Texto: Tatiana Campos | Fotos: Angela Peres | Webdesign: Alexandre Viana
Um novo começo
Dia 28 de março de 2009. Seria um dia de rotina na Maternidade Bárbara Heliodora, mas o nascimento do pequeno João Gabriel tirou a normalidade de cena. O bebê nasceu com apenas 27 semanas de gestação, problemas respiratórios e precisou ser submetido a uma cirurgia de hérnia. Até então seria comum, num local preparado para lidar com partos de risco. Mas o carinho materno, tão necessário ao desenvolvimento da criança, lhe foi privado. A mãe biológica o abandonou duas vezes antes de ser presa por enquadramento no artigo 244 do Código Penal. O pai também foi preso. Ninguém na família ficou com a guarda.
Mas o destino preparava surpresas boas para João Gabriel, que passou três meses no hospital, sendo cuidado pelas enfermeiras. Enquanto a Justiça decidia tirar o pátrio poder dos pais verdadeiros, o casal Antonela e Maurício* aguardava na fila de espera de adoção. Queriam um bebê de até 1 ano de idade e saudável. João Gabriel lutava para sobreviver na incubadora da maternidade – seu endereço por 90 dias – à espera do aconchego familiar que tanto lhe fazia falta no momento mais delicado de sua vida incerta.
Dia 04 de julho também seria um dia normal na vida de seus futuros pais adotivos. Estavam trabalhando quando o telefone tocou anunciando a boa notícia: havia um bebê precisando ser adotado. Não ligaram para o fato da criança ser prematura e com os problemas que todo prematuro tem no início da vida. O queriam incondicionalmente, mesmo sem conhecê-lo.
A emoção do telefonema pode ser comparada ao momento do rompimento da bolsa, numa gravidez. Largaram o trabalho e correram direto para o Juizado da Infância e Juventude. Não queriam ver a criança primeiro – como geralmente ocorre. A prioridade era resolver o trâmite legal e entrar na maternidade como mãe e pai do João Gabriel.
O encontro foi emocionante. Os novos pais do bebê, que nasceu com apenas 854 gramas, foram seguidos a partir da porta da maternidade. Todos no hospital queriam acompanhar o momento em que então mãe e filho se veriam pela primeira vez. Apesar da cena forte, um neném tão indefeso, cheio de tubos, sozinho na incubadora, o amor nasceu à primeira vista no coração daquela mãe. Desde então ela não saiu mais do lado daquele berço. Foram três dias e três noites até que João Gabriel recebesse alta.
"Eu não dormia porque tinha medo que ele passasse mal e eu não visse. No primeiro dia fui mostrar a respiração dele, muito ofegante, para o pediatra. A resposta foi: ‘se acostume. Vai ser sempre assim’. Mas o carinho fez toda a diferença. Passei um dia acalentando ele e no dia seguinte já estava visivelmente melhor", conta a mãe.
Quando visitamos João Gabriel e seus novos pais ele estava há apenas três dias em casa. Na manhã seguinte iriam às compras: berço, roupinhas, e tudo o mais que necessita. A família não quis ser identificada, mas não deixou de dar seu depoimento. A história do pequeno sobrevivente é um exemplo da celeridade da Justiça nos casos de adoção, da penalidade em caso de descumprimento da lei pela família e da segurança em achar um novo lar para crianças desamparadas. A mãe biológica do bebê cometeu um crime ao abandoná-lo, o artigo 244 do Código Penal. A prisão poderia ter sido evitada se ela houvesse procurado a Procuradoria da Infância e Juventude e explicado que não teria condições de criar a criança e gostaria de entregá-la para adoção. Este é um esclarecimento que a Justiça tenta fazer a todas as mães que passam por esta dificuldade.
Na fila de espera de interessados existem mais de 50 habilitados para a adoção.
"Mamãe, não deixa eu voltar pra lá!"
