Parece inacreditável, mas na Amazônia, conhecida com uma região rica de rios volumosos e de chuvas intensas, há rios secos, com e sem a interferência humana e com a vegetação natural ainda intocada. Qual seria a causa? Como explicar tal fato?
Uma das explicações talvez esteja relacionada ao uso intensivo e desordenado ao longo dos principais rios da região, sobretudo pelo surgimento das cidades nas várzeas dos mesmos, em áreas que deveriam ser de preservação permanente.
Esse tipo de ocupação que provoca a compactação e desmatamento ao longo dos córregos causando assoreamento e desbarrancamento, além da poluição destas águas, tende a piorar um cenário que sempre existiu no ambiente acreano, desde os tempos de Euclides da Cunha.
Não é novidade para ninguém que habita estas terras da Amazônia Ocidental o fenômeno de seca e cheia dos rios, sobretudo o Rio Acre. O problema de grandes cheias e grandes secas no estado parece ser comum em todos os municípios, no entanto, os efeitos mais severos ocorridos na última década estão associados à porção Leste do Acre.
Tal aspecto pode estar relacionado ao desmatamento, que ocorre em maiores proporções nesta região do Estado?
Sabe-se que o Estado do Acre apresenta 13% de sua área total desmatada (Ucegeo, 2013), e que grande parte deste desmatamento ocorre nas regiões do Baixo e Alto Acre (Acre, 2010). Este aspecto tende a piorar um cenário que sempre existiu e que, atualmente, tem-se intensificado pelo efeito das mudanças climáticas (Fernandes, 2013).
No Acre, as mudanças no clima e as projeções de crescimento da população – principalmente na região leste, que deverá dobrar de tamanho nas próximas décadas (IBGE,2010), especialmente nas periferias – aumentarão significativamente os riscos de inundações e deslizamentos, bem como secas severas acompanhadas por incêndios florestais, atingindo, sobretudo, os mais pobres, além de provocar maior ocorrência de doenças de veiculação hídrica e respiratórias.
Outro aspecto que parece passar despercebido é o solo. Os solos que compõem a Bacia do Acre, pertencentes à Formação Solimões, apresentam características bastante peculiares quando comparadas a outras porções da Amazônia Brasileira.
O sedimento é composto por siltitos e argilitos que se apresentam de forma horizontalizada e que dão origem a solos com argila de atividade alta, que promove a dificuldade de percolação de águas das chuvas, tendo como consequência períodos de grandes enchentes e vazões acentuadas na bacia (período seco) (Acre, 2010). Daí a grande dificuldade da construção civil no estado, em especial as estradas, por um simples fato: não existe pedra (rocha dura).
Estes dois aspectos principais: desmatamento e solos no caso do Acre, por si só já seriam de extrema relevância para os eventos extremos. Associados a eles existem as mudanças climáticas que inegavelmente estão cada vez mais presentes em nossas vidas.
As variações climáticas interanuais das chuvas da Amazônia fazem parte da variabilidade natural do clima tropical da América do Sul e os ecossistemas normalmente estão adaptados a elas (Nobre, 2011). O que chama a atenção é que, num curto intervalo de seis anos, do início da seca em 2005, observou-se a mais drástica seca, em 2006 uma grande cheia, em 2010 outra grande seca, em 2012 uma das maiores enchentes já vistas no estado. Esta contabilizou milhares de desabrigados e criou um cenário jamais visto: a cidade de Brasileia submersa pelas águas do Rio Acre.
Por outro lado, os períodos de seca, cada ano mais intensos, favorecem a propagação de inúmeros incêndios florestais. O uso indiscriminado do fogo por produtores rurais para preparar a terra, associado a períodos de seca severa, tornou-se uma potencial ameaça contribuindo significativamente para o acontecimento de grandes desastres ambientais no Acre.
Apesar de alguns investimentos e campanhas realizadas ao longo dos últimos anos, as inundações continuarão a ocorrer em razão do crescimento urbano da região, das características peculiares de solos e da dinâmica natural das cheias e de ocupação desordenada das bacias hidrográficas.
Devemos urgentemente tomar medidas severas de recomposição da mata ciliar ao longo do Rio Acre, de sua desocupação ao longo das margens, de políticas que levem a educação ambiental da população para tornar suas margens limpas e, que possam ser usadas como parques, apenas para o lazer.
Caso estas medidas não sejam realizadas nós próximos anos, talvez seja preciso a criação de reservatórios na cidade de Rio Branco. Em um cenário mais trágico, talvez precisemos usar a água dos aquíferos, algo impensável a pouco tempo atrás e que exigiria um grande investimento. Esta pratica, para o Estado do Acre, só seria necessário em último caso.
Nilson Gomes Bardales, engenheiro agrônomo