Análise de Vulnerabilidade e Gestão de Riscos da Bacia do Rio Acre conta com a contribuição de especialistas do Brasil e da América latina
Aproveitando o evento da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia que ocorreu em todo o país entre os dias 17 e 21 deste mês, a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) elaborou um seminário com especialistas para avaliação da vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas, com foco na Bacia do Rio Acre. Estudiosos locais, bem como de outras partes do Brasil e da América latina vieram contribuir com estudos científicos de ponta, com o objetivo de traduzir a realidade e os riscos envolvidos na gestão dos recursos hídricos do Estado.
O Governo do Estado, através da Sema, em parceria com a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano-SRHU/ MMA e o WWF-Brasil, vem consolidando o Plano Estadual de Recursos Hídricos, e paralelamente, tem desenvolvido ações para a implementação do mesmo, a exemplo do Projeto de Conservação e Recuperação das Nascentes e Matas Ciliares da Bacia do Rio Acre e um projeto piloto de Adaptação às Mudanças Climáticas no Igarapé Judia, com apoio financeiro do HSBC e parceiros locais. O Seminário realizado vem reforçar esta iniciativa, prometendo formar um comitê interdisciplinar para a gestão de riscos e avaliação de políticas pertinentes.
Para Leandro Andrei Beser, Geógrafo e professor da Universidade Rural do Rio de janeiro, o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Acre “é uma realidade e um ganho não só para o Estado, mas para toda a região, uma vez que temos de enxergar uma bacia como um sistema integrado, que acaba afetando outras localidades”, ele avalia ainda que “o grande desafio é a formação de um comitê para tratar estes recursos de forma mais efetiva, ou seja, envolver atores da sociedade civil, empresas e Estado e todos que trabalham nesta escala de análise, a exemplo do que já foi feito em termos de metodologia no ZEE”.
Para Leandro, os resultados de pesquisa disponíveis indicam que a Bacia do Rio Acre possui características que lhe dão uma vulnerabilidade considerável, que oscila entre média e alta, uma vez que, em termos demográficos, mais da metade da população do Estado está concentrada nesta bacia, com recursos ambientais muito pressionados e uma vulnerabilidade que tende a crescer ao longo do tempo. Lembrou ainda que pesquisas em outras regiões do país comprovaram que 85% dos eventos de deslizamento, alagamento e inundações ocorreram em áreas de APP (Área de Preservação Permanente) não devidamente cuidadas.
O resultado mais imediato é a intensificação dos eventos extremos na região, onde se alternam períodos de secas severas com grandes inundações, provocando consideráveis danos sociais e econômicos. A situação torna-se mais complicada ao longo dos afluentes que cortam as áreas urbanas devido à ocupação desordenada das sub-bacias. Em 2006 uma grande inundação desabrigou milhares de famílias assentadas ao longo do Rio Acre e afluentes, sendo que as comunidades que vivem ao longo das áreas de proteção permanente do Igarapé Judia foram as mais afetadas.
Influências Transfronteiriças
O Rio Acre sofre influências locais e transfronteiriças, sendo que a maior parte da população do Estado depende das águas de sua bacia e micro bacias para as mais diversas atividades. O aumento populacional e as mudanças no uso da terra têm provocado a intensificação dos processos de desmatamento e queimadas, criando paisagens degradadas de difícil recuperação. Estima-se entre 372.000 a 566.900 ha as áreas de floresta que foram degradadas ou abertas a leste do estado, levando em conta partes de territórios fronteiriços, onde se encontram as principais nascentes da Bacia do Rio Acre.
Este quadro tem gerado situações críticas, podendo inclusive ocasionar a perda de partes do território acreano. Oscar Soria, da UAP do Departamento de Pando, Bolívia, alertou para a possibilidade concreta de uma extensa área da cidade de Brasileia passar naturalmente para o domínio boliviano pela ação erosiva do rio Acre, que está isolando a área e separando-a de nosso território. Segundo o mesmo, esse evento poderá ocorrer a qualquer momento na próxima estação chuvosa, recomendando medidas inéditas e de baixo custo para reorientar o fluxo do rio.
Gestão de Riscos e Pobreza
Para o especialista argentino Cláudio Szlafsztein, Professor da Universidade Federal do Pará e Consultor da GIZ, fazer estudos de forma integrada não é um processo fácil. Fazer a implementação destes estudos, por sua vez, já é algo um pouco mais difícil ainda. “Na gestão de riscos, é preciso envolver diversas esferas, como a municipal, estadual e federal, fazendo-as trabalhar juntas. Além disso, quando falamos em vulnerabilidade, não é apenas uma questão física e geográfica que estamos tratando, mas uma questão que envolve também o social e, neste ponto, as coisas se complicam. São diversos fatores a serem levados em conta: problemas sociais e econômicos, política habitacional, sistemas de uso e ocupação do solo e legislação adequada às áreas suscetíveis ao risco.”
Cláudio concluiu ainda que o comitê formado para a Bacia do Rio Acre precisa se basear na complexidade da realidade local, não em planos e receituários elaborados para outras regiões, uma vez que os planos federais não se adequam à situações que enfrentamos. Segundo o cientista, deste modo poderemos de fato avaliar os riscos existentes, antes dos desastres acontecerem. “É preciso Lembrar sempre que qualquer forma de desenvolvimento sustentável é temporariamente abortada na eminência ou ocorrência de um desastre”.
Para Josélia Alves, Professora da UFAC e Mestre em urbanismo, ao se tratar de vulnerabilidade da Bacia do Rio Acre, o principal é identificar e caracterizar as populações que fazem uso desta bacia. Em sua opinião, “a vulnerabilidade, em termos práticos, é principalmente social, porque onde não há gente, onde não há população, também não há risco. E o que a gente observa é que a pobreza é o principal agente de vulnerabilidade, não apenas social, mas socioambiental, porque grupos populacionalmente mais pobres acabam tendo que residir em áreas já degradadas, envolvendo por si enormes riscos.”
Para Josélia, os estudos destas populações e sua relação com a bacia do Rio Acre servem para definir, por exemplo, onde uma prefeitura pode e deve aplicar obras de moradia e de infra-estrutura e onde não deve, de maneira a fazer investimentos que mais tarde não trarão prejuízos para o Estado.
O Projeto HSBC: Compreendendo o presente para adaptar-se ao futuro: análise de vulnerabilidade das comunidades da Sub-bacia do Igarapé Judia, diante dos impactos das mudanças climáticas na Bacia do Rio Acre tem como objetivo principal diagnosticar a situação de vulnerabilidade das comunidades da Sub-bacia do Igarapé Judia na Bacia do Rio Acre e elaborar um programa de adaptação às mudanças climáticas a partir de uma metodologia que possa ser replicada em outras regiões da Amazônia Sul-ocidental, definindo diretrizes de adaptação às mudanças climáticas e contribuindo para a elaboração de um plano de adaptação das comunidades e da Sub-bacia do Igarapé Judia.
{xtypo_rounded2}Para definição das ações de adaptação faz-se necessário o desenvolvimento de uma análise de vulnerabilidade da Bacia do Rio Acre para a definição de diretrizes de adaptação às mudanças climáticas. Esta análise baseia-se na metodologia utilizada pela Rede WWF para a Bacia Amazônica e para a Bacia Transfronteiriça do Alto Paraguai, que consiste em um estudo realizado em etapas:
- O desenvolvimento de uma base de dados em SIG (Sistemas de Informações Geográficas) para a bacia;
- A identificação e delineamento das unidades de planejamento;
- A identificação das regiões da bacia com maior contribuição hidrológica;
- A realização de uma análise de riscos e ameaças aos ecossistemas aquáticos
- O desenvolvimento de projeções de mudanças climáticas para a região da bacia e recálculo dos índices de risco ecológico considerando qualitativamente essas projeções. Especial ênfase será dada à inter-relação entre os cenários de mudanças de uso do solo com os de mudanças climáticas;
- A definição de indicadores de adaptabilidade da bacia e de um sistema de monitoramento de resiliência, ou capacidade de retorno a um estado natural de excelência;
- O desenvolvimento de medidas de adaptação.
- Elaboração do Plano de Adaptação.{/xtypo_rounded2}
Este painel de especialistas é uma etapa fundamental para a preservação e recuperação da bacia e prevê a aplicação do método multi-criterial ( que se utiliza de dados físicos, climáticos, sociais e econômicos) para a identificação dos estresses, sua categorização em termos de severidade, frequência e grau de sensibilidade gerado aos ecossistemas aquáticos.