Quando chegou ao abrigo para conhecer as crianças e iniciar o processo de "namoro" antes de decidir qual criança adotaria, a pequena Alana veio chorando e pedindo colo. Sua tristeza foi o que mais chamou atenção na futura mãe, Giovana. Duas semanas depois chega a irmã de Alana, a Amanda, um ano mais velha. Esta já era, segundo a mãe adotiva, a segunda vez que as meninas eram encaminhadas ao Educandário Santa Margarida. Os pais biológicos são dependentes químicos. A filha mais nova é apenas irmã materna de Amanda. O que a levou a ser maltratada pelo padrasto.
"Quando elas chegaram a mais nova não ficava sozinha em nenhum ambiente e tinha medo de homens. Até do pai. Agora esse trauma está passando. Fazemos acompanhamento com a psicóloga para que tudo fique em harmonia", conta a mãe adotiva. Além da psicóloga as meninas já passaram pelo pediatra e pelo dentista.
Após algum tempo freqüentando o abrigo, Giovana conseguiu permissão para levar as meninas para casa e passar o final de semana com elas. Uma nova família nasceu ali. "No domingo a mais velha disse que estava com dor de barriga, e essa dor que não passava, estava muito forte. Como ainda não estavam como dependentes no plano de saúde, levamos para uma clínica de urgência. Era uma crise de verme muito forte e a medicação tinha que ser tomada durante duas semanas, de forma e horário corretos. Fui ao Juizado e consegui autorização para ficar com as meninas durante o tratamento e em seguida já contratei um advogado para conseguir a guarda provisória. Elas não voltaram pro abrigo", conta o pai.
Era tudo o que as crianças queriam: continuar naquela família, onde recebiam atenção, carinho, afeto. "Não vou voltar não, né mamãe?", foi a pergunta que Amanda fez aos novos pais. As crianças estão na família há dois meses e o começo foi um pouco delicado. "Elas estavam acostumadas a um ambiente de disputa por atenção, por brinquedos, uma competição que deve ser comum em abrigos. Brigavam muito, eram mais rebeldes. Com o tempo, com carinho e com a ajuda da psicóloga tudo está mudando", comenta a mãe.
Uma nova família pede um novo começo. E o recomeço para Alana e Amanda não poderia ter sido melhor. Vestidos, sapatos, brinquedos, bicicletas, pelúcias e o mais importante: um pai e uma mãe amorosos e dedicados. Uma vida de sonho iniciava ali para duas crianças que, com tão poucos anos, carregavam marcas difíceis de apagar.
Alana e Amanda foram abençoadas com uma sorte que nem todas as crianças alcançam. Além de serem mais crescidas que o padrão preferido pelos adotantes – que fazem questão de bebês – elas foram adotadas juntas.
Como os pais ainda não têm a guarda definitiva, a mãe conta que é impossível não sentir um aperto no coração ao olhar as meninas brincando e ter a dúvida como resposta. "O amor é instantâneo. Nem quero pensar em perdê-las. Aqui em Rio Branco ainda não temos muitos amigos, nem muitas opções de lazer. As crianças vieram preencher um espaço que estava vazio. Nossa rotina mudou, nossa vida mudou. Está mais colorida, mais alegre. Agora vamos aos parquinhos, às praças", disse a mãe.
Os pais adotivos de Alana e Amanda estão casados há dois anos. A intenção do casal sempre foi ter filhos de sangue e adotados. "Mas nunca pensei que seriam duas crianças adotadas", acrescenta Giovana.
"Cada uma tem uma história, e uma história triste"
Às 6h30 todo mundo sai da cama. Todos levantam cedo, tomam banho, café da manhã, escovam os dentes. Às 7h15 as crianças vão para a escola. E a rotina no Educandário Santa Margarida procura seguir as mesmas regras que as crianças teriam num ambiente familiar: estudar, fazer a lição de casa, brincar, ir ao cinema, ao horto… cada atividade no seu horário.
O Educandário sobrevive de doações. Comida, brinquedos, roupas, material escolar, de escritório, salário de funcionários. Tudo é pago com o dinheiro arrecadado com base na boa vontade de quem ajuda. O Governo do Estado entra com uma contribuição anual que garante algumas despesas de alimentação, mas o abrigo precisa de mais apoio comunitário para manter as portas abertas. "Todo dia falta uma coisa, toda hora quebra alguma coisa. É uma casa com mais de trinta crianças e vários funcionários para manter. Se manter uma residência é difícil, imagina um abrigo", comenta a diretora Edileuza Maia Ferraz.
Edileuza é a mãe que as crianças não têm. Puxa a orelha quando é necessário, mas não esconde o apego que têm por todas elas. "Tenho horário para entrar, mas nunca tenho para sair. Não consigo sair cedo. Aqui também é minha casa, sinto que aqui também é minha família", conta. A diretora reclama das olheiras que ganha perdendo sono por preocupação, mas admite que não consegue ficar longe do abrigo. "As crianças não têm culpa de estar aqui, não pediram pra vir pra cá. O que elas querem é carinho, atenção. Querem amor. Aqui cada uma tem uma história de vida, e uma história triste. O que me toca é que apesar de tudo que elas passaram antes de chegar aqui são todas cativantes", confessa Edileuza.
O abrigo tem 18 funcionários, que também dependem das doações para receber. Uma freira voluntária ensina educação religiosa para as crianças. Quando uma visita chega, elas se transformam. Na disputa pela atenção do visitante vale tudo: chorar, pedir colo, pegar brinquedos, pular.
Nova lei da adoção vai mudar a rotina dos abrigos
Hoje 32 crianças estão abrigadas em Rio Branco. Em todo o Brasil são cerca de 80 mil, de acordo com o Cadastro Nacional da Adoção. Disponível para ser adotada não há nenhuma no Educandário Santa Margarida. A família ainda detém o chamado pátrio poder sobre elas. "São filhos de dependentes químicos, de pais violentos, que não tinham condições de cuidar de forma adequada das crianças, colocando os filhos em situações de risco. Mas antes de destituir o poder de família é necessário tentar todas as alternativas da criança permanecer na família original", explica o promotor da Infância e Juventude, Francisco Maia.
O destino das crianças vai mudar. Já foi iniciado o processo de destituição do pátrio poder dos abrigados, que vão de 0 a 12 anos. Todos os processos constituirão um banco de crianças prontas para a adoção, assim como existe a fila de pais habilitados. Segundo Maia, esta também é uma exigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
Além do ECA, a nova lei da adoção também encurtou as rédeas para os abrigos. Agora eles são obrigados a informar, a cada seis meses, quantas crianças estão abrigadas e porque ainda estão lá. "Houve um desestímulo ao abrigamento, que passa a ter o caráter máximo de dois anos. Durante este tempo pode haver a destituição do poder de família. Após este período só permanecem nos abrigos casos excepcionais. Os abrigos devem providenciar, junto com o sistema de proteção à criança, a inserção dela na família. Primeiro, a tentativa deve ser a família original, depois a substituta", explica o juiz da Infância e Juventude, Romário Divino.
Uma vida no abrigo
Ele chegou ao Educandário ainda criança. No início o abrigo não tinha o regime de internato e as crianças passavam apenas o dia. À noite precisavam voltar para casa. Aos nove anos ficou para morar. Aos 18 precisou ir embora. Ele foi o único garoto abrigado que passou todo o tempo possível no abrigo. A história de Wellinton Almeida é de muitas idas e vindas até o dia em que resolveu se render e parar de fugir para viver na rua. Não foi uma escolha fácil. A rua sempre parecia mais atrativa aos olhos dele. "Eu vigiava carro e com o dinheiro ia jogar vídeo game. Cheguei a usar droga também, mas nunca curti muito", lembra.
A diretora do abrigo, que está há 18 anos na casa, conta que, por pouco, o destino de Welliton não foi outro. "Ele chegava aqui de manhã e antes do almoço já tinha fugido de novo. Ninguém aguentava mais a situação. Um dia ele chegou trazido pelo Juizado e eu disse que não o aceitaria mais, que não tínhamos condições de cuidar dele, porque ele não passava um dia sequer no abrigo. Uma das professoras pediu mais uma chance, uma última chance, o pegou pelo braço e o levou para uma sala. O que ela disse até hoje ninguém sabe, mas ele saiu de lá dizendo que a partir daquele momento ficaria para morar. E nunca mais fugiu".
A vontade de fugir até voltou, mas a coragem não existia mais. A mãe de Wellinton nunca perdeu o pátrio poder, mas também nunca deixou de procurar notícias, visitar. A situação de pobreza, os muitos irmãos, a condição de vida não permitiram que a história de mãe e filho fosse escrita de outra forma. A criança nunca foi adotada. Viveu no abrigo sem a possibilidade de ser inserida num ambiente familiar. E os anos foram passando. Os amigos do Educandário, como a diretora chama os voluntários que colaboram com a manutenção da casa, sempre ajudaram na educação de Wellinton. Curso de inglês, colégios particulares, cursos profissionalizantes. O interesse maior foi pela informática, que virou profissão. Aos 18 anos o menino que passou parte da infância e toda adolescência no abrigo precisou mudar de endereço. Não podia mais continuar no Educandário por ter atingido a idade máxima.
Mais uma vez os funcionários se mobilizaram. Todos se sentiam um pouco a família de Wellinton. Edileuza é considerada uma mãe. "Conseguimos madeira para fazer um quartinho 3×4 na casa da mãe dele, mas não durou porque faltava estrutura, não tinha água. Depois, uma amiga do Educandário passou a pagar boa parte do aluguel de um quarto – ele pagava uma parte para ter responsabilidade. O primeiro trabalho foi no Supermercado Araújo, hoje é se vira sozinho", conta a diretora.
Do supermercado Wellinton saiu para trabalhar com informática. Hoje presta manutenção nos computadores do Educandário, é casado, dono da casa própria. Trabalha num projeto da Petrobrás, desenvolvido no abrigo e na Fundação Bradesco.
A independência tem um elo com a diretora do Educandário até hoje. "Tudo é comunicado, perguntado se pode ou não. Estou sempre por aqui. Sei que se eu tivesse continuado a fugir para viver na rua minha vida seria outra e não teria tido tantas oportunidades. Aqui é a minha casa, minha família. Me sinto bem aqui. Lembro de um dia que eu escrevi com giz no chão do pátio, pedindo desculpas pelo trabalho que eu dava. Não tenho mágoa da minha mãe ter me deixado aqui, minha vida é essa. Sou feliz sim", disse Wellinton.
A história de Madona, mãe e guerreira
O apelido Madona parece traduzir muito bem as duas fases da vida de José Maria. A primeira combina com a rainha do pop e com a vida de noitadas e curtição. A segunda fase, atual, não tem espaço para farras e nome pelo qual o cabeleireiro é conhecido tem mais a ver com o seu significado em italiano: mãe, senhora.
Se a genética nao permitiu que Madona pudesse gerar filhos em seu ventre, a vida não lhe tirou o direito de ser mãe. Quando soube que um sobrinho estava disposto a abrir mão do filho recém-nascido por falta de condições de criar, José Maria não pensou duas vezes: imediatamente fretou um táxi e foi buscar o bebê em Sena Madureira.
O amor entre ele e Jardel, hoje com 9 anos, não foi e não é diferente de todo amor de mãe. O amor pelo filho nasceu assim como nasce o amor pelos rebentos gerados no ventre: de forma imediata, incondicional, divina e apaixonada.
Madona precisou aprender a ser, além de uma boa mãe, uma forte guerreira. As guerras que se travariam a partir do momento em que assumiu Jardel não seriam fáceis. A maior dificuldade, conta ela, foi a financeira. "Não foram poucas as vezes em que eu tive que pedir dinheiro emprestado para comprar o leite dele. Tive que parar de trabalhar em salão e passei a atender as clientes em casa, pois não confiava deixar um bebê tão novinho com ninguém. A clientela diminuiu e ficou apenas as pessoas que gostavam muito do meu trabalho. Não foi fácil", relembra.
Mas a escassez financeira era apenas um dos problemas. Boa parte dos que se diziam amigos se afastaram depois de deixar claro que não concordavam com a nova vida de José Maria. "Diziam pra eu largar o menino em casa e sair com eles. Minha vida mudou por completo. Antes eu era depressivo, sentia um vazio muito grande, vivia em bares bebendo até me embriagar e poder chegar na cama e dormir. O Jardel preencheu esse espaço na minha vida. Hoje eu sou outra pessoa, feliz e realizada", conta.
Também não foram poucas as vezes em que Madona precisou ter pulso firme para se levantar contra o preconceito. "Já voltei pra casa chorando muitas vezes. Hoje o preconceito existe mas está mais velado. Na época eu era o único homossexual, travesti, que adotou uma criança. Haviam outros gays que tinham adotado, mas eles se vestiam como homens. Eu me vestia como mulher e o meu filho me chamava de mãe. Eu tinha medo do preconceito, de como seria quando ele fosse crescendo, entrasse na escola", comenta. A preocupação com o bem-estar do filho fez com que Madona pensasse até em mudar de hábitos para protegê-lo. "Eu cheguei pensar em me vestir como homem, mas seria outro problema, porque ele me chamava de mãe".
Entre dificuldades financeiras, preconceitos e problemas do dia-a-dia a vida foi fluindo, Jardel foi crescendo e um relacionamento firmado em muito amor materno, dedicação e respeito se desenvolveu. Chegou a hora da escola. "Ele ficava no portão, tranqüilo, acenando, e eu voltava pra casa chorando por ter que me separar dele. Esse momento, na verdade, é o começo da perda dos filhos para o mundo. É quando eles começam a caminhar sozinhos, ter uma vida já não é mais só nossa".
Com a vida escolar voltou à tona uma preocupação de José Maria: o preconceito. Como seria a rotina na escola sabendo que o filho tinha uma família diferente do padrão? "Mas tudo fluiu sem grandes traumas. Houve uma vez que ocorreu um problema, mas fui à diretoria, que fez uma reunião na sala de aula, e depois tudo correu bem. Meu filho tem uma cabeça muito bem resolvida, sabe da realidade em que vive, eu sempre fui muito transparente, sincera, e sempre o respeitei muito. A Dra. Tapajós sempre me disse que eu tinha mais com o quê me preocupar que com o preconceito alheio. A educação que eu daria para ele faria toda a diferença. Ela me deu muito apoio", relembra.
Psicóloga orienta a ser transparente
Um dos sentimentos que acompanham os pais adotivos desde os primeiros momentos é a insegurança, algo natural segundo a psicóloga Maria Amélia Barcelos, que já acompanhou vários casos de adoção. "É um estranho que vai fazer parte da família", lembra a profissional.
Duas situações são mais comuns no universo da adoção: quando o casal não pode ter filhos biológicos ou quando já criou os filhos e anseia por viver de novo a maternidade.
Sobre contar ou não a respeito da adoção a psicóloga aconselha a ser transparente, desde o momento em que a criança apresentar entendimento suficiente. "Uma criança de 4, 5 anos compreende que está sendo inserida numa família. O que não acontece quando se adota bebês. Não precisa fazer um tratado: no contexto do crescimento da criança, quando ela começar a fazer perguntas como de onde eu nasci, de onde eu vim, é uma oportunidade para que os pais introduzam o assunto. Usar o recurso da mãe de coração é uma boa saída", orienta a profissional.
Uma situação difícil e que precisa ser enfrentada com cuidado é quando a criança passa a fazer uso da condição de adotada para agredir os pais e transgredir as regras impostas pela família para a educação. "Não vou obedecer porque você não é meu pai". Esta frase, comenta Amélia, é pesada para os pais ouvirem e leva muitos ao consultório para buscar ajuda. "É preciso considerar que a criança ou o adolescente muitas vezes quer agredir, mas não significa que não querem aquele afeto", disse.
Sobre a polêmica adoção homossexual a psicóloga afirma que o ser humano se identifica na orientação sexual a partir de modelos de comportamento, mas as crianças não estão limitadas no único exemplo do pai ou mãe. "Essa criança vai conviver e se identificar com outros modelos, na escola, na igreja", explica. Quanto ao enfrentamento do preconceito, a profissional acredita que devem ser resgatados os valores pessoais e não a os da orientação sexual. "Muitas vezes os próprios educadores trazem preconceito e isso, se for o caso, precisa ser conversado. Pode haver um choque cultural quando essa criança começar a frequentar a escola, mas em geral elas são mais centradas. É bom procurar um psicólogo para auxiliar nesta fase".
Um anjo que dava presentes
A história de Luíza (nome fictício) começou quando a primeira mãe não quis criar o filho e o entregou para que desse a alguém interessado. A história se espalhou e ela virou uma espécie de anjo da noite (grupo que deixava crianças nas portas de famílias e hoje está desativado). Pelas mãos de Luíza passaram mais de vinte bebês. Um deles não passou. Ficou em casa e virou o filho caçula.
"Me chamavam de doida, ao invés de parabenizar pelo filho me xingavam. Hoje eu só recebo elogios sobre ele. Um filho maravilhoso, um aluno dedicado. Não é porque os pais biológicos cometeram erros que os filhos vão cometer. São outras pessoas, são frutos do meio. Os filhos que saem das nossas barrigas também podem cometer erros", comentou.
Dentre as histórias mais marcantes está a de um bebê que hoje tem 11 anos. O significado de seu nome é Presente de Deus. Filho de uma prostituta e usuária de drogas, ele chegou às mãos de Luíza aos 10 meses, com sífilis, muitas feridas pelo corpo e magro. Muito magro.
"Liguei para um casal que eu sabia que tinha interesse e disse que o filho deles tinha chegado. Relutaram um pouco ao ver as condições da criança, mas quiseram ficar com ele só por um dia. No dia seguinte o levaram ao médico, que abriu mão de todas as consultas para tratar o bebê. Não tiveram mais coragem de devolver o menino. As pessoas se apegam muito, no primeiro momento. Hoje ele é uma criança forte e saudável", conta Luíza.
Segundo Luíza, nunca houve problemas com rejeição ou bebês que foram devolvidos e ela pesquisava sobre a família antes de oferecer a criança. "Eu investigava se os pais bebiam, como era o casamento, se era uma família estável, tinha condições de criar. Hoje não faço mais isso porque esse papel cabe à Justiça e as crianças agora são entregues à primeira pessoa habilitada na fila de adoção, o que pode não ser justo em algumas situações", explica.
Segundo o Juizado da Infância e Juventude, o problema da rejeição ou da devolução de crianças adotadas ainda não foi registrado no Acre.
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Tire suas dúvidas!
O que é a adoção?
É uma maneira legal e definitiva de uma pessoa assumir como filho uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa.
Quem pode ser adotado?
Crianças e adolescentes com até 18 anos, cujos pais forem falecidos ou desconhecidos e tiverem sido destituídos do poder familiar ou concordar com a adoção do filho. Nem todas as crianças que estão em abrigos podem ser adotadas. Maiores de 18 anos também podem ser adotados, mas, nesse caso, de acordo com o novo Código Civil, a adoção depende da assistência do Poder Público.
Quem pode adotar?
Com a nova lei da adoção a idade mínima para adotar uma criança é de 18 anos. Solteiros, casados, separados, viúvos, padrastos, madrastas, qualquer pessoa pode adotar, desde que seja pelo menos 16 anos mais velho que a criança ou adolescente e possua condições de oferecer um ambiente familiar adequado ao adotado. Quem faz esta avaliação são os assistentes sociais e psicólogos do Juizado da Infância e Juventude. Avós e irmãos da criança não podem adotar, mas têm a opção de pedir a guarda provisória ou tutela junto à Vara de Família.
Pode-se registrar uma criança como filho e recorrer ao Juizado da Infância e Juventude depois?
Não. Este é um procedimento ilegal que constitui um crime punível com reclusão de 02 a 06 anos (art. 242 do Código Penal). O registro em cartório pode ser cancelado a qualquer momento e os pais biológicos têm o direito de recorrer à Justiça a qualquer momento para reaver a guarda. Primeiro você deve procurar o Juizado, informar a situação para evitar problemas.
Como adotar? Quanto custa um processo de adoção?
O primeiro passo é procurar o Juizado da Infância e Juventude para ser orientado e passar pelo processo de habilitação para adoção. Todo esse processo é gratuito e não é necessário contratar um advogado para isso.
Porque procurar o Juizado da Infância para adotar uma criança?
