Brasil pede perdão a Chico Mendes

Ministro da Justiça homologa julgamento da Comissão Nacional de Anistia e diz que líder seringueiro "foi um sujeito civilizatório"

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Para Tarso Genro, Chico Mendes esteve à frente de seu tempo (Foto: Sérgio Vale/Secom)

"O Brasil pede desculpas a Chico Mendes". Com esta declaração o ministro da Justiça, Tarso Genro, homologou nesta quarta-feira, 10, no Teatro Plácido de Castro, o resultado do julgamento do pedido de anistiado político do líder seringueiro Chico Mendes feito pela Comissão Nacional de Anistia. Com a decisão, a família do anistiado passa a receber R$ 3.000,00 mensais em pensão indenizatória além de R$ 337.800,00 relativos à cálculos retroativos sobre o período de 10 de dezembro de 1988 a 4 de abril de 2000.

Chico Mendes está reconhecido pós-morte como cidadão perseguido pela ditadura militar pelo voto dos oito conselheiros presