Já ouvi, mais de uma vez, o governador Tião Viana afirmar que não entende muito de ambientalismo, esclarecendo: “Mas sou humanista, trabalho pensando no bem-estar das pessoas”.
A declaração, que já me soou auspiciosa antes, na tragédia da alagação foi colocada à prova na ação política do governador. Afinal, o Acre nunca viveu crise tão aguda em períodos de enchentes (como mostram pesquisas feitas por cientistas climáticos) e nunca submeteu tanta gente – entre ricos e pobres –, a aflição tamanha. Os números do sofrimento crescem a cada dia, são inéditos e alarmantes, mas o governo age de forma correta.
Sabemos que toda tragédia traz algum componente compensador. Neste caso, do Acre submerso, são vários: destaco o espírito de solidariedade entre gregos e troianos, sobretudo, nas pessoas mais jovens; e um certo pacto de paz entre políticos vociferantes.
A propósito, li há poucos dias no site da UOL (leia-se Folha de S.Paulo), uma longa e sábia entrevista do ex-ministro da ditadura militar de 64, Bresser Pereira, que está lançando um livro aparentemente oportuno sobre a história mais recente, enfocando os atropelos econômicos e sociais do nosso país. Ele afirma, com a experiência de economista e gestor federal, que as classes opostas não conseguem mais fazer pacto para o bem da sociedade brasileira. E acrescenta, categórico: “As elites odeiam o PT e os pobres!”
Sabendo de onde veio e o que fez nos anos 70/80 e da desconfiança que ele próprio manifestava, como ministro, contra o PT e os pobres, vejo que está falando do fundo do coração e da sua melhor consciência. Confesso que a entrevista me tocou e despertou uma luz, não digo no fim do túnel, pois já nem vejo túnel para atravessar, mas uma luz na alma, cobrando atitude menos ideológica, tolerante, para compreender e avançar nos novos tempos.
Todo esse imbróglio eu o fiz para assumir que estou animado com o que vejo no fenômeno alagação. Ou seja: a exposição, diante da tragédia, de uma sociedade resistente, humana, que consegue transcender falsos conflitos para brilhar com sua cultura, sua história, sua simplicidade. Essa é uma lição que todos, sobretudo os políticos, precisam enxergar, aprender e aplicar no seu dia a dia!
Parabenizo, de alma limpa, ideologicamente solto, o governador Tião Viana, por ter sabido liderar com “humanismo” e energia pessoal um batalhão de pessoas para ajudar aos atingidos pelas aguas, que só em Rio Branco, seriam mais de 80 mil. Se considerarmos o estado todo, certamente, vamos poder falar em cem mil, sem exagero.
Todas as secretarias e departamentos do governo se envolvem na ação, seguindo um planejamento da Defesa Civil que tem sido citado como modelo na Amazônia. Entram na resistência os órgãos federais, as entidades patronais, as ONGs, as organizações populares e o voluntariado. No campo político, o governo federal, com intermediação das bancadas acreanas no Congresso, age de forma solidária e rápida, comprometendo-se a bancar parte dos prejuízos.
Até o momento em que escrevo este artigo, o Rio Acre continua subindo em Rio Branco, superando as piores expectativas, sabe-se lá até quando! Mas, levando em conta que a tragédia se arrasta desde o dia 10 e fevereiro, deixando um rastro de destruição no Alto Rio Acre, podendo se estender até o Baixo, em Porto Acre; e ainda as ameaças registradas no Vale do Juruá e ao longo do perigoso e portentoso Rio Madeira… Bem, considerando tudo isso, ainda podemos dizer que estamos vencendo a alagação histórica de 2015.
Daqui pra frente, convém lembrar que a natureza está zangada com o que os seres humanos têm feito contra ela, e poderá tornar-se cada vez mais zangada e destruidora. Há tempo, ainda, de a humanidade se recompor e mudar de atitude, para levar a sério a possibilidade de construir uma sociedade sustentável, humana e justa, em harmonia com as chuvas, ventos e relâmpagos, e todas as águas do mundo!
Elson Martins é jornalista