Transmissores valvulados ultrapassados, sem alcance e que causavam gastos exorbitantes de energia foram substituídos por outros mais modernos e eficientes, possibilitando à emissora entrar para a era digital e voltar a ser a potência radiofônica que sempre foi na Amazônia ocidental
“A alegria está no ar…” Ouve-se, ao amanhecer, o refrão da música de fundo, enquanto o radialista Zezinho Melo emite sua voz gutural ao microfone: “É alegria, é comunicação com muita paz, com muito amor no seu coração. Alô, alô, você das colônias, dos seringais, ribeirinhos, nas mais diversas estradas. Vocês aí nos ramais, viajando pelas águas dos rios do nosso Acre, da nossa Amazônia, muito obrigado também a vocês aqui na capital. Alôôô, alôô, amigos do interior. Tudo bem? Tudo tranquilo? E você, no restante do Brasil e do mundo, também ouvindo a Difusora Acreana, ondas médias via satélite pela interneetttt!. Não há distância que nos separe. Trabalhamos por você e para vocêêê.”
A cena descrita acima é parte do documentário O Que os Ouvidos não Ouvem o Coração não sente, produzido em 2015 por estudantes do curso de Produção de Áudio e Vídeo da Usina de Arte João Donato, em Rio Branco. O trabalho ilustrou o clima cordial e otimista dos profissionais da Voz das Selvas, que faz da Rádio Difusora a mais ouvida em todo o Acre, com um alcance fenomenal de seus transmissores, atingindo os mais longínquos rincões da Amazônia e até de países europeus.
No entanto, para que grandes profissionais como Zezinho Melo, Nilda Dantas, Edmar Bezerra e Reginaldo Cordeiro – só para citar alguns – pudessem emprestar seus talentos em favor do serviço público, a gestão do governador Gladson Cameli, ainda no seu primeiro ano, começou os investimentos para que a Rádio Difusora e o sistema de rádio do interior saíssem da situação de descaso que perdurou por décadas de ingerência por parte das administrações estaduais anteriores.
Da válvula ao transistor
Explica Lucenildo Lima da Silva, o Luc, diretor-presidente da Fundação Aldeia de Comunicação, que no decorrer desta gestão a Rádio Difusora foi alçada a um patamar inédito, com a modernização de seus sistemas.
“Nós adquirimos um transmissor transistorizado de 10 kW (pronuncia-se quilowatts) para a Difusora Acreana, outro de 1 kW para Rádio AM de Sena Madureira, um terceiro de 2,5 kW para Feijó e um quarto de 1,5 kW para a rádio de Tarauacá. Essa preocupação do governo com a modernização do sistema público só permitiu ganhos imensos para a comunidade, sobretudo a do interior do estado, que ainda tanto depende das ondas de rádio para se integrar com o mundo”, ressalta.
O diretor informa que os transmissores fizeram com que o consumo de energia caísse drasticamente, além de possibilitar uma transmissão mais pura, sem ruídos e, por isso, de maior qualidade.
Luc relata que, por serem movidos a válvulas, quando os transmissores quebravam, suas peças eram procuradas em sucatões de eletrônicos ou enviadas a empresas, que as reformavam com muita dificuldade, consumindo muito tempo. Hoje são de mais fácil manutenção, porque se encontram transístores para reposição com mais facilidade. “Então, saímos de uma tecnologia arcaica para a era digital”, assevera o diretor. (Confira abaixo a cronologia da atualização).
A modernização do sistema público de rádio foi um das prioridades da jornalista Nayara Lessa, logo que assumiu a Secretaria de Estado de Comunicação. “Nosso foco era valorizar os profissionais, garantindo condições de trabalho digno, com ferramentas que pudessem facilitar o trabalho deles no dia a dia. Então, destinamos novos computadores portáteis para as equipes ampliarem a capacidade de produção de reportagens jornalísticas”, explica Nayara Lessa. Além disso, aparelhos de ar condicionados novos proporcionarão às emissoras contempladas ofertar mais conforto aos servidores e visitantes.
Os recursos foram garantidos por meio de emendas parlamentares do deputados estaduais Antônio Pedro Cadmiel Bomfim e Marcos Cavalcante num total de R$ 110 mil.
