Em dez anos, Bolsa Família muda a realidade da população pobre do Acre

O Bolsa Família já retirou 36 milhões de pessoas da miséria. No Acre, mais de 73 mil famílias são atendidas (Foto: divulgação)

O Bolsa Família já retirou 36 milhões de pessoas da miséria. No Acre, mais de 73 mil famílias são atendidas (Foto: divulgação)

Criado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva por meio das ações do programa Fome Zero, o Bolsa Família é hoje o maior programa de inclusão social praticado no Brasil. Em dez anos, coleciona bons resultados e é exemplo internacional de assistência social e transferência de renda, atendendo 13,8 milhões de famílias.

Diversos estudos já provam que além de aliviar a pobreza, retirando 36 milhões de pessoas da miséria, o Bolsa Família alcançou impactos notáveis na saúde, na educação, na segurança alimentar e nutricional de milhões de brasileiros e brasileiras. No Acre, o programa chega hoje a 73.961 famílias, com R$ 129 milhões já repassados ao Estado de janeiro a setembro.

{xtypo_quote_right}O Bolsa Família já retirou 36 milhões de pessoas da miséria. No Acre, 73.961 famílias são beneficiadas{/xtypo_quote_right}

Para ter acesso ao benefício, é necessário que a família esteja em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 70, independentemente da composição familiar. Com renda de R$ 70,01 a R$ 140, a família precisa ter crianças de 0 a 17 anos, ou gestante ou mãe em fase de amamentação, para ser beneficiada. Cada família pode então receber mensalmente de R$ 70 a R$ 306, dependendo das chamadas “variáveis” e a quantidade de pessoas que compõem a família.

O orçamento do Bolsa Família corresponde a apenas 0,5% do produto interno bruto do Brasil (cerca de R$ 24 bilhões). Segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Néri, cada R$ 1 transferido para as famílias se transforma em R$ 1,78 na economia do país.

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Contra o preconceito

Hoje um dos maiores problemas do Bolsa Família é justamente o preconceito contra a pobreza. Muitos dos críticos do programa apontam aquilo que chamam de “efeito-preguiça”, que estimula o aumento do número de filhos e o gasto inadequado do benefício. Ainda assim, o programa completa 10 anos colecionando histórias de superação e sucesso.

Entre as condições para manter o Bolsa Família estão os cuidados com a saúde das crianças, principalmente com a vacinação em dia (Foto: Arquivo Secom)

Entre as condições para manter o Bolsa Família, estão os cuidados com a saúde das crianças, principalmente com a vacinação em dia (Foto: Arquivo Secom)

“O programa foi criado em caráter emergencial para combater a fome. Mas isso é algo em curto prazo. Além de ajudar, nós temos que ter a ideia de quebrar o círculo da pobreza”, explica Regiani de Oliveira, diretora de Proteção Social Básica da Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (Semcas). E para ajudar nessa missão, o Bolsa Família criou as condicionalidades.

{xtypo_quote_left}Um menino de sete anos cuja família entrou no Bolsa Família no primeiro ano está hoje terminando o ensino médio. Ele já tem mais oportunidades na vida que seus pais tiveram

Regiani de Oliveira{/xtypo_quote_left}

As principais condicionalidades relacionadas ao benefício são saúde e educação. As crianças devem estar vacinadas, as grávidas fazendo pré-natal e os recém-nascidos acompanhados. Todos os jovens devem estar matriculados na escola e apresentar frequência escolar. “Isso tem refletido diretamente nos indicadores. A cidade de Rio Branco teve uma melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Acre é o Estado que mais reduziu a mortalidade infantil e a mortalidade materno-infantil no país”, reforça Regiani.

Outro dado importante é que, só em Rio Branco, 19% dos chefes de família beneficiários do Bolsa Família são analfabetos e a grande maioria não terminou os estudos. “Mas um menino de sete anos cuja família entrou no Bolsa Família no primeiro ano está hoje terminando o ensino médio. Ele já tem mais oportunidades na vida que seus pais tiveram”, exemplifica a diretora.

Reforço da economia popular

Cerca de R$ 14 milhões circulam no Acre mensalmente devido ao Bolsa Família, reforçando a economia popular (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Cerca de R$ 14 milhões circulam no Acre mensalmente devido ao Bolsa Família, reforçando a economia popular (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Cerca de R$ 14 milhões circulam mensalmente em todo o Acre, graças ao Bolsa Família. Só em Rio Branco, são R$ 4 milhões – um dinheiro importante na economia até mesmo das regiões mais pobres do país, principalmente no Norte e Nordeste. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em 2008, revelou que alimentação, material escolar e vestuário são os itens em que as famílias mais gastam o benefício mensal. No geral, 87% das famílias apontaram a alimentação como principal gasto – na Região Nordeste esse percentual chegou a 91%, e no Sul, 73%. O material escolar aparece em segundo lugar, com 46%, e o vestuário, com 37%.

{xtypo_quote_right}O Bolsa Família foi muito importante na minha vida. Foi ‘mão na roda’. Em toda minha vida eu trabalhei para não faltar nada para meus filhos e eles irem para a escola, mas por um tempo eu não consegui sozinha

Marinês dos Anjos{/xtypo_quote_right}

Dados mais recentes divulgados pelo governo federal têm confirmado essa tendência. No Norte e Nordeste, por exemplo, o impacto do programa é 31,4% maior que no restante do país. E para aqueles que acham que o Bolsa Família incentiva mulheres a terem mais filhos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou análise feita com base nos censos populacionais de 2000 e 2010 que aponta que o grupo de mulheres mais pobres apresentou recuo de 30% no número médio de filhos, enquanto a média nacional foi de 20,17%.

Trabalham e empreendem

Segundo o Censo 2010 do IBGE, 75,4% dos beneficiários do Bolsa Família trabalham. E mais do que trabalhar, alguns empreendem. Gente como Marinês dos Anjos Xavier, 41, que começou a fazer uso do Bolsa Família em 2005, num momento extremamente difícil, e hoje comemora por ser uma entre os 350 mil microempreendedores individuais brasileiros oriundos do Bolsa Família que hoje incrementam a economia formal do país.

 Marinês exibe com orgulho os equipamentos que comprou pelo microcrédito (Foto: Diego Gurgel/Secom)

Marinês exibe com orgulho os equipamentos que comprou pelo microcrédito (Foto: Diego Gurgel/Secom)

“Eu e meus quatro filhos morávamos numa chácara na Vila Acre bem pequena. Na primeira vez que saiu o benefício para mim, vieram três meses de uma vez. Foi uma festa. Comprei fios elétricos para casa, roupa para as crianças, as fardas, fizemos uma farra naquela mês”, lembra Marinês, brincando. A partir de 2005, as coisas foram evoluindo. Eram R$ 95 mensais e Marinês não parava, trabalhando como lavadeira ou empregada doméstica, o que possibilitou à família mudar-se para um bairro mais próximo do Centro.

Ainda assim a situação continuava desfavorável para a família. Foi então que elas resolveram arriscar e procurar a Secretaria de Pequenos Negócios (SEPN), criada no governo Tião Viana especificamente para gerar oportunidades de renda para pessoas do Cadastro Único. “Eu achava que a gente ia dar com a cara na porta”, revela Marinês, que agora conta nunca ter sido tão surpreendida na vida. Com a conquista de um microcrédito de R$ 2 mil por meio da SEPN, ela e os três filhos com quem ainda mora passaram a investir no próprio negócio.

Com um freezer, estufa e fogão industrial, Marinês começou seu sonho de vender lanches e refeições. Trabalhando apenas sob encomenda e em feiras, inclusive a Expoacre, a família chegou a um patamar nunca imaginado. São R$ 9 mil mensais em contratos exclusivos com fornecimento de refeições conquistado através da SEPN. Compraram moto, carrinho para entrega, chapa. “Os vizinhos ficam loucos na comida. Meu sonho agora é abrir minha própria lanchonete, em frente de casa mesmo. Vai se chamar ‘Lanchonete Sabor dos Anjos’, porque é de toda a família e temos ‘Anjo’ no nome”, conta a nova microempresária.

E o Bolsa Família? Marinês ainda guarda o cartão como uma recordação. Ele foi cortado há cerca de um ano. Desde o lançamento do programa, em 2003, assim como Marinês, 1,7 milhão de brasileiros deixaram de receber o benefício por não precisar mais da ajuda do governo. “O Bolsa Família foi muito importante na minha vida. Foi mão na roda. Em toda minha vida eu trabalhei para não faltar nada para os meus filhos e eles irem para a escola, mas por um tempo eu não consegui sozinha, e o benefício me ajudou”, completa Marinês.

O cartão do Bolsa Família é apenas uma recordação para a família dos Anjos (Foto: Diego Gurgel/Secom)

O cartão do Bolsa Família é apenas uma recordação para a família dos Anjos (Foto: Diego Gurgel/Secom)

Educar é dar oportunidades

Mas como fazer para gerar emprego e renda para pessoas que não tiveram tantas oportunidades? Gerando mais oportunidades. Em parceria com o Ministério da Educação (MEC), o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) passou a oferecer vagas de qualificação profissional no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). São cursos de formação inicial e continuada voltados para a inserção no mercado de trabalho, com duração mínima de 160 horas. E não apenas para os usuários do Bolsa Família, mas todos do CadÚnico.

{xtypo_quote_right}Eu quero deixar de receber o Bolsa Família. Ainda tem muita gente que está precisando. Eu, melhorando de vida, já ajudo outra pessoa a passar pela mesma coisa

 Julia Melina{/xtypo_quote_right}

Em 2012, 3.800 acreanos começaram a fazer cursos pelo Pronatec somente em Rio Branco, por meio do incentivo do Brasil Sem Miséria. Em 2013 esse número saltou para 10.400, espalhados em instituições como o Ifac, Senac, Senai e Sest/Senat. Pessoas como Ilma Salvatier, 53, e Julia Melina, 29, mãe e filha, ambas beneficiadas pelo Bolsa Família, que passaram por cursos do Pronatec e encaram o futuro hoje com um sorriso no rosto, cada uma com seu sonho de um dia ter o próprio negócio.

Com sete filhos, a vida de Ilma mudou drasticamente após a morte do marido, um vigilante noturno assassinado em serviço. Sozinha, ela passou a criar as crianças e ter que trabalhar, e mesmo com todo o esforço a situação não foi nada fácil. Ao ingressar no Bolsa Família em 2004, Ilma diz que a ajuda foi fundamental: “Sem ele teria sido tudo mais difícil. O leite das crianças deixou de faltar. Eu dei graças a Deus. Sem o Bolsa Família eu não tinha nem um real para comprar o lápis”. Julia, a filha mais velha e única a ter saído de casa – atualmente casada e com três filhos -, completa: “Pode não parecer muito, mas ajuda bastante”.

Ilma e Julia, mãe e filha beneficiadas pelo Bolsa Família, cada uma com seu sonho de abrir o próprio negócio (Foto: Arison Jardim/Secom)

Ilma e Julia, mãe e filha beneficiadas pelo Bolsa Família, cada uma com seu sonho de abrir o próprio negócio (Foto: Arison Jardim/Secom)

Para fazer os cursos do Pronatec, Julia é enfática: “Eu e a mãe decidimos ir atrás sozinhas mesmo. A gente queria fazer algo”. O primeiro curso foi realizado em 2011. Júlia fez o de pintura e construção civil, e Ilma, o de doces e salgados, além de outro de corte e costura. “Foi bom demais. Em cada curso a gente aprende tanta coisa! No começo eu ficava meio perdida. Um monte de jovem lá e só eu mais velha”, ri Ilma, ao lembrar como foi voltar a uma sala de aula depois de décadas sem estudar.

Ilma sonha em comprar uma chapa e fazer salgados para vender. Julia, com o marido, tem dado o primeiro passo para uma firma de pintura. Ela mesma faz os serviços e exibe com orgulho o cartão de visita que produziu com a ajuda de amigos da igreja que frequenta. “É um sonho ter meu próprio negócio. Eu quero deixar de receber o Bolsa Família, ainda tem muita gente que está precisando. Eu, melhorando de vida, já ajudo outra pessoa a passar pela mesma coisa.

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