros, Alice da Conceição e Silva guarda com muita reverência as lembranças da infância na colocação Papagaio, no seringal Remansinho, hoje pertencente ao território do Amazonas. As brincadeiras típicas dos seringais e a difícil tarefa de auxiliar o pai, Francisco Porfiro da Silva, a atingir a meta de extração de seringa ainda vivem em sua memória.
Nesta semana, entre os dias 16 e 18, ela teve a oportunidade de reviver sua história ao participar, no Seringal Cachoeira, em Xapuri, da 7ª Imersão ao Nosso Tempo e Espaço Originais, uma atividade psicofilosófica única no país. O evento é promovido pela Sociedade Filosophia, grupo que, há cinco anos, também realiza, na Biblioteca da Floresta, encontros e oficinas de sensibilização à filosofia e ao diálogo entre os saberes tradicional e moderno.
“Foi muito gratificante participar desse encontro. Nasci e me criei na floresta, onde via meu pai entrar para cortar seringa na madrugada e, pouco depois, eu e meu irmão, muito pequenos, saíamos para ajudá-lo. Graças a deus tive o privilégio de reviver tudo isso. Voltar ao passadome deixou fortalecida”, disse Alice, que se mudou para Rio Branco com 22 anos para estudar e hoje é diretora da escola pública Raimunda Balbino, uma das mais bem avaliadas do Estado.
Outros 20 diretores, coordenadores e professores da rede pública de ensino também participaram da imersão, promovida especialmente para servidores da educação. Guiados pelo seringueiro Nilson Mendes, primo de Chico Mendes, eles percorreram quase 18 quilômetros de trilhas na floresta e conheceram várias espécies de plantas e árvores, como a flor de finado, cujo gel, ao ser aplicado nas veias, evita desmaios por cansaço; o sernambi de índio, que, ao ser queimado, ajuda o seringueiro a iluminar os varadouros na madrugada; a samaúma milenar de 35 metros de altura, conhecida como “rainha da floresta”; entre outras.
Os participantes também visitaram a casa ecológica de Nilson e viram de perto os animais selvagens que habitam as matas do entorno, como um casal de macacos, uma família de queixada, aranhas peçonhentas e os pequenos morcegos que se alimentam de sangue.
A trilha do seringueiro foi percorrida na madrugada para simular a dura rotina dos extrativistas nas estradas de seringa. Antes do amanhecer, o grupo “quebrou o jejum” na casa da dona Marlene Mendes, irmã de Nilson. Foi ela quem teve a ideia de colocar mulheres e crianças na frente dos tratores e motosserras durante os últimos empates no Seringal Cachoeira, momento considerado um dos mais marcantes entre as lutas a favor da preservação da floresta e da manutenção dos extrativistas nas colocações, onde viviam há décadas.
Para o moderador-geral da Sociedade Filosophia e diretor da Biblioteca da Floresta, Marcos Afonso Pontes, a imersão tem como objetivo dar respostas à crise da produção do conhecimento que o mundo vive. “A humanidade não tem compreendido onde e como está. Para contornarmos esta crise epistemológica, precisamos nos reencontrar com nossa história, cultura e identidade, ou seja, conhecer nosso tempo e espaço originais, que, para os acreanos, é a floresta”.
Diálogos da Florestania e as lutas na floresta
Nos Diálogos da Florestania, os participantes ouviram Nilson Mendes falar sobre sua vida e a luta dos seringueiros contra o desmatamento, especialmente o último grande empate no Seringal Cachoeira, realizado em maio de 1988, quando mais de 200 pessoas enfrentaram pacificamente 50 policiais que escoltavam os fazendeiros que queriam tomar a região.
“A vida por aqui não era fácil naqueles tempos. Qualquer um que ousasse defender os seringueiros poderia morrer da mesma forma como Chico Mendes se foi em 1988. Já passei por muita coisa nessa vida e não tenho medo de nada, apenas de perder toda essa floresta que nos rodeia. O grande ensinamento que Chico nos deixou foi o de que preservar o meio ambiente é cuidar da humanidade. Ele foi importante porque tinha essa sabedoria”.
Presença ilustre
A atividade contou com a participação do jornalista da TV Record Vinícius Dônola como convidado especial. Esta foi a terceira viagem dele ao Acre em menos de um ano.
Na primeira visita, em dezembro de 2012, ele ministrou uma palestra para profissionais da comunicação, na programação da terceira edição do Prêmio de Jornalismo do Ministério Público do Acre (MPE/AC). Em maio, o repórterrealizou uma série de cinco reportagens sobre o Estado. “A Última Fronteira” foi exibida no Jornal da Record e no programa Fala Brasil e mostrou a cultura do povo indígena Ashaninka, o Acre 25 anos depois de Chico Mendes, o mistério dos geoglifos, entre outros assuntos pouco conhecidos pelo resto do Brasil.
As visitas ao Acre inspiraram Dônola a escrever o livro infantil “O Pequeno CO2” (ainda não lançado), ilustrado pelo famoso cartunista Ziraldo, que também desenhou “A História de Chiquinho”, do Instituto Chico Mendes.Os direitos autorais serão doados ao povo Ashaninka. O jornalista é coautor da série de livros infantis com temática ambiental “O Oco e o Toco”.
“A floresta tem uma força muitogrande, talvez porque nos coloca diante da nossa mais profunda pequenez. Na mata nós percebemos que não somos nada e, quando nos vemos diante do nosso tamanho tão diminuto, observamos o mundo por um contexto diferente e isso me emociona.É por isso que o Acre me evoca os sentimentos mais nobres”, disse o jornalista.
25 Anos Chico Mendes Vive Mais
A 7ª Imersão ao Nosso Tempo e Espaço Originais fez parte da programação dos “25 Anos Chico Mendes Vive Mais”, um conjunto de atividades realizadas ao longo deste ano para celebrar os ideais do seringueiro e herói da pátria. Em maio, o governador Tião Viana assinou e publicou um decreto criando a comissão especial para a organização das ações. Compõem o grupo instituições governamentais, não governamentais e entidades religiosas ecumênicas.
A imersão contou com a parceria da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), secretarias de Estado de Educação e Esporte (SEE), Turismo e Lazer (Setul), Saúde (Sesacre) e Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), Associação dos Moradores do Seringal Cachoeira, Grupo Gama Hydra de Astronomia do Acre e Grupo de Radioamadores do Acre.
Escolas representadas na imersão
Ilson Ribeiro
Chico Mendes
Humberto Soares
Leôncio de Carvalho
Izau Melo
Darcy Vargas
Ilka Maria
Armando Nogueira
GeorgeteKalume
Serafim da Silva Salgado
Heloísa Mourão Marques
Antônio Fernandes de Freitas
Castelo Branco
Potiguara
Raimunda Balbino
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