A valorização da Voz das Selva e de seus profissionais possibilitou, por exemplo, o retorno de um programa clássico, conhecido por sua grande utilidade pública, o Correspondente Difusora. As edições do programa, sempre depois do meio-dia, facilitam a comunicação entre trabalhadores, colonos, ribeirinhos e seringueiros, cujas famílias assentadas no interior da floresta, nas mais distantes localidades, podem ouvir as mensagens desde os microfones da rádio, no centro da cidade.
“Os comunicados, os mais diversos possíveis, são na sua maioria de donas de casa, chefes de família e trabalhadores em geral que vêm para Rio Branco resolver problemas, sejam com documentação, sejam para comprar alimentos e utensílios diversos”, afirma Raimundo Fernandes, diretor-geral da Rádio Difusora Acreana. (Leia algumas dessas mensagens, muitas delas até folclóricas, abaixo).
Na opinião de Damião Viana, diretor de Jornalismo da Rádio Difusora, o ofício de bem informar e entreter as pessoas pelas ondas médias da emissora está impregnado na alma de todos os profissionais. “Aqui não temos nenhum funcionário que não ame o seu trabalho, que não exerça com zelo a sua função. Desde o repórter de rua ao sonoplasta, o zelador e o editor, somos como uma família”, destaca.
Viana comemora a modernização do sistema, com novos transmissores. “As pessoas não têm ideia do quanto a Rádio Difusora e suas emissoras coirmãs no interior são preciosas para as pessoas que estão no interior da selva, vivendo nas regiões mais isoladas da Amazônia. A revitalização foi fundamental para inclui-las novamente no seu direito à informação e ao entretenimento, que muitas vezes só chegam por meio do rádio”, completa Damião.
Em Feijó, 55% da população está na zona rural e moradores se guiam pela rádio para ter acesso à assistência médica
Os coordenadores de rádio do interior aprovaram os investimentos do governo. Uma rede extensa de colaboradores do Sistema Público de Comunicação, incluindo locutores, repórteres e editores de todos os 22 municípios acreanos contribui para que as rádios públicas do Acre atuem de forma integrada e eficiente, estejam os seus ouvintes a dias de viagem dos centros urbanos ou nas cidades.
Em Feijó, por exemplo, a assistência médica e ambulatorial, por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS) Flutuante – um barco que periodicamente singra os rios da região –, conta com o apoio imprescindível da Rádio Difusora de Feijó para saber onde o atendimento está ancorado.
“As pessoas acabam indo de encontro ao Programa Saúde Itinerante nos rios da região por causa da rádio. Nós avisamos onde vai estar a UBS e a comunidade se desloca até o ponto do barco”, explica Gilberto Braga, coordenador do Sistema Público de Comunicação em Feijó.
Segundo ele, a Difusora de Feijó é o principal meio de comunicação para a população rural e indígena do município: “E aqui temos uma particularidade: 55% dos nossos habitantes estão na zona rural, sendo que, destes, a maioria vive em áreas isoladas. Portanto, o principal meio de comunicação é a Rádio Difusora”.
E complementa: “Nós tínhamos um transmissor que nem tem mais peças de reposição. Melhorou muito o som e agora trabalhamos com a possibilidade de termos uma FM aqui, um grande marco para o município”.
Gilberto Braga acredita que, com os investimentos feitos pelo Estado, a aquisição de um novo transmissor, agora digital, e a compra de notebooks e de equipamentos de ar-condicionado, tudo tenderá a melhorar, tanto pela transmissão quanto pela celeridade proporcionada pelos equipamentos utilizados.
O coordenador destaca que a equipe ficou motivada e as pessoas se sentem agraciadas com a chegada dos investimentos. “Por muitos anos, a Rádio Difusora foi abandonada, sucateada, sem qualquer investimento, e agora o governo do Estado tem dado uma parcela bem significativa de contribuição para nós. Por isso, a nossa gratidão pelo que o governo do Estado tem entregado, principalmente para melhorar o nosso Sistema Público de Comunicação, trazendo, acima de tudo, benefícios e cidadania para a nossa população”, afirma Gilberto Braga.
