A menina chorava muito. Doíam-lhe a falta de carinho, a ausência de família. Sentia-se sozinha no mundo. Acabara de perder a mãe, num acidente automobilístico. Moravam até então no município acreano de Plácido de Castro, numa colônia, onde viviam da agricultura. Três anos antes, o pai havia sido assassinado “por questão de terra”, em Rondônia. E, depois de tudo, foi apartada do único irmão, pois foram adotados por famílias diferentes, que moravam em cidades distintas. Para piorar, era maltratada no novo lar.
Ou seja: aos dez anos de idade, Ivani Nunes Morais da Silva enfrentou um pesadelo capaz de fazer tremer pernas de gente grande.
Como tentativa de fuga do mal-estar, casou-se aos 16 anos e logo teve um filho. Três anos depois, o segundo. O casamento não durou muito.
Empregou-se como doméstica em casas de família, até que foi contratada por uma empresa prestadora de serviços e começou a trabalhar na Secom (Secretaria de Comunicação do Estado do Acre). À mesma época, casava-se pela segunda vez. Ali, atuou oito anos como servente. Retomou os estudos e, há seis meses, foi convidada para compor a equipe de recepcionistas da secretaria.
Lucenildo Lima, responsável pelo setor administrativo da Secom, justifica os motivos de tê-la promovido: “Certa vez, precisei conversar com o pessoal da limpeza sobre alguns aspectos que estavam gerando insatisfação. Todo mundo ficou quieto, Ivani foi a única que contra-argumentou, com muita pertinência. Esse fato chamou minha atenção. Vi nela senso crítico, capacidade de liderança, potencial. É antenada, sabe falar, sabe se portar e olha nos olhos quando conversa. Muita gente que chega aqui faz elogios à sua presteza e simpatia. Só lhe faltava uma oportunidade, nós lhe demos e ela só tem correspondido às nossas expectativas”.
Na recepção, Ivani tem sempre um sorriso, uma palavra amável para receber os visitantes, a boa vontade de atender e ajudar quem quer que chegue. A criança que sentiu na pele a dor dos maus-tratos aprendeu uma preciosa lição: “Todas as pessoas merecem ser bem-tratadas. E, além disso, a gente nunca sabe o dia de amanhã.”
A moça conta que tem muita fé e é por esse meio que obtém o que precisa. “Eu não tinha onde morar, não tinha nada. Consegui, junto com o meu marido, comprar um terreno, construir. Eu chamo minha casa de ‘mansão’, porque sei o quanto lutei para consegui-la. Estamos criando nossos filhos juntos, dois meus, dois dele, com harmonia entre todos. Eu precisava de uma condução, porque moro longe. Passava na loja de motos e ficava só olhando. Dizia, com lágrimas nos olhos, ‘é esta que eu quero, Senhor’, e consegui comprar exatamente aquela. Quando encosto a cabeça no travesseiro e faço uma retrospectiva, vejo que o que Deus fez em minha vida foi tremendo”.
E Ivani continua batalhando, junto com a família. Para reforçar o orçamento doméstico, todo sábado, às três da manhã, todos já estão de prontidão no salão de festas da AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) para tratar da faxina, após os eventos realizados no local.
Mas os sonhos estão cada vez mais elevados. Agora ela planeja entrar numa faculdade e até já escolheu o curso: Direito. É fácil entender sua opção: “Meus direitos já foram muito desrespeitados, sofri muito com isso. Quero ajudar aquelas pessoas humildes, que não sabem se defender”.
A curitibana Ivani encarnou uma verdadeira história de Cinderela, mas o socorro não veio de fora, senão de seu próprio espírito corajoso, em que confiou, lançou-se, enfrentou os desafios e, com isso, atraiu boas oportunidades para transformar o próprio destino.
Provou de todos os ingredientes necessários para tornar alguém amargo ou depressivo pelo resto da vida. Seu mundo emocional sofreu traumas tão abaladores na infância que poderiam até mesmo tê-la condenado a viver num ambiente psiquiátrico.
Mas, felizmente, não foi o que aconteceu. O sofrimento forjou uma guerreira, uma heroína que escolheu viver. E viver bem. Suas fadas-madrinhas: doçura, fé e trabalho. Ciente de sua capacidade, a bela mulher declara: “Eu já venci. Daqui pra frente é só correr para o abraço”.