O Juizado possui profissionais capacitados para fornecer atendimento adequado, esclarecendo dúvidas e orientando a pessoa interessada. Além disso, ele coordena o Cadastro de Adoção.
A pessoa que encontra um bebê abandonado pode ficar com ele? Pode adotá-lo?
O procedimento adequado é procurar os órgãos competentes (delegacia, Vara da Infância e da Juventude, Conselho Tutelar), que vai localizar a família do bebê e saber se ele foi de fato abandonado. Somente se os pais estiverem desaparecidos ou forem destituídos do pátrio poder, por um processo judicial, é que essa criança poderá ser adotada. Para evitar problemas a melhor opção é buscar legalizar todo o processo.
Duas pessoas podem adotar uma mesma criança?
Se pelo menos uma delas tiver 18 anos, forem marido e mulher ou viverem em união estável, sim. E precisa ficar comprovada a estabilidade familiar.
Qual o prazo para a adoção, a partir do início do processo legal?
O processo de adoção, em geral, é bem rápido se comparado com outros trâmites judiciais. O prazo varia muito, mas a prática indica que a média fica entre seis meses e um ano. Quanto menores forem as restrições do interessado em relação às características da criança a ser adotada (sexo, idade, cor de pele etc.), mais rápido é o processo.
Homossexuais podem adotar?
O Estatuto da Criança e do Adolescente não faz qualquer restrição à opção sexual do adotante. A adoção será permitida desde que apresente reais vantagens para o adotando, do ponto de vista da Justiça, que decide a questão, e dos psicólogos e assistentes sociais do Estado que orientam a decisão judicial.
Casais homossexuais podem adotar conjuntamente?
Não, pois a legislação brasileira não reconhece o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas, o número de pessoas do mesmo sexo que convivem informalmente e adotam uma criança no nome de apenas uma delas é crescente.
Quem adota tem direito à licença maternidade?
A mãe adotiva tem o direito à licença maternidade de 120 dias no caso de adoção de criança de até 1 ano. Se a criança tiver entre 1 e 4 anos a licença é de 60 dias, e de 30 dias, para crianças entre 4 e 8 anos. O pai adotivo tem direito a cinco dias.
Há punição para as mães que não querem criar seus filhos?
Não, desde que ela procure o Juizado e comunique o fato. Ela vai entregar a criança para adoção. Doar a criança é abrir mão, legalmente, do direito de pai/mãe, em benefício da criança, quando a pessoa não se sente capaz ou em condições de criá-la.
E como fica o abandono de crianças?
Os pais são punidos pelo artigo 244 do Código Penal e podem ser presos. Entregar criança a pessoa inidônea também é crime, ou seja, não se pode simplesmente entregar a criança a alguém. É necessário que o Juizado esteja presente.
Onde posso conseguir mais informação?
O telefone do Juizado da Infância e Juventude está à disposição para que você tire suas dúvidas. O número é 3211-5536.
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Adoção passo a passo
1. Procure o Juizado da Infância e Juventude. Para agilizar, leve cópia autenticada da certidão de casamento ou nascimento; carteira de identidade e CPF, cópia do comprovante de renda mensal; atestado de sanidade física e menta; atestado de idoneidade moral assinado por duas testemunhas com firma reconhecida; atestado de antecedentes criminais
2. Você vai passar por uma análise preliminar e, se aprovado, será chamado para entrevista com psicóloga e assistente social do Juizado. Esta é a hora de dizer o perfil da criança que deseja adotar: sexo, idade e tipo físico.
3. Após as entrevistas você passa a integrar o cadastro de habilitados e é considerado apto a adotar.
4. O próximo passo é achar a criança. O serviço social vai confrontar os dados disponíveis com o seu cadastro e assim que houver coincidência de dados você será avisado.
5. O encontro entre o pretendente e a criança é marcado pelo juiz.
6. Inicia a fase de aproximação gradativa entre a criança e o candidato à adoção, chamado de estágio de convivência. O período é acompanhado pela equipe de psicólogos e assistentes e a duração varia de caso a caso.
7. Terminado o estágio de convivência, a sentença judicial é lavrada.
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