Como que diz, minha filha?

Minha esposa nasceu e se criou no interior de Minas Gerais, mais precisamente no Triângulo Mineiro, e com muito orgulho tem em suas histórias de infância grandes lições que contribuíram para a mulher que se tornou.

Quando era bem pequena, ganhou uma blusinha linda, que embora encontrada no lixo pelo seu tio, que era coletor, estava em perfeito estado, dentro de uma caixinha. Ele logo se lembrou da sobrinha, criada como uma boneca, apesar da simplicidade dos pais, que viviam na zona rural. Então entregou o mimo e ainda contou para a família: Encontrei no lixo, acreditam?

A menina, já vestida com o presente e saltitando por Centralina, cidadezinha muito aconchegante e bucólica, e a mãe, segurando orgulhosa a mão da moleca tão feliz, de cara redonda e furinhos nas bochechas, encontraram uma amiga que há muito não viam.

A mulher comentou, em bom tom, com aquele sotaque característico do interior de Minas, enquanto levava as duas mãos espalmadas ao rosto, encantada: Meu Deusss, que coisa maisss linda! Que princesa!

A mãe, com o mesmo sotaque, obviamente, com as sobrancelhas apertadas de exortação, olhou para a menina e disse, com tom forte: Como que fala, minha filha?

A pequena, respondendo à atitude clássica de toda mãe e já sapeca da maneira que seria para todo o sempre, respondeu: Obrigada.

Antes de dizer tchau, a amiga disse, ainda mais empolgada, olhando a criança segurar a ponta do vestido, dançando pra lá e pra cá com o maior orgulho do look sensacional e aquele sorriso cheio de dentes (ela ainda possui até hoje): Mas que roupinhaaa maisss lindaaa!

A mãe repetiu a pergunta, mostrando que naquela família a educação vinha antes das condições humildes que sempre tiveram, mas com um tom um tiquinho mais alto: Como que fala, minha filha?

Aquela menina com cara de bolacha, sem titubear, com a inocência típica da idade e um sorriso ainda mais largo, entregou: Meu tio pegou no lixo!

A mãe deu um tapinha na bichinha, com um sorriso amarelo, dizendo pra amiga: Essas crianças têm cada uma, né?

Diego Lourenço Gurgel é publicitário, jornalista e repórter fotográfico; trabalhou a maior parte do tempo retratando o cotidiano do povo acreano, sobretudo os ribeirinhos, os indígenas e o modo de vida do amazônida, daqueles que vivem na cidade e dos que vivem em cada pedacinho da Floresta Amazônica. Gosta de comer bodó quando chove

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