Fundação de Cultura Elias Mansour prepara dossiê para tornar Novenário de Cruzeiro do Sul patrimônio histórico cultural e imaterial do Acre

A pedido da sociedade civil organizada de Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Acre, a Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), por meio de seu Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (DPHC), deu início a um dossiê sobre o Novenário de Nossa Senhora da Glória, considerada a segunda maior festa religiosa da Região Norte pela Igreja Católica. Há mais de dez dias, a equipe técnica está na cidade realizando pesquisa de campo, colhendo informações, fazendo pesquisa bibliográfica, entrevistas e produzindo material audiovisual.

A FEM tem trabalhado em parceria com os conselhos de patrimônio e cultura locais, para que um material rico em informações comprove ao Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural do estado que o Novenário é um bem cultural acreano.

A historiadora da FEM Irineida Nobre, que está coordenando toda a pesquisa, explica que, após todo o levantamento de dados, o Conselho se reúne e avalia se o pedido é pertinente.

Historiadora Irineida Nobre, da FEM, coordena pesquisa: “Foi uma demanda da sociedade”. Foto: acervo DPHC/FEM

“Já estamos em outubro e todo esse processo deve ser feito em menos de um ano, o que, do ponto de vista histórico, vai ser bem rápido. Então, vai ser o tempo de consolidarmos os dados, fichas, entrevistas e a escrita, o que também requer um tempo, mas acho extremamente positivo o prazo que temos para finalizar tudo, que é agosto de 2025. No próximo ano, na época do Novenário, essa festa religiosa já deve estar considerada um patrimônio cultural”, explica Irineida.

A historiadora destaca ainda que a pesquisa só está sendo possível porque foi uma demanda da sociedade. Ou seja, os próprios cruzeirenses fazem questão do reconhecimento da celebração como parte da história do estado, e principalmente da cidade.

“A gente, como instituição, não tem o poder de determinar que esse ou aquele bem precisa de pesquisa e consequentemente de registro. A gente precisa ser demandado pela comunidade detentora do bem. Do ponto de vista legal, funciona assim. Para atender essa demanda, estamos aí com mais de dez dias de trabalho, mas com muito conteúdo, muitas articulações e acreditando que até o ano que vem o Novenário de Nossa Senhora da Glória estará com esse registro efetivado”, estima.

Procissão reuniu 50 mil pessoas em 2024. Pedro Devani/Secom

Padroeira da cidade

Este ano, foi realizada 106ª edição do Novenário. A Diocese de Cruzeiro do Sul estima que cerca de 50 mil fiéis percorreram as ruas da cidade na tradicional procissão que encerra o evento. Um momento marcado por fé, devoção e muitas histórias daqueles que atribuem à padroeira da cidade um milagre.

É o caso da cruzeirense Alderlândia Fortunato, que durante a procissão deste ano deu um relato de promessa atendida. “Esperei 15 anos por uma cirurgia de retirada de mioma do útero. No dia do procedimento, como sofro de ansiedade, fiquei muito nervosa, o que ocasionou uma brusca queda de pressão. Eu precisava me acalmar, pois naquelas condições não seria realizada a cirurgia”, contou.

E concluiu: “Roguei para Nossa Senhora da Glória: ‘Mãe, se for da tua vontade que eu realize a cirurgia, peço que me tranquilize’. A partir disso, o medo acabou e, para a honra e glória de Deus, hoje se completam três meses que passei a viver uma vida sem sofrimento”.

Irineida ressalta que, durante o levantamento, o que mais tem chamado a atenção é a surpresa da população em saber que o evento ainda não possui esse registro.

“Na cabeça da população já é algo cultural por natureza, mas, para ser considerado um patrimônio registrado, precisa dessa pesquisa e reconhecimento, que sai no Diário Oficial do Estado. O que eu já esperava, mas que agora podemos constatar na fala das pessoas, é que essa festa vai para além do religioso, impactando na economia, turismo e no cotidiano das pessoas”, observa.

Além disso, a pesquisadora relata que muitos ribeirinhos aproveitam a época da procissão para ir até a cidade e, além de participar da caminhada, também vão ao cemitério “visitar os mortos”.

Irineida analisa: “É como se fosse um Dia de Finados. E também visitam os parentes que moram aqui, compram roupas novas, movimentam o comércio e compram estivas em geral, para voltar para suas localidades rurais. A festa faz isso: com que as pessoas se conheçam; congreguem todos os afazeres que têm aqui na cidade, para o dia ou para o período da festa, ‘para fazer uma viagem só’, como dizem. Isso eu achei muito interessante”.

Pesquisa escuta moradores da região para elaborar dossiê. Foto: Foto: acervo DPHC/FEM

Há mais de cem anos

O Novenário é realizado há mais de cem anos em Cruzeiro do Sul, em honra a Nossa Senhora da Glória, e está enraizado na vivência dos fiéis da região do Vale do Juruá, que celebram sua padroeira com intensidade e devoção. A Catedral, que leva o nome da santa, também é um dos principais pontos turísticos da cidade.

A primeira igreja foi construída por Dom Afonso Donnadieu, primeiro vigário dos padres espiritanos na região, no começo do século passado. Posteriormente, nos anos 30, a região do Juruá foi dividida em duas prelazias. O Baixo Juruá continuou pertencendo à Prelazia de Tefé, comandada por padres franceses, e o Alto Juruá ficou sob o comando de padres alemães.

A primeira catedral foi construída em madeira e, por não oferecer segurança aos fieis, acabou em desuso. A Catedral de Nossa Senhora da Glória, um dos principais cartões postais da cidade interiorana, como existe hoje, só começou a ser construída em 1957 e foi inaugurada em 1965.

O monumento histórico tem em sua estrutura um milhão de tijolos maciços, madeira especial, como marfim, e teto de bronze trazido da Alemanha.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter