Serviço de cardiopediatria implantado no Acre há cinco anos atinge novo patamar com a realização de cirurgias infantis
Em uma rápida visita aos leitos do Hospital da Criança e Maternidade Bárbara Heliodora, é possível acompanhar, pelo número de exemplos bem sucedidos, a evolução de uma área médica implantada recentemente no Estado e que avança em direção à excelência na tentativa de salvar vidas que mal começaram a se formar. Uma geração de crianças com possíveis cardiopatias congênitas também começa a ser investigada. Especialmente as que nasceram nos últimos dez anos, período em que não havia qualquer atividade na área de cardiopediatria no Acre.
Implantado oficialmente em 2006, o serviço recebeu nos dois últimos anos mais investimentos em equipamentos, capacitação de profissionais da área de saúde e contratação de dois médicos com formação específica para o atendimento às crianças. A cardiopediatria é uma das especialidades mais caras e que exige um amplo suporte de infraestrutura, o que reduz o número de leitos em todo o país. “O governo do Acre está fazendo um grande investimento em uma área difícil que não tem a devida atenção dos Estados”, avalia a cardiopediatra Melissa Chaves.
O reflexo do investimento pode ser visto no ambulatório do Hospital das Clínicas do Acre, onde estão disponíveis 60 vagas para consulta por semana. A média de atendimento é de 15 crianças por dia. No início, os médicos consultavam de 3 a 5 pacientes no máximo. E eles vêm de todo o Estado, de municípios do Amazonas e cidades da Bolívia. “Está aumentando a procura com a divulgação da oferta. E o SUS é uma mãe: recebe todo mundo”, diz o cardiopediatra Ricardo Ribera. Os encaminhamentos são feitos a partir das unidades básicas de saúde e o tempo de espera é curto. Foi assim para Maria de Fátima Pereira, de Boca do Acre (AM), que levou a filha para consulta após um desmaio. “Da consulta com o pediatra até hoje foi uns 15 dias”, conta.
Antes de 2006, as crianças não tinham referência médica na área de cardiologia, e as notificações ficavam espalhadas nos consultórios de adultos. A maioria das que precisavam de exames específicos ou cirurgia era encaminhada para Tratamento Fora de Domicílio. “Problemas cardíacos necessitam de intervenção urgente. Não dá para esperar”, diz a secretária de Saúde do Estado, Suely Melo, que não contabiliza apenas a economia que a resolubilidade dos casos no Acre representa ao orçamento da pasta, mas principalmente o ganho social e emocional que têm as famílias desses pacientes ao receberem tratamento gratuito e de qualidade sem precisar de encaminhamento para fora do Estado. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Um passo adiante – O passo seguinte começa a ser dado com o início das atividades do Centro de Hemodinâmica do Acre, onde procedimentos como a valvuloplastia, por exemplo, já são feitos em crianças. Lá estão sendo realizadas cirurgias de pequena e média complexidades em crianças e até em bebês recém-nascidos, que ganham sobrevida com cirurgias paliativas ou têm problemas corrigidos logo no primeiro mês, ampliando as chances de levarem uma vida sem restrições.
E lugar de bebês é na maternidade, onde recebem tratamento pós-operatório. Alguns deles foram submetidos à cirurgia no próprio berçário. Eles representam 50% da ocupação dos leitos da UTI da Maternidade Bárbara Heliodora e a tendência é de que esse índice aumente com a realização de cirurgias de maior complexidade que necessitam de Circulação Extra-Corpórea, previstas para serem feitas a partir de janeiro. A partir de um mês de vida, as crianças são encaminhadas para o Hospital da Criança, como a pequena Ana Larissa, que já possuía indicação de alta. Para a mãe, Maikeline Freitas, acompanhar a filha sem precisar viajar foi a melhor parte do tratamento.
