Comissão quer incluir na pensão especial ex-hansenianos isolados nos seringais

Histórias sensibilizaram integrantes da comissão ligada à  Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

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A comissão que julga os processos dos ex-hansenianos beneficiados com a pensão vitalícia garantida pela Lei 11.520/2007 visitou nesta semana os dois hospitais-colônia do Acre – Souza Araújo em Rio Branco e Ernani Agrícola, em Cruzeiro do Sul (Foto:Flaviano Schneider)

A comissão que julga os processos dos ex-hansenianos beneficiados com a pensão vitalícia garantida pela Lei 11.520/2007 visitou nesta semana os dois hospitais-colônia do Acre – Souza Araújo em Rio Branco e Ernani Agrícola, em Cruzeiro do Sul – para ouvir as histórias e argumentações de ex-hansenianos que tiveram seus processos indeferidos.

Composta por cinco integrantes – Michele Ledur (coordenadora), Ester Pret, Cristina Gonçalves, Heloísa Oliveira e Patricia Monteiro – a Comissão Interministerial de Avaliação de Pensão Especial para pessoas atingidas pela Hanseníase (Lei nº 11.520/2007) é subordinada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Em Cruzeiro do Sul, elas passaram todo o dia de sábado nas oitivas dos postulantes à indenização e no domingo reuniram-se com mais de uma centena de ex-hansenianos, que os receberam com muito carinho, deixando todos sensibilizados com o calor humano dessas pessoas sofridas.

Segundo a coordenadora Michele, a comissão já concluiu a maior parte dos processos em todo o Brasil e nessa finalização ficou constatado que o Acre, em especial o Vale do Juruá, teve muitos processos pendentes devido a uma particularidade local: em vez de as pessoas serem recolhidas aos hospitais, elas ficavam isoladas nos seringais, em tapiris construídos nas proximidades das moradias de suas famílias.

“A comissão veio conhecer as histórias das pessoas aqui do Acre. Nosso interesse é resgatar essas histórias e, por meio delas, tentar conceder a pensão. Muitos deles ficavam nos seringais e quando pioravam vinham para o Hospital-Colônia, mas infelizmente não há registro disso. Pegamos depoimentos importantes com os quais a comissão pretende fazer um documento para servir de base para a gente tentar aprovar todos os requerimentos do Acre. Eu não posso garantir que 100% deles vão receber, mas o nosso interesse é conceder para todo mundo, para todos que tem direito”. disse.

É o caso de José Francisco de Souza Lima. Ele mora no Seringal Lucanha, pouco abaixo de Porto Walter. Quando foi detectado que era portador da doença, o médico queria interná-lo no hospital-colônia, mas, devido aos pedidos da mãe, que ficou muito triste em se separar do filho, conseguiu levá-lo para casa, onde passou a morar sozinho em pequena casa isolada, sem contato com as pessoas.

O ex-hanseniano, José Ezaudo de Souza, hoje com 82 anos, passou nada menos que 22 anos isolado. Ele mora no Seringal Aracaju, situado às margens do Juruá, e foi trazido com duas irmãs para o hospital. As duas ficaram internadas, enquanto ele recebeu os remédios e foi mandado ao internamento domiciliar. ficou durante 22 anos tomando o remédio o que o enfraqueceu muito.

Internação domiciliar

O presidente Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas atingidas pela Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, também esteve presente à reunião. Ele conta que em Cruzeiro do Sul o número de pessoas que ficaram segregadas nos seringais foi muito grande e elas não estão conseguindo aprovação para a indenização. “Era preciso que a comissão viesse aqui e compreendesse a história”, disse.

Para ele, o isolamento domiciliar no momento em que o hospital estava lotado era como se fosse um braço da segregação, e se a comissão conseguir trabalhar essa interpretação junto com o setor jurídico da Secretaria de Direitos Humanos vai ficar muito mais fácil indenizar as pessoas que também foram segregadas, também sofreram e, talvez, tivessem até mesmo menos assistência do Estado do que as que estavam no hospital. A documentação é  frágil, praticamente não existe. Em algumas fichas remanescentes de atendimento no hospital, está escrito ‘indicado para internação domiciliar’. Essa ‘internação domiciliar’ é que a comissão quer considerar, e isso abrange praticamente quase todos os que ficaram nos seringais. “Se a comissão conseguir essa interpretação, será  muito bom para a própria comissão, porque eles não podem aprovar uma coisa que não esteja previsto na lei ou que não tenha uma interpretação jurídica sólida.”

Ainda segundo Artur, há  muitos documentos que podem comprovar a internação compulsória – por exemplo, a certidão de casamento dentro da igreja do hospital-colônia. Em São Paulo, uma carta de amor que uma pessoa escrevera para outra serviu como prova. Muitas pessoas podem ter em casa alguns documentos que comprovem a segregação, e é importante que elas os procurem. Ele conta que a comissão ficou sabendo que, até meados da década de 1980, a prisão interna funcionou no hospital Ernani Agrícola. “O diretor mandava prender, tinha poder de polícia, e isso é uma prova de que o Estado não conseguiu acompanhar a determinação das portarias de 1976. Isso serve também como deliberação positiva dos casos aqui do Acre”, afirmou.

A expectativa do Morhan é de que até o fim do ano haja uma aceleração com relação às indenizações de Cruzeiro do Sul, principalmente a expectativa de um diálogo com a própria Casa Civil para que se possa ampliar a interpretação com a questão do isolamento domiciliar.

Processos pendentes

O coordenador estadual do Morhan, Elson Dias, entende que os depoimentos colhidos pela comissão vão ajudar muito nos processos ainda pendentes. O autor do projeto original de indenização aos ex-hansenianos foi do então senador Tião Viana, em 2006. Quando o projeto ainda tramitava no Congresso, o presidente Lula, sensibilizado, decidiu apressá-lo, editando uma medida provisória, posteriormente transformada na Lei 11.520, de 18 de setembro de 2007, que garantiu o direito à pensão aos ex-hansenianos.

Elson Dias conta que a lei beneficia no Brasil cerca de oito mil pessoas. No Acre, são aproximadamente 400, dos quais 150 em Cruzeiro do Sul, que recebem a indenização de R$ 950 mensais. Dos 650 processos enviados, muitos esbarraram na falta de documentação.

Segundo o coordenador estadual, recentemente ele teve uma conversa com o governador Tião Viana no Hospital Souza Araújo, em Rio Branco, e também está favorável a que todos recebam, inclusive os que estiveram recolhidos em domicílio. "Em outubro vamos ter um encontro com o governador para que estudemos o caso de formar uma comissão para agilizar os processos.”

O presidente da Câmara de Vereadores de Cruzeiro do Sul, Celso Lima Verde, entregou à comissão uma carta de apoio aos ex-hansenianos assinada por todos os vereadores. O gestor da Defensoria Pública Marcos Cândido participou da reunião. Ele explica que, não havendo solução administrativa, então cabe recurso na Justiça. Por isso a Defensoria Pública já entrou com 50 processos junto à Justiça Federal e outros 30 na Justiça Comum. Ele lamenta a morosidade de alguns processos. “Se os processos demorarem muito, os requerentes podem falecer antes e daí não adianta nada porque a família não tem o direito de receber.”

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