Fiéis participam de romaria a São João do Guarani e relembram Chico Mendes

Selo_25_anos_Chico_Mendes_02Distante 42 quilômetros do município de Xapuri, a pequena colocação Guarani, no seringal Boa Vista, ainda guarda com muito respeito uma das mais antigas manifestações religiosas do Acre. Todos os anos, há mais de um século, sempre no dia 24 de junho, data em que também se festeja o Dia de São João, fiéis adentram as matas da colocação para pagarem promessas e pedirem graças a São João do Guarani, mais conhecido como o Santo da Floresta.

Neste ano não foi diferente. Segundo a Polícia Militar, mais de 500 pessoas participaram das comemorações, que tiveram início no último domingo, 23, com muita festa entre os fiéis e brincadeiras infantis. As festividades continuaram na segunda-feira, 24, com uma romaria que percorreu os três últimos quilômetros do ramal que dá acesso à colocação e uma missa celebrada pelo padre Francisco das Chagas, de Xapuri, com o apoio dos padres Massimo Lombardi e Luiz Ceppi, que saíram de Rio Branco para acompanhar as comemorações.

Ainda de acordo com a PM, o número de participantes não foi maior porque o evento aconteceu na segunda. Em anos anteriores, a festa chegou a reunir mais de duas mil pessoas.

Como todo rito baseado no catolicismo, os devotos, a maioria de outros seringais e das áreas urbanas do entorno, acenderam velas aos pés da cruz de ferro vinda de Belém (PA) e deixaram oferendas no pequeno santuário onde fica o túmulo do “santo da floresta”.

Na escola estadual Padre Jósimo foram realizados atendimentos odontológicos, aferição de pressão, doação de remédios, vacinas, cortes de cabelo, entre outros serviços itinerantes.

A jovem Lohane foi curada e sua tia Emília atribui ao santo. Todos os anos elas pagam promessa para São João

A jovem Lohane foi curada e sua tia Emília atribui ao santo. Todos os anos elas pagam promessa para São João

Há dois anos que Emília Campos Barbosa, esposa de Duda Mendes, primo de Chico Mendes, percorre vários quilômetros do ramal em direção à colocação Guarani como agradecimento por um suposto milagre alcançado. A sobrinha, Lohane Campos, apresentou feridas na boca que, de acordo com os médicos, certamente evoluiriam para um câncer. Após vários meses de reza e promessas, a menina foi curada, para o espanto dos médicos, segundo a tia.

“Resolvi fazer essa promessa porque sempre acreditei que João do Guarani fosse um homem santo, pois conheço várias pessoas que foram agraciadas com seus milagres de cura. E, graças a Deus, minha sobrinha foi completamente curada e nunca mais adoeceu de novo”, disse.

O Santo da Floresta

Mas quem foi São João do Guarani e por que seu nome é tão celebrado pelos seringueiros e seus descendentes? Apesar de sua história divergir entre os fiéis, de uma coisa todos têm certeza: o santo faz milagre! São inúmeros casos de cura de doenças, reencontros com familiares perdidos na mata há dias, contratação em empregos, entre outras graças.

O pé  da Cruz de ferro, que veio de Belém, no Pará, recebe as velas e as orações dos devotos

O pé da Cruz de ferro, que veio de Belém, no Pará, recebe as velas e as orações dos devotos

Uma das histórias diz que João, solteiro e sem filhos, conseguiu reunir dinheiro suficiente para pagar todas as dívidas com o seringalista e, depois, deixou o seringal. A decisão contrariou o desejo do patrão, que mandou seus capangas espancarem o homem. Ferido e perdido na floresta, João morreria dias depois. A outra versão informa que o seringueiro morreu sozinho em casa, por conta de uma doença grave. Alguns meses depois, dois amigos de infância de João que se perderam na mata disseram que foram ajudados pela alma dele a encontrar o caminho para casa com a promessa de cuidar do túmulo do seringueiro até o fim de suas vidas.

“O importante não é encontrar a verdadeira história do São João do Guarani, mas entender que, por ele ter sido mais uma vítima das dificuldades enfrentadas pelos seringueiros, as pessoas acabam se identificando com sua vida e história”, disse Raimundo Barros, o Raimundão, ex-seringueiro, parceiro de luta de Chico Mendes e ex-vereador de Xapuri.

