Criação de animais muda a agricultura familiar no Alto Acre

 “Não tinha nada além de pecuária, os bancos não acreditavam no produtor”, relata o produtor Eurides Rigamonte (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Não tinha nada além de pecuária. Os bancos não acreditavam no produtor”, relata Eurides Rigamonte (Foto: Arison Jardim/Secom)

A Amazônia viveu por anos, após a queda dos ciclos da borracha, um grande incentivo a uma única cultura rural: a pecuária extensiva, que, junto da abertura de rodovias, só em 1978 chegou a 14 milhões de hectares desmatados. O Acre e, nesse caso mais precisamente o Alto Acre, viveu de forma expressiva essa experiência – a luta entre trabalhadores rurais, vindos da cultura da borracha e do plantio, por suas terras, contra o avanço do desmatamento por causa da criação de gado.

Os bancos investem em culturas às quais o governo dá apoio. Sem isso não conseguiríamos produzir nada”

Eurides Rigamonte

“Não tinha nada além da pecuária. Os bancos não levavam a sério o produtor”, relata Eurides Rigamonte, paranaense e um dos tantos que vieram para o Acre, acreditando nos anúncios de “terras sem fim”. O produtor e a família chegaram a passar dias nas ruas de Brasileia, pois lutavam para plantar e não havia crédito. “Os bancos investem em culturas às quais o governo dá apoio. Sem isso não conseguiríamos produzir nada”, afirma.

Desde o ano de 2004, parte dos produtores da região começou a caminhar por uma nova perspectiva: o sistema público-privado-comunitário, envolvendo a empresa AcreAves, detentora da concessão do Complexo Agroindustrial de Aves de Brasileia; a Agroaves, cooperativa atualmente com 85 produtores; e a Seaprof, que atua com a assistência técnica e de fomento à produção.

Dez anos depois, a criação de aves para a indústria da AcreAves já rende excelentes conversas com os produtores, cada qual em sua casa, com ampla varanda e bem pertinho de sua renda, que cresce nos aviários. No Polo Agroflorestral Wilson Pinheiro, em Brasileia, o carpinteiro Joarez Coelho, que trabalhou na construção de todas as casas, e a mulher Maria Gomes chamam para o bate-papo enquanto limpam parte do novo aviário, adquirido com financiamento do programa Mais Alimentos, do governo federal.

Nós estamos bem, rapaz”

Joarez Coelho
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“O governo ofereceu vários cursos pra ver em qual a gente se adaptava. O último foi o do frigorífico. Depois ofereceu um galpão para três mil frangos”, afirma Joarez Coelho (Foto: Arison Jardim/Secom)

Joarez faz parte dos 85 cooperados na Agroaves que fazem a criação dos frangos para a empresa AcreAves. Como muitos dos produtores acreanos, nasceu no seringal, lutou pela sobrevivência na cidade e finalmente teve a vida transformada quando recebeu sua área. “Rapaz, eu nunca possuí as coisas como tenho tido aqui no polo”, afirma.

Logo que chegaram ao Wilson Pinheiro, começaram os investimentos para a cadeia produtiva da criação de animais. “O governo ofereceu vários cursos para ver em qual a gente se adaptava – o último foi o do frigorífico. Depois ofereceu um galpão para três mil frangos.” Atualmente, com o último investimento, cultiva a esperança de uma renda maior com os 20 mil frangos que cabem no novo galpão. “Nós estamos bem, rapaz”, exclama o avicultor.

Economia que dá voz à história

“O nosso Acre só foi bem visto por meio da luta de Wilson Pinheiro e Chico Mendes”, diz o agricultor, sindicalista e participante dos empates [embates entre trabalhadores rurais e latifundiários], Raimundo Duarte de Oliveira, conhecido como “Braga”. Hoje, proprietário de 80 hectares no Ramal 13, do Projeto de Assentamento Quixadá, em Brasileia, ele relata parte de sua história até chegar ali: “Até os 21 anos vivi com meu pai no seringal, na época de 74, quando chegaram os fazendeiros aqui no Acre. Aí a gente foi se debandando”.

