O Parque Estadual do Chandless já cumpriu com a sua fase estruturante, envolvendo a construção de uma sede para abrigar pesquisadores e visitantes. Atualmente está na etapa de implementação de seus objetivos, envolvendo a pesquisa científica primeiramente. A Universidade Federal do Acre (UFAC), está realizando atividades como a ecologia de campo, apesar das dificuldades logísticas existentes, como a extrema distância e todo o suporte material necessário.
Uma das pesquisas que merecem destaque está sendo realizada pelo biólogo Luis Henrique Menezes Borges. Ela trata dos grandes mamíferos, em especial, as onças, que estão no topo da cadeia alimentar e são importantíssimas para o equilíbrio da floresta. “Se você caça e elimina um indivíduo destes, todo o sistema fica desequilibrado, porque com o tempo vai haver uma superpopulação das espécies que eram antes predadas, tornando-se elas mesmas um problema para outras espécies animais e vegetais, e até para as populações humanas que vivem aqui e dependem dos recursos naturais”, avalia o biólogo.
O registro elaborado por Luis se dá através de armadilhas fotográficas ao longo de várias trilhas no meio da mata, cada qual com 5 km, facultando-nos uma ideia da quantidade e variedade de animais existentes. Estas trilhas também são usadas por outros pesquisadores, como Thaline Brito e Sérgio Oliveira, especializados em insetos.
A função destes jovens pesquisadores é mais importante e abrangente do que costumamos supor. Existem no Chandless espécies desconhecidas pela ciência, além de outras consideradas bioindicadoras. O pesquisador Sérgio Oliveira, de apenas 25 anos, estuda insetos que nos parecem triviais, como borboletas e libélulas. Ocorre que as libélulas são predadores exigentes, e só caçam em águas muito limpas, isentas de qualquer contaminação. Sua presença no Parque indica que as águas estão saudáveis e, sendo a qualidade da água fundamental para a saúde da floresta como um todo, isso a torna uma bioindicadora, ou espécie que aponta condições favoráveis à vida.
“Pela análise feita com esta e outra espécies bioindicadoras, conseguimos perceber que a área está preservada e o Parque está em um bom estado, cumprindo com os objetivos para os quais foi criado”, avalia.
As possibilidades existentes no Chandless vão além da pesquisa científica. Há a necessidade de integração da população que habita o Parque antes mesmo dele se transformar em uma Unidade de Conservação. A oportunidade de transformar os moradores em guardas-parque, em guias turísticos ou mesmo facultar educação adequada através da estruturação da escola existente na sede, são projetos passíveis de realização, faltando apenas o apoio necessário para que se concretizem.
Um exemplo concreto de possibilidade de integração de fatores já existentes está na própria merenda escolar, onde as prefeituras das cidades circundantes poderiam absorver o que é produzido no local. Jesus avalia a situação de forma simples e direta. “Seria mais fácil encontrar uma forma de comprar dos produtores daqui. Aqui se produz macaxeira, feijão, milho, amendoim, melancia e outros alimentos, em pequena escala, sendo que o excedente não é comercializado, por conta da distância que há da cidade.”
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A luta pela manutenção das florestas acreanas: uma história que ainda não terminou
O Acre possui 87% de sua cobertura florestal intacta, com aproximadamente 50% de seu território legalmente protegido da devastação. Esta proteção e amparo legal são, na verdade, recentes. Há apenas algumas décadas, o estado sofria nas mãos de interesses pouco comprometidos com o meio ambiente ou com as populações que tradicionalmente ocupavam estes territórios ainda preservados.
Após um período de lutas sociais que culminaram na morte do líder seringueiro Chico Mendes, o governo teve o cuidade de realizar a partir da década de 90, o Zoneamento Ecológico Econômico do Acre, identificando e estruturando, através de consulta e participação da sociedade, as zonas já desmatadas, transformando-as em áreas destinadas à agricultura e pecuária. As demais terras foram legalmente designadas para a conservação e proteção, seja de forma integral, ou visando o uso sustentável, contando ainda com um mosaico de porções territoriais demarcadas em benefício dos povos indígenas.
Dentre as terras designadas para a conservação e proteção integral está O Parque Estadual Chandless, criado pelo Decreto nº 10.670 de 2/9/2004, sob o governo de Jorge Viana e tendo como secretário de Meio Ambiente Carlos Edegard de Deus.{/xtypo_rounded2}
A missão do exército brasileiro
Outro fator importante para a região é a assistência médica realizada de forma periódica, uma vez que o Chandless não possui hospitais ou mesmo postos de saúde. Neste sentido, o exército Brasileiro foi convidado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre para prestar apoio médico à população do Parque. Prontamente atendeu ao pedido e, apesar dos perigos da expedição, a equipe composta pelo aspirante a oficial médico Lucas, sargento Brasil e soldado Israel, veio totalmente desarmada e sem patentes nas fardas. “Sendo esta a primeira vez que estamos no Parque para prestar assistência a uma população isolada, viemos desarmados, sem designação de patente na farda, porque nosso único objetivo é prestar assistência médica adequada a estas pessoas”, destacou o sargento.
De fato, a maioria dos brasileiros que vivem no Chandless são descendentes de peruanos, tataranetos dos empregados de grandes proprietários que ali prosperavam antes das terras serem demarcadas a favor do Brasil pela expedição de Euclides da Cunha.
Embora as armas estivessem ausentes, os três militares estavam abarrotados com munição diferenciada: ampolas e comprimidos para atender uma média de 150 pessoas, se necessário.
Existe um detalhe que surpreende: segundo Lucas, as populações das florestas, salvo situações extremas, são mais saudáveis do que as que labutam nas cidades. A última vez que ele prestou assistência médica nas comunidades ribeirinhas do Rio Tarauacá, por exemplo, atendeu mais de 400 indivíduos. Destes, apenas quatro apresentaram necessidade de uma intervenção médica mais pontual: “A maioria das pessoas estavam saudáveis, e as poucas ocorrências que precisei atender estavam voltadas para verminoses simples e doenças de pele tratáveis com remédios comuns”, conclui.
Índios Isolados no Parque
Segundo Jesus, os índios isolados, não contatados pelo homem civilizado, perambulam pelos limites da unidade, na fronteira com o Peru. “Os moradores daqui sabem e respeitam este fato, ninguém vai por lá. E isso torna o Parque ainda mais importante: quantos parques do mundo você pode dizer que possuem populações isoladas transitando?. Este Parque não é apenas para animais e plantas, mas para as pessoas que também dependem diretamente dele”, conclui.