Brava Gente – Professor Dim: uma alma de poeta no seringal

“Com a educação, a gente se torna mais flexível e muda os nossos hábitos para melhor”, diz o Professor Dim (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Com a educação, a gente se torna mais flexível e muda os nossos hábitos para melhor”, diz o Professor Dim (Foto: Arison Jardim/Secom)

Raimundo Nonato da Silva Souza é o nome civil do homem, pelo qual pouca gente o conhece.

No Seringal Macapá, onde vive, e entre os amigos e colegas de Rio Branco, no entanto, é o “Professor Dim” ou “Poeta”.

Que faz por merecer seus codinomes. Empenhado na emancipação de sua comunidade, ajudou a fundar a única instituição de ensino do Macapá. É a Escola Água Viva, que, em grande parte graças ao seu esforço, hoje oferece ensino fundamental e médio para 50 crianças e adolescentes da região. Ainda, para alcançar um público mais isolado geograficamente, Dim fundou três extensões, em seringais mais distantes, que atendem juntas 40 crianças.

{xtypo_quote_right}A educação é útil para todos os seres humanos. Com ela, a gente se torna mais flexível e muda os nossos hábitos para melhor.

Professor Dim{/xtypo_quote_right}

Diante da realidade da vida na floresta, onde sempre viveu, o feito não é pequeno. Para se chegar a uma dessas filiais da escola, como a do Seringal São Francisco do Iracema, são três horas de moto, pelo varadouro, e ainda mais seis caminhando. Tarefa à qual Dim, como coordenador, não se furta, sempre que necessário. “Gosto de viver aqui. Só é difícil no inverno [amazônico], quando alaga tudo. E não é fácil arranjar professores que queiram trabalhar nesses lugares”, desabafa o marido de Maria Nícia. Determinado, segue no sacerdócio de oferecer a possibilidade do ensino formal para sua clientela, da qual fazem parte os oito filhos e, em breve, a neta, que ainda é um bebê.

“A educação é útil para todos os seres humanos. Com ela, a gente se torna mais flexível e muda os nossos hábitos para melhor. Ter acesso à educação significa que você tem uma variedade de conhecimentos que podem melhorar sua vida”, reflete o professor.

Cerca de 90 crianças estudam na Escola Água Viva, no Seringal Macapá, e em suas três extensões (Foto: Arison Jardim/Secom)

Cerca de 90 crianças estudam na Escola Água Viva, no Seringal Macapá, e em suas três extensões (Foto: Arison Jardim/Secom)

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Dim iniciou seus estudos regulares aos 17 anos, embora já tivesse sido alfabetizado. Quando a comunidade do Amapá se reuniu para fundar uma escola, ele foi o escolhido para ser professor porque era o único que tinha o primário. No início dava aulas na sala da casa de um vizinho, depois num barraco, até que em 2005 o Estado construiu a sede da Escola Água Viva.

Chamado em sua responsabilidade social, decidiu completar o ensino fundamental, o que conseguiu realizar em três anos. Enfrentou muitos obstáculos para dar conta da tarefa: pegava uma estrada difícil todos os dias, pagando caro, muitas vezes empurrando carro para sair do atoleiro e chegar até a instituição, ou caminhando os 43 quilômetros de sua casa até o Colégio Agrícola, na Estrada Transacreana.

Em 2002, concluiu o ensino médio, habilitando-se para o magistério, e, em 2011, participou do Programa Especial de Formação de Professores para Educação Básica da Zona Rural (Profir), que é um curso superior resultante da parceria da Secretaria de Estado de Educação com a Universidade do Acre (Ufac). Apaixonado pelo conhecimento, Dim não parou de estudar até agora: no início de 2013 concluiu sua pós-graduação em Literatura e, até o final do ano, terá terminado sua segunda faculdade, a de Pedagogia.

 O sino de boi marca os horários de entrada e saída na escola (Foto: Arison Jardim/Secom)

O sino de boi marca os horários de entrada e saída na escola (Foto: Arison Jardim/Secom)

Em classe, o educador também sabe fazer a diferença. Criativo, percebeu que, se o ato de escutar a Rádio Difusora Acreana faz parte da vida nos seringais, relacionar essa cultura com as atividades em sala de aula é uma ação oportuna. E propôs que os alunos, nas aulas de redação, escrevessem cartas, recados e mensagens para serem lidos no ar. A ação é um sucesso. Em pouco tempo toda a comunidade passou a se movimentar, junto com as crianças, enviando missivas para parentes e amigos. “Eles ficam orgulhosos de ouvir seus nomes na transmissão da Difusora”, conta.

Dim relata que trabalha diversos gêneros literários, porque “cada aluno se identifica com um”. Mas, pessoalmente, tem um preferido, paixão que vem desde a infância. Em sua família nordestina, era comum que todos se reunissem para ouvir as narrações de um parente que lia e escrevia cordel. “O tio era mouco e gago, mas a gente ouvia com paciência, porque queria saber como acabava a história”, lembra, rindo. Hoje, aos 49 anos, ele próprio é autor de vários relatos dentro do estilo, sobretudo de fatos ocorridos na floresta (veja no box abaixo). Daí o apelido honroso de “Poeta”, merecimento do menino que gostava de criar e recitar publicamente poemas nas datas comemorativas da escola.

O mais admirável nessa iniciativa é a sofisticação da proposta pedagógica de Dim, que promove trocas entre o saber tradicional, transmitido oralmente de pai para filho, e o saber formal, produzido dentro do mundo acadêmico. “Sempre achei que tinha vocação para ser professor”, relata. E quem, em sã consciência, haveria de duvidar?

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Conto de Caboclo – adaptação do Professor Dim

Arte: Adaildo Neto

Meu sinhô me arrepare

Que eu ando ‘mei’ desgostoso

Não é por minha pobreza

Que eu nunca fui invejoso

É pelo que eu tenho sofrido

Pro via d’eu ser medroso

Um dia me arresolvi

Sair lá donde eu vivia

Pra dá uma reviravolta

Pro donde eu não conhecia

Pensei logo cá comigo:

Eu sou um rapaz solteiro

Tá certo: sou ‘mei’ feioso

Não sei ler, nem tenho dinheiro

 Leia o conto completo 

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