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“Hoje eu não tenho mais vergonha de dizer ‘minha renda’. Consigo por mês uns cinco salários mínimos”, afirma Braga (Foto: Arison Jardim/Secom)

Após alguns anos no ambiente político da cidade, Braga voltou para sua terra, justo no ano em que a cadeia produtiva de aves começara a se estruturar. “Voltei com 50 e tantos anos, comecei de novo com a agricultura. Chegaram os aviários que o governo ofereceu para a gente, e isso incentivou”, diz o pai de oito filhos – três no ensino superior – e avicultor com um dos maiores fatores de produção (relação do ganho de peso, conversão alimentar e mortalidade das aves) do Brasil: 404.

Toda vez que vinham fazer um levantamento na zona rural, eu tinha até vergonha de dizer o quanto ganhava”

Braga

“Toda vez que vinham fazer um levantamento na zona rural, eu tinha até vergonha de dizer o quanto ganhava: ‘Até um salário mínimo, às vezes nem isso’”, diz Braga, relembrando os duros anos em que iniciou na região. “A gente não tinha acesso ‘nos’ bancos. Na época que eu era sindicalista, a gente brigava com os bancos. Dos anos 2000 para cá, os governos investiram mesmo em crédito para o produtor”, explica.

Depois seis lotes de frango criados em oito anos, no início de 2014, em sua área 70% preservada, com o novo aviário, financiado pelo programa Mais Alimento, Braga conseguiu a incrível marca de R$ 17 mil. “Hoje eu não tenho mais vergonha de dizer minha renda, consigo por mês uns cinco salários mínimos”, afirma, relaxado em sua cadeira de balanço, na varanda de casa, olhando para o aviário.

O início de uma nova cadeia

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Genário é um dos 20 primeiros produtores a receber os galpões com capacidade para até 300 animais (Foto: Arison Jardim/Secom)

Com a experiência dos últimos anos, a AcreAves começou o projeto da Dom Porquito, criação própria de porcos para sua indústria de embutidos, em Brasileia. Com apoio do governo do Estado, a empresa ampliou o projeto para que a criação dos animais fosse feita pelos produtores rurais da região, como já acontece com as aves.

Cada produtor rural, identificado pela Seaprof, recebe o financiamento para a construção de um galpão moderno, recebe os suínos reproduzidos na Dom Porquito, cria os animais por dois ou três meses e vende para a indústria. O projeto foi iniciado há pouco tempo e faltam algumas etapas para estar a todo vapor, fazendo exportações. Mas os primeiros produtores a entrarem na cadeia produtiva do suíno já sentem a diferença no bolso e no suor derramado.

“Vivi oito anos trabalhando na diária, fazendo serviços nas propriedades. No cabo do terçado [facão], no cabo da foice, o serviço é 35 reais. Num mês talvez consiga 700 reais”, relata o trabalhador rural Genário de Souza, que se mudou para o Seringal Povir, em Brasileia, com a mulher, Maria Julia Nogueira, quando a filha nasceu.

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“Tirava 200 reais por mês arrumando casa e no roçado. Agora já tirei dois mil reais. Estou muito contente”, relata Maria de Fátima (Foto: Arison Jardim/Secom)

Genário é um dos 20 primeiros produtores a receberem os galpões com capacidade para até 300 animais, também financiados pelos bancos da Amazônia ou do Brasil. Já vendeu o primeiro lote de porcos por R$ 1.400 em 40 dias. Vizinha de Genário, a ex-doméstica Maria de Fátima dos Santos, mãe de dois filhos, também relata o primeiro ganho.

“Tirava 200 reais por mês arrumando casa e no roçado. Agora já tirei dois mil reais. Estou muito contente. Nasci e me criei neste seringal. Em 34 anos de vida nunca tive a oportunidade que estou tendo hoje”, conclui a suinocultora, embaixo do depósito de ração dos animais.

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