Em Tarauacá e Sena Madureira, comunidades ribeirinhas são as mais beneficiadas
Albanir Morais, coordenador do Sistema Público de Comunicação de Tarauacá, diz que o município vive um novo momento, com os novos investimentos. O município tem uma bacia fluvial significativa, com grandes comunidades e aldeias indígenas espalhadas pelos rios Tarauacá, Gregório, Muru e Acuráua.
O transmissor valvulado da Rádio Difusora de Tarauacá já tinha pelo menos 25 anos e funcionava de forma precária. “Hoje, com o novo transmissor digital, as pessoas estão tendo o privilégio de acessar o nosso sinal sem ruído e com um alcance muito maior. E outro fator importante foi a reforma do nosso prédio, que estava há 18 anos sem uma revitalização. Melhorou muito para nós, servidores, e para a população”, comemora Morais.
Para Ednaldo Gomes, coordenador do Sistema Público de Comunicação de Sena Madureira, a Rádio Difusora exerce um papel importante na vida das famílias que residem às margens dos rios Iaco, Caeté, Purus e Macauã: “Poucos são os que usam internet como recurso para ouvir a programação. Então a rádio continua sendo o meio de informação mais eficiente aqui no município. E as pessoas estão muito contentes com a modernização de todo o sistema”.
“A Difusora vai a lugares sem correios, energia ou telefone”, diz lenda do rádio acreano
O sonoplasta solta Rythm is a Dancer, da cantora Corona, música-tema do Clube das Mulheres, da novela de Corpo e Alma, da Globo, no início dos anos 1990, em voga até hoje, pelo menos entre os fãs de rádio. Pela manhã, a canção dá o tom de alto astral no programa da Nilda Dantas, considerada um ícone do rádio acreano, desde os programas de auditório dos anos 1960 e 1970, e na ativa até hoje.
“Trabalhar na Rádio Difusora é ter uma responsabilidade infinita, porque sei da dimensão que são as ondas da Difusora Acreana. Ela invade a floresta, seus sons descem os rios, e vai a lugares que não têm a assistência de correios, não têm energia elétrica, não têm telefone e o único acesso à notícia é através da rádio”, disse Nilda a um documentarista, por ocasião da celebração dos 64 anos da emissora.
Prestes a completar 78 anos em agosto, os acreanos podem se orgulhar da instituição que têm e que se tornou robusta graças ao empenho dos gestores do governo do Estado, compromissados com as pessoas e com os profissionais que compõem o Sistema Público de Rádio.
Serviços de utilidade pública são o forte da emissora
Um dos grandes trunfos da Rádio Difusora Acreana é a eficiência nos serviços de utilidade pública. A presteza com que os profissionais da rádio atendem seus ouvintes é espantosa.
E há pedidos de todos os tipos. Como o do médico Drohny Alcantara, morador de Boa Vista (RR), que ao vir ao Acre perdeu seus documentos em um roubo. Pelo aplicativo Messenger, do Facebook, ele fez um apelo para que a rádio encontrasse seus pertences: “Oi, me chamo Drohny. Sou venezuelano, médico. Eu fui fazer prova no Acre e fui roubado. Moro em Boa Vista. Vocês achariam minha documentação. Tem como saber?”.
Duas horas depois, a vítima recebeu o seguinte comunicado: “Bom dia. Sim, estamos com grande parte de seus documentos”. Os pertences do médico foram enviados via Correios até Boa Vista, no endereço fornecido pela vítima (na foto ao lado).
O Correspondente Difusora, no entanto, é a vedete quando o negócio é interligar pessoas pelas ondas do rádio. Há, por exemplo, o caso da professora Cláudia Lima, de Rio Branco, mas que leciona em seringal. Ela precisou retornar porque a filha precisava passar por atendimento médico com a sua permissão. (Veja o teor da mensagem na íntegra abaixo)
O programa chegou a ser conhecido no Jô Soares Onze e Meia, no final da década de 1990 pelo SBT. Na ocasião, os locutores Edmar Bezerra e Pedro Valério levaram algumas mensagens, muitas hilariantes, para serem lidas no programa. A entrevista na íntegra pode ser assistida aqui .
Abaixo, listamos algumas delas
Atenção, João Nogueira da Silva, no seringal São João do Balancete.
Aviso que fiz boa viagem. Já resolvi quase todos os negócios, mas sobre o dinheiro do jumento só entrou a metade. Diz o homem que amanhã entra o resto. Aguarde novo aviso amanhã, neste mesmo horário.
Assina sua esposa, Luzia da Silva
Mariazinha no Seringal Itamaraty, colocação Vitória dos Afogados.
Aviso que continuo por aqui resolvendo as minhas coisas. Não sei quando volto. Mande apanhar o arroz e virar o milho, e vá comendo da macaxeira do vizinho, enquanto a nossa engrossa.
Abraços a todos, do seu esposo Jorge Mateus
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Maria Anta no Seringal Chocalho, colocação Sovaco da Onça.
Peço que quando vir, trazer a minha dentadura que esqueci atrás do pote. Está no copo d’água.
Assina a sua mãe, Francisca da Silva
Antônia Raimunda Tassila, em Foz do Breu.
Aviso que já estou em recuperação. Sobre o acidente que sofri, tive que cortar os dois braços. Estou aleijado, mas conformado.
Abraços a todos, deste Chico Bezerra.
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Chica do Ó, no Seringal São Francisco do Icó, colocação Malsucedido.
Peço não acreditar em nada que o Zé do Bode fala porque é tudo mentira. O Justino é um homem de bem. O Zé do Bode tá é com inveja. Vou me encontrar com o Gastão hoje à tarde. Darei novos avisos.
Assina Maria, esposa do Zé do Bode
Garantina, no Seringal Corrupião, colocação Baixa o Pau.
Chegarei amanhã nesse destino para botar ordem aí, porque fiquei sabendo que o Zé bebeu e passa o dia inteiro correndo atrás das vacas. Cuidado com o bode no jirau. Cuidado com as coisas e quando eu chegar conversaremos melhor.
Assina Comorá
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Graúdo, no Seringal Audácia, colocação Xibata.
Aviso que por aqui, tudo bem. Já terminei de fazer os exames e o médico disse que minha saúde vai bem. Não voltarei para casa porque o Pinto não sobe mais.
Assina sua esposa, Raimunda
Um detalhe: o Pinto aqui é o comandante do barco que a levaria de volta para casa. Ele não faria a subida do rio naquela semana
A cronologia da revitalização da Rádio Difusora Acreana
2019
– No primeiro ano do governo Gladson Cameli, foi reformado o abrigo do transmissor na Baixada da Sobral;
– O transmissor valvulado de 10 kW era de manutenção dispendiosa, porque não se fabricam mais as válvulas no Brasil; as peças ainda são vendidas no país, mas a um custo de R$ 30 mil em média, além de demandarem alto consumo de energia elétrica;
– Foi adquirido um transmissor transistorizado digital, mais moderno, com manutenção mais acessível e melhor qualidade de som, que se tornou o transmissor principal da Rádio Difusora;
– No mesmo ano, o governo do Estado construiu um estúdio novo para a Difusora de Feijó, com mesa de som, computadores e microfones novos.
2020
– Foi viabilizado um transmissor transistorizado de 7 kW para ser montado na Difusora de Tarauacá. Está em fase de testes e em breve deverá ser instalado;
– Ainda para Tarauacá, foi enviado um transmissor transistorizado de 1.5 kW para a Difusora de Tarauacá, em substituição ao antigo transmissor valvulado, que, por conta da falta de válvulas e peças de reposição, ficava muito tempo fora do ar.
2021
– Por meio de emenda parlamentar do deputado estadual José Bestene, foi possível adquirir notebooks para reforçar as equipes da Difusora;
– A Rádio Difusora de Feijó também foi beneficiada com um transmissor transistorizado digital, aposentando o antigo transmissor valvulado, que também por falta de peças e válvulas ficava a maior parte do tempo sem uso.
2022
– Um novo transmissor de 5 kW brevemente entrará em fase de testes, para ser o equipamento secundário da Rádio Difusora Acreana. Trata-se de uma obrigação legal, já que é preciso que haja um transmissor secundário para o caso de emergência. Depois que o dispositivo chegar, o velho transmissor valvulado, que já está encostado, será aposentado para sempre.