Atividades realizadas na prisão preparam reeducandas à reintegração social

Na sala de costura da Unidade Penitenciária de Regime Fechado Feminina de Rio Branco, Maria Celinha Cunha toca com os dedos rápidos e certeiros a agulha nas bordas do tecido que será uma farda policial. Tempo é tudo que ela tem, e graças a ele, aprendeu o ofício da costura, que pretende usar como fonte de renda, quando cumprir a pena.

Unidade Penitenciária dispõe de sala de costura para profissionalizar detentas. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Maria Celinha é uma das 176 internas portariadas no trabalho do presídio, que hoje conta com 187 detentas. Para desenvolver a atividade, passou por um curso de costura fora da unidade e hoje fala com muita alegria do trabalho que vem desenvolvendo há dois anos.

Maria Celinha se dedica à costura no presídio há dois anos. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

“Quando eu comecei na costura, não sabia fazer nada, mas as meninas que já estavam há mais tempo me ensinaram os primeiros passos, que é colocar a linha na máquina. Aí comecei a fechar os ombros das camisas, depois fiz uma blusa, logo em seguida toucas e máscaras, na pandemia, e hoje faço mais de 20 blusas, por dia. Sou muito grata a tudo que aprendi, pois a costura mudou minha vida e quero incentivar outras meninas aqui dentro também”,  diz.

Hoje, Maria costura 20 blusas por dia. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

A atividade desenvolvida pela detenta é uma das muitas ações ocupacionais que o Sistema Integrado de Segurança Pública oferece, por meio do Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Acre (Iapen), aos reeducandos, que podem se profissionalizar e até mesmo reduzir suas penas. Entre as atividades oferecidas, estão também jardinagem, horta, artesanato, criação de galinhas, limpeza e manutenção.

Reeducandas trabalham e têm a oportunidade de reduzir a pena. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Andressa Januário, assim como Maria, está há posto nas primeiras horas da manhã para iniciar as primeiras demandas do dia na jardinagem, setor em que ela mais gosta de trabalhar, não medindo esforços para colocar a mão na terra. E com jeito de quem sabe o que está fazendo, a mulher remexe o barro no vaso de plantas, com o intuito de misturar o adubo com a terra, para que a planta tenha uma vida mais longa.

Jardinagem e outras atividades se iniciam às 8h da manhã. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

“Gosto de estar em contato com as plantas, de remexer a terra, de fazer as mudas e principalmente de aguar todos os dias. Quando elas estão feias a gente faz as mudas, as que estão muito amareladas a gente descarta. Elas deixam o local mais bonito, estando por toda a parte do presídio”, diz Andressa.

Prática de jardinagem. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

As produções da horta e do galinheiro são consumidas  no próprio presídio. As verduras são retiradas para a alimentação das internas, assim como as galinhas, que chegam geralmente pintinhos, para que as reeducandas tenham o hábito de cuidar todos os dias, alimentando, dando água e fazendo a limpeza do local. O presídio tem uma política autossustentável,  em que as próprias internas produzem os produtos agrícolas.

Presídio tem política autossustentável, em que as próprias internas produzem os produtos agrícolas. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

As ações contínuas na unidade são uma política criada para dar melhores condições de vida no período de reclusão. Em 2019, a ala da costura recebeu, a partir do convênio do Programa de Capacitação Profissional (Procap), novas máquinas de costura, que permitem hoje maior produção de roupas para as reeducandas e para o fardamento policial.

Ala de costura recebeu máquinas novas em 2023. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

O secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, coronel José Américo Gaia, destaca que as ações de ressocialização são uma prioridade para a Segurança Pública do Estado. “Estar reclusa é uma condição, mas isso não impede que elas possam desenvolver atividades que as profissionalizem e que deem a elas uma oportunidade fora dos portões; e é isso que queremos, que elas tenham possibilidades diferentes daquelas com que elas entraram, para não reincidirem no sistema prisional”, afirma.

O presidente do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen-AC), Alexandre Nascimento, informa que o sistema prisional não deve exercer apenas função de aprisionar, mas deve ter meios para transformar a vida das pessoas: “É isso que deve acontecer. O reeducando tem que sair de lá melhor, em condições de voltar para a sociedade e recomeçar. Poder estudar, trabalhar, formar família, ter uma nova vida. E é nisso que a gente acredita e investe, dando ferramentas para que eles possam aprender um ofício e sair daqui dignamente”.

Presidente do Instituto de Administração Penitenciária do Acre, Alexandre Nascimento. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

O artesanato produzido pelas internas é feito nas próprias celas, diferentemente das outras atividades em que elas precisam se deslocar. O artesanato é feito com insumos que os próprios familiares fornecem. Com os materiais, elas dão início ao trabalho à mão, que não tem dia e nem hora para acabar, sendo geralmente tapetes, toalhas, produtos relacionados a cozinha e de uso pessoal nas celas. Esse trabalho, além de ser um passatempo, pode reduzir a pena, conforme a quantidade de artesanato produzido. Para a remissão, é feito um cálculo do mês da atividade com o número de produtos feitos, que será o total de dias diminuídos do período no presídio.

A diretora da Unidade Penitenciária de Regime Fechado Feminina de Rio Branco, Dalvani Azevedo, explica a importância do trabalho interno desenvolvido pelas reeducandas. “Há mais ou menos dois anos, só existiam 38 presas portariadas no trabalho, incluindo o trabalho interno e externo. Hoje temos 98% das presas trabalhando. Isso não acontece em outras unidades, o que é um diferencial, pois temos uma gestão voltada para a ressocialização, com possibilidade de fazer a remissão, porque a remissão é o que dá a oportunidade de se ressocializar com o aprendizado de um ofício novo”.

Dalvani Azevedo é diretora da Unidade Penitenciária de Regime Fechado Feminina de Rio Branco. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Educação além dos portões

Sonhar nunca foi um problema para Tatyane Rocha e nem os grandes portões vigiados foram capazes de barrar sua sede pelo conhecimento. O hábito de ler livros foi o que levou a reeducanda mais antiga portariada na faxina do presídio à aprovação no curso de Ciências Biológicas, do Instituto Federal do Acre (Ifac), por meio do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem).

Leitura sempre foi companheira de Tatyane Rocha. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Cinco anos trabalhando e convivendo com as policiais despertaram a vontade de seguir novos caminhos em Tatyane, que viu na educação essa oportunidade. Assim, terminou o ensino médio no presídio, encontrando um novo mundo na biblioteca da unidade, onde desde 2020 passa muito do seu tempo.

“Eu ingressei no projeto de leitura de 2019 para 2020 e desde aí a leitura se tornou muito importante para mim, porque estou privada de liberdade, mas com ela pude ter uma oportunidade aqui dentro que vai abrir portas para mim lá fora; agarrei essa oportunidade para ser uma pessoa melhor e deixar esse mundo para trás, pois essas grades não vão impedir meus sonhos”, afirma .

A reeducanda já leu mais de 30 livros  na unidade prisional, sendo Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a sua primeira e mais marcante leitura. A obra relata a história de uma família nordestina que tenta fugir da miséria e da seca, em busca de uma vida melhor, e isso é tudo que Tatyane sonha e busca com a educação oferecida  no presidio. “Quero terminar Ciências Biológicas e fazer Medicina, me especializar em Pediatria, que é uma área que sempre achei legal”, destaca a nova universitária.

Além de adquirirem conhecimento, as detentas também podem reduzir suas penas lendo livros dentro do  presídio, explica a servidora da Divisão de Educação Básica e Profissional, Margarete Sales. “Elas fazem a leitura mensal de uma obra, e essa leitura dá direito a quatro dias remidos, 48 dias no ano. Aqui na unidade feminina, todas que têm minimamente condição de ler participam, as que não dominam o código escrito, a gente inseriu na escola, na turma de alfabetização”, relata.

Servidora da Divisão de Educação Básica e Profissional, Margarete de Frota Sales. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

A leitura é gerida pela Secretaria de Estado de Educação do Acre (SEE), em parceria com o Instituto de Administração Penitenciária (Iapen). Os professores lotados nas unidades prisionais fazem todo o processo de distribuição de material, recolhimento e avaliação das produções de leitura para as reeducandas.

Leitura pode remir até 48 dias no ano. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

“A gente tem mais de 130 inscritas na Educação de Jovens e Adultos (EJA), que estão no processo de escolarização. No ano passado participaram 118 mulheres, dessas, 72 foram aprovadas. A gente acredita que esse processo de leitura ajudou muito, porque de fato a intenção não é a redução da pena, é a escolarização, porque, no projeto de leitura, as reeducandas, a cada um mês de leitura, têm que produzir um resumo daquilo que leram e apresentar ao professor, para que ele possa avaliar se de fato leram o livro, para podermos apresentar para o Judiciário para a remissão”, destaca Margarete.

Educação prisional é gerida pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte. Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

Margarete relata, que no ano passado, 29 detentas concluíram o ensino médio e 43 concluíram o ensino fundamental, por meio do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). A unidade feminina bateu recorde de aprovações, obtendo o primeiro lugar no Brasil de maior aprovação e inscritos, pois 56% das que realizaram a prova conseguiram aprovação no exame.

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