{xtypo_quote}E as pastorinhas, pra consolo da lua, vão cantando na rua lindos versos de amor.
Trecho da letra da marcha ‘As pastorinhas’, de Noel Rosa e Braguinha{/xtypo_quote}
“Sempre cantei em sala de aula. Já nasci com o micróbio da arte dentro”, diz Guajarina Lima Margarido, 77 anos, fazedora cultural do Acre.
Formanda da primeira turma do curso de Letras da Universidade Federal do Acre (Ufac), concluído em 1971, durante mais de quatro décadas foi professora de artes e inglês de muita gente em Rio Branco. Só no Colégio Imaculada Conceição, lecionou durante 30 anos. E trabalhou também no São José e no CERBR. Era aquela educadora que sempre se envolvia nas comemorações populares e eventos, como as festas juninas.
Em 2006, durante uma reunião da Associação de Mulheres do Segundo Distrito, as associadas resolveram, com a orientação da professora Ercília Gadelha, resgatar a tradição cultural nordestina das Pastorinhas, que era encenada no Acre nas décadas de 40 e 50, mas que, a partir dos anos 60, foi caindo no esquecimento. Dona Guajarina foi quem tomou a frente do projeto.
Recorreram à Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (FGB), cujo presidente era Marcos Vinícius das Neves, e obtiveram o tecido para o figurino das participantes. Costureiras da vizinhança se dispuseram a fazer as roupas e até uma coreógrafa voluntária surgiu, a artista Dani Mirini.
Em 2007 e 2008, o grupo das Pastorinhas foi contemplado pelos projetos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado e do Município, por meio da Fundação Elias Mansour (FEM) e FGB.
As Pastorinhas também têm premiações em seu currículo. Em 2008, receberam o Prêmio Culturas Populares Mestre Humberto de Maracanã, do Ministério da Cultura (Minc). Em 2010, o Prêmio Matias de Culturas Populares (FEM).
Hoje o grupo é formado por meninas de 7 a 15 anos de idade, moradoras do Segundo Distrito e advindas de famílias de baixa renda. Além do espetáculo das Pastorinhas, que é exibido ao longo do ano, a equipe apresenta, desde 2008, o Auto de Natal, que agora em dezembro será encenado no dia 24, em frente ao Palácio do Governo (em horário a ser definido), com apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SEPMulheres), da FEM, da FGB e do Programa Acre Solidário, coordenado pela primeira-dama do Estado, Marlúcia Neves.
Dona Guajarina relata que a convivência nos grupos sociais em que atua acaba fazendo de todos integrantes de uma família. Assim, pelo vínculo afetivo e pela responsabilidade social, tem atenção especial com a educação das crianças. Além de custear todo o material escolar das participantes, a organizadora exige delas um bom aproveitamento escolar. “Não quero pastorinha burra não!”, enfatiza. Além disso, as meninas não podem faltar três ensaios seguidos e devem ter boa convivência.
Casada há 53 anos com Seu Alberto, tem quatro filhos: Sílvio, Sílvia, José Alberto e Aldemira. E conta com a admiração da família: “Como filha, tenho acompanhado a sua trajetória ao longo de toda a minha vida. Minha mãe é uma guerreira, uma mulher forte, ativa, criativa, que gosta de ajudar. Está sempre disposta a trabalhar em causas sociais e não gosta de aparecer. Ela é muito humana e muito amada também”, diz a caçula, Mira.
Para o historiador Marcos Vinícius das Neves, “Dona Guajarina é a cara da cultura popular de Rio Branco, tanto nas produções formais, já que ela foi professora de artes, quanto nas manifestações comunitárias dos bairros Seis de Agosto e Quinze. Mesmo aposentada, continua expressando essa cultura. E faz a conexão entre a infância de ontem – quando era comum esse tipo de brincadeira –, e as crianças de hoje, que têm outros entretenimentos mas que participam dos seus grupos. Chama atenção a sua constância nesse trabalho e a sua busca pela inocência. Dona Guajarina é a própria vitalidade da cidade.”
Além da atividade com as meninas, continua contribuindo com a Associação de Mulheres, cujo maior objetivo é oferecer capacitações para que as associadas possam ser geradoras de renda e se emancipar economicamente.
Em 2012, Guajarina recebeu a comenda Volta da Empreza, a mais alta honraria concedida pela Prefeitura de Rio Branco a personalidades da sociedade acreana.
É comovente a consciência e a compaixão com que essa mulher reveste seu trabalho, o que fica claro nesta declaração: “A arte popular vale muito. As pessoas pobres sofrem demais e precisam de alegria. Na cultura popular, o pobre pode participar: tanto fazendo, se expressando, quanto assistindo e se divertindo”, diz.
O exemplo de Dona Guajarina dá um banho de cidadania.
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A tradição folclórica das Pastorinhas
“As Pastorinhas” ou “Pastoril” é um auto natalino tradicional do Nordeste, com origem na Península Ibérica. Trata-se de uma peça teatral cantada, que descreve a viagem das pastoras até a manjedoura, em Belém, para louvar Jesus Menino. As pastoras formam duas correntes, o Cordão Azul e o Cordão Vermelho. O azul simboliza a pureza do Menino Jesus, o desapego, a transcendência e a imortalidade. O vermelho representa a vida, o sol, o fogo do espírito e o amor.
Ainda compõem o elenco o Velho Simão, Diana (cuja roupa tem a junção das duas cores) e o pastorzinho Benjamim. Juntos, cantam e realizam uma coreografia. A peça é finalizada com o nascimento de Jesus.{/xtypo_rounded2}