Brava Gente – Uma pessoa bonita


“A gente não pode trabalhar só pelo dinheiro. Eu trabalho com amor”, diz Mara Couto (Foto: Onides Queiroz)

“A gente não pode trabalhar só pelo dinheiro. Eu trabalho com amor”, diz Mara Couto (Foto: Onides Queiroz)

 

A acreana Mara Couto já era adulta e o Sítio do Picapau Amarelo persistia como o lugar dos seus sonhos. Com bosques, riacho, crianças, duas doces avós, lar acolhedor, férias, passarinhos, peixes que passeiam fora d’água, animais falantes, objetos e brinquedos humanizados, aventuras envolventes, seres míticos, mistério e brincadeiras. Quem nunca desejou, ao menos uma vez na vida, conhecer um mundo assim mágico e feliz?

Alimentada por esse imaginário, foi natural que a moça estudasse Pedagogia. Sentia que as crianças detinham o poder de olhar o mundo com as lentes do encantamento e queria estar perto delas, para relembrar o que tinha deixado pra trás: a sua própria alegria.

Em sua carreira de educadora, já esteve em sala de aula, mas há muito trabalha com formação de professores de educação infantil, na rede pública. Quase em vias de se aposentar, ainda se mostra envolvida com o modo de ser dos pequenos. “Eles me ensinam todos os dias, me revigoram, me instigam. O que mais me admira é a honestidade, a entrega, a leveza, o carinho que flui naturalmente nas crianças. Não fazem ‘o jogo’. Protestam quando não querem algo. Precisamos aprender com elas”, recomenda.

Mara tem em tão alta conta a expressão infantil que até hoje tem espalhados pela casa os objetos confeccionados por seus filhos na escola. Tiago, o mais velho, já se casou, e Carolina estuda veterinária, mas o porta-chaves e o desenho enquadrado na moldura seguem pendurados na parede, assinados por letrinhas vacilantes.

Mais: na sala, uma boneca negra repousa sobre uma das poltronas: “Não é linda, amiga?”, pergunta, sorrindo, com sua voz suave e tranquila. No quarto, outra, de pano, enfeita sua cama. Essa lembra a Emília de Monteiro Lobato. Não por acaso.

Por tanta reverência que presta à infância, a educadora chama a atenção para uma tendência negativa que vem aumentando nos últimos anos: “As crianças estão ficando cheias de problemas e dores emocionais. Muitas estão violentas, ou tristes, e frequentemente se sentem abandonadas. Os adolescentes gritam muito. Então, a educação não pode mais abordar apenas conteúdos programáticos, a escola precisa compreender que pode desenvolver outros potenciais, olhar mais humanamente para o outro e trabalhar a pessoa em sua totalidade. Não perceber isso é muito grave. A sociedade em geral está precisando de momentos de mais serenidade, reflexão, amor, troca”, observa.

E foi em busca dessas preciosidades em sua vida particular que Mara conheceu, em 2005, a ioga (pronuncia-se “iôga”). A filosofia iogue, surgida há mais de cinco mil anos na Índia, busca o alinhamento do corpo, da mente e do espírito por meio de exercícios físicos, respiratórios e mentais. Em tempo: ioga quer dizer “união” em sânscrito.

A afinidade foi imediata: “eu me encontrei como pessoa”, comemora – o mais curioso é que Mara, com seus olhos grandes e expressivos, sobrancelhas grossas e pele acastanhada, tem mesmo feições indianas. Com pouco tempo de prática já demonstrava interesse em se aprimorar, como professora. Logo fez sua primeira formação no Instituto Ananda Marga, em São Paulo. Desde então, vem se especializando e montou um espaço em sua casa para dar aulas: “Com piso de madeira, que ‘abraça’ o corpo”, salienta. E quase todas as noites reúne grupos de alunos.

Recentemente, foi convidada pela SEPMulheres (Secretaria Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres) a levar uma sessão para as haitianas abrigadas no Parque de Exposições, em Rio Branco. A experiência, embora breve, teve boa receptividade. “A ioga também tem o cunho de aliviar o sofrimento humano”, explica Mara, que deseja atuar em projetos de voluntariado.

Uma vez iniciado o processo de harmonização consigo própria e com as outras pessoas, a ligação com a natureza tem sido consequência. Mara sente que, após um longo período de afastamento de suas raízes, tem se reconectado com a majestosidade da floresta e com sua gente. “Cada vez valorizo mais a cultura do seringal, dos índios, do rezador, dos chás, a sabedoria dos povos antigos”, declara.

No ano passado, adquiriu uma área de três hectares, com mata e nascente, na estrada de Porto Acre. É o “Sítio Ananda” (significa “bem-aventurança”), a ser inaugurado ainda este ano. Pretende transformar o local num centro de autoconhecimento, com meditação, ioga, dança, educação e práticas autossustentáveis, a exemplo do Instituto Visão Futuro, em Porangaba (SP), renomado mundialmente. Será um espaço destinado a ajudar as pessoas a se compreenderem e tornarem a Terra um lugar melhor para todos. “É o meu Sítio do Picapau Amarelo”, festeja.

Ao descobrir que o mundo mágico vive dentro de si, Mara diz que se sente “voltando pra casa”. E está dando conta de um recado de gente grande: fazer seu sonho virar realidade.

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