Culto a São João do Guarani sobrevive ao tempo

Raimundo Barros, o Raimundão, ajudou a construir o ramal que facilitou o acesso à colocação

Raimundo Barros, o Raimundão, ajudou a construir o ramal que facilitou o acesso à colocação

Mais de 100 anos se passaram desde o início do culto a São João do Guarani e muita coisa mudou no seringal Boa Vista, principalmente nas últimas quatro décadas, a partir da chegada dos fazendeiros ao Acre. A pequena igreja localizada próxima ao túmulo do santo servia como uma das bases de mobilização e discussão sindical em prol da permanência dos seringueiros na região e do impedimento da derrubada da floresta por parte dos fazendeiros.

Raimundão conta que participou de diversas reuniões no local ao lado de Chico Mendes, que era devoto de São João do Guarani e, todo dia 24 de junho, percorria o varadouro para rezar o terço – com a chegada dos conflitos pela posse da terra, na década de 1970, o seringueiro também passou a pedir a Deus sua proteção e de seus amigos e familiares. “Eu também rezava pelos nossos ideais. E funcionou! Saímos vitoriosos, pena que sem o Chico”, disse Raimundão.

E foi Raimundão que, em 1994, ajudou a construir o ramal para facilitar o acesso ao seringal Boa Vista e suas colocações. As obras só acabaram três anos depois. “Antes, pra percorrer esses 42 quilômetros que começam na cidade e termina no Guarani a gente gastava de dois a três dias. Hoje, em um veículo bom, esse mesmo trajeto é feito em pouco mais de uma hora”.

Vicente, de 73 anos, participa das celebrações desde a infância

Vicente, de 73 anos, participa das celebrações desde a infância

O aposentado Vicente Lima dos Santos, de 73 anos, é devoto do São João do Guarani desde criança e também comenta as melhorias que o a colocação passou nas últimas décadas. “Antigamente a gente tinha que dormir no local porque não tinha condições de voltar pra casa. Agora o caminho está perfeito, principalmente no verão, quando os carros não atolam”.

Nascido no seringal São José, vizinho do Boa Vista, ele disse que nunca recebeu milagres do santo da floresta, mas que acredita no poder do ex-seringueiro. “É que eu não levava muito a sério essa história de igreja. Frequentava quando criança só porque meus pais me obrigavam. Mas hoje eu tenho fé e sei que, quando precisar, o nosso padroeiro estará aqui pra ajudar”.

Romaria celebra ideais de Chico Mendes

Comissão Especial “25 Anos: Chico Mendes Vive Mais” participou da romaria e da missa realizadas na última segunda-feira para São João do Guarani

Comissão Especial “25 Anos: Chico Mendes Vive Mais” participou da romaria e da missa realizadas na última segunda-feira para São João do Guarani

Neste ano, as comemorações do Dia do São João do Guarani fizeram parte da programação dos “25 Anos: Chico Mendes Vive Mais”, um conjunto de ações realizadas durante todo o ano para celebrar os ideais do seringueiro, ambientalista e herói nacional xapuriense.

Em maio, o governador do Acre Tião Viana assinou o decreto de número 5.154 que cria a Comissão Especial que organiza e realiza essas atividades, cuja Coordenação Geral está a cargo da primeira-dama do Estado, Marlúcia Cândida. Fazem parte do grupo mais de 30 instituições governamentais e não governamentais, além de uma Comissão Ecumênica.

Nas festividades, a comissão foi representada pela coordenadora executiva Walnísia Cavalcante, pelo coordenador de apoio e diretor da Biblioteca da Floresta, Marcos Afonso Pontes, pela presidente da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), Francis Mary Alves, pelo diretor do Patrimônio Histórico do Acre, Libério Souza, pela historiadora Iri Nobre e pelos membros da Comissão Ecumênica, padres Massimo Lombardi e Luiz Ceppi.

Participaram ainda o superintendente regional do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Idésio Luis e pelo membro do Grupo de Voluntariado Civil (GVC) da Bolonha, Itália, Marco Sassi, que está em Xapuri para oferecer apoios para projetos do Fundo Amazônia.

“É com alegria que fizemos parte dessa romaria como forma de reconhecer as crenças e a cultura dos seringueiros do Acre. É muito importante que mantenhamos viva nossa fé e também as mensagens que Chico Mendes deixou para todos nós ao longo desses 25 anos”, disse, em nome da Comissão Especial, a coordenadora executiva Walnísia Cavalcante.

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