Após mais de dez anos habilitado, o mototaxista Francisco Conceição de Souza de 44 anos precisou renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Por exercer atualmente função remunerada como motorista, necessitou passar por um exame de sanidade física e mental, conhecido como exame psicotécnico, mas foi reprovado por não ser alfabetizado.
O teste avalia a percepção, atenção concentrada, destreza manual e outros aspectos psicológicos do candidato, e para fazê-lo é necessário saber ler e escrever.
Foi aí que Souza se viu quase sem saída. O mototaxista fez até a 4ª série da educação básica, porém, com o tempo acabou esquecendo o que aprendera na escola. Aos 12 anos de idade ele saiu de casa, pois precisou largar os estudos para garantir o próprio sustento.
“Quando eu tirei a habilitação não havia tantas exigências, e quando chegava o tempo de renovar eu não precisava passar por esse teste, já que ainda não exercia a função de mototaxista, mas dessa vez foi diferente”, conta.
Não fosse pelo trabalho de alfabetização que o Núcleo de Apoio Pedagógico Detran Amigo realiza, ele não conseguiria seguir habilitado a dirigir e, dessa forma, não poderia continuar exercendo sua profissão.
Núcleo de Apoio Pedagógico Detran Amigo
Desde 2011, a equipe de educação de trânsito do Detran, que conta com funcionários formados em pedagogia, recebe candidatos à primeira habilitação e renovação para realização de testes de leitura e escrita.
A demanda vem da corregedoria do departamento, que tem o papel de avaliar se um candidato que reprova repetidas vezes nos testes teóricos ou psicológicos está apto ou não a obter licença para dirigir.
O artigo 140 do Código de Trânsito Brasileiro diz que para obter habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico é necessário saber ler e escrever.
Com o passar do tempo, a equipe pedagógica identificou que de cada dez pessoas avaliadas quatro não conseguiam obter êxito, ficando impossibilitadas de continuar o processo de renovação ou primeira habilitação.
“São pessoas que apresentam um tempo fragmentado de escolaridade, com repetências acumuladas ou interrupções na vida escolar. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, seja pelas necessidades de sobrevivência da família, seja pela busca de autonomia ou ainda pela exclusão social”, enfatiza Geny Polanco, coordenadora de educação de trânsito do Detran.
Foi daí que nasceu o Núcleo de Apoio Pedagógico Detran Amigo, com a proposta de proporcionar oportunidade para que esses candidatos aprendam a ler e escrever com segurança, para depois voltarem a fazer o teste de aptidão de leitura e escrita.
“O Detran se sensibiliza com a situação dessas pessoas, por isso nos prontificamos a repassar o ensino, não só para elas concluírem o processo de renovação ou habilitação, mas para que se tornem capazes de se comunicar por meio da leitura e da escrita de forma plena”, observa o diretor do Detran, Pedro Longo.
O projeto de alfabetização foi efetivado no início deste ano. De de lá para cá, 15 pessoas aceitaram participar das aulas, três já conquistaram autonomia na leitura e escrita e deram sequência aos processos de habilitação ou renovação, e os outros 12 seguem recebendo ensinamentos da equipe pedagógica.
Um deles é Francisco Conceição de Souza, o mototaxista cuja parte da história já conhecemos. Após pouco mais de um mês participando do projeto, ele conta, com sorriso no rosto, que não imaginava que depois de tantos anos conseguiria aprender a ler e escrever.
“Essas professoras são maravilhosas. Fico me perguntando o que seria de mim sem elas. Agora consigo assinar e escrever várias palavras e, o mais legal, ler as placas, os anúncios. Estou muito agradecido”, observa Souza.