Uma evolução para o setor que até há bem pouco tempo era responsável pela fila com maior número de acreanos à espera de vaga nos hospitais de referência de grandes cidades brasileiras. Era preciso percorrer pelo menos 2 mil quilômetros para ter acesso a um simples exame como o ecocardiograma. A inexistência de profissionais médicos e a falta de estrutura para atender a esses pequenos pacientes atrasava o diagnóstico complicando o Estado de saúde dessas crianças. Muitas delas não resistiram à espera, outras ao impacto da viagem. Não é o caso de Vitória, submetida a uma cirurgia cardíaca com apenas 10 dias de vida. Ela recebeu o diagnóstico após o nascimento e, acompanhada dos pais e da avó, cumpre o pós-operatório na UTI da maternidade pública de Rio Branco. “Foi um alívio saber que ela podia ser tratada aqui”, declara a mãe Gleidiane Cruz.
Diagnóstico precoce aumenta chances de cura
As cardiopatias congênitas mais frequentes, isoladas ou associadas a outras malformações, incidem em 10 casos para cada mil nascidos vivos. Doenças como lúpus, diabetes, hipertensão, toxoplasmose, rubéola, histórico familiar de cardiopatias e infecções podem levar ao desenvolvimento de cardiopatias congênitas sendo as mais comuns registradas no Acre a Comunicação Intraventricular (CIV) e a Persistência do Canal Arterial (PCA). No ambulatório do Hospital das Clínicas, 50% das crianças atendidas até agora possuem algum tipo de cardiopatia congênita.
Se identificadas cedo aumentam os índices de resolubilidade que decorre de tratamento medicamentoso com acompanhamento clínico, indicação cirúrgica e observação pós-cirúrgica, se for o caso. E os acreaninhos já têm acesso a exame ainda na barriga da mãe com o ecocardiograma fetal. Ainda pouco conhecido pode ser feito nas tardes de terça-feira na Maternidade Bárbara Heliodora a partir da 28ª semana de gestação, quando o coração do bebê está formado. Gerliane de Souza Lima nunca tinha ouvido falar do exame. No oitavo mês de gravidez e em observação por estar acima do peso com suspeita de diabetes, fez o eco fetal e ficou mais tranquila depois do resultado. “Está tudo bem com o bebê”, comemora.
A médica responsável pela realização do eco fetal, a cardiopediatra acreana Melissa Chaves, ressalta a importância dos profissionais de saúde informarem às pacientes sobre o exame. Atualmente ela realiza no máximo dois atendimentos por semana. “A indicação é de que toda gestante faça esse exame, mas os casos em que forem identificadas irregularidades no feto durante a ultrassonografia devem ser encaminhados para o eco fetal”, orienta Chaves, que já proferiu palestra aos colegas da área de ginecologia e obstetrícia para esclarecer sobre o papel deste exame na confirmação do diagnóstico ainda no útero quando medidas podem ser tomadas para salvar a vida do bebê. Interrupção da gravidez antes do tempo com análise de indicação cirúrgica ou mesmo tratamento medicamentoso para as mães no caso de arritmias cardíacas são algumas delas.
“É uma área desafiadora”, explica a médica, para justificar os motivos que a levaram a optar pela especialidade. Ela assume que a cardiologia é “o pavor dos pediatras” e que a escolha da área é focada no índice de crianças que é possível salvar com os serviços e tecnologia existentes. “Quando a gente começou aqui parecia que não existiam crianças cardiopatas. Agora elas estão aí diagnosticadas a partir dessa oferta que foi criada.”
Serviços disponíveis na cardiologia pediátrica
Atendimento ambulatorial no Hospital das Clínicas do Acre com 60 vagas semanais
Avaliação dos recém-nascidos na Maternidade Bárbara Heliodora
Avaliação das urgências cardiológicas nas UTIs neonatal e pediátrica e no Pronto Socorro
Ecocardiograma neonatal e pediátrico
Ecocardiograma fetal para o diagnóstico intrauterino das malformações cardíacas
Atendimento das crianças cardiopatas internadas na UTI da MBH e Hospital da Criança (que recebe crianças a partir de 29 dias a 12 anos)
Atendimento por meio do programa Saúde Itinerante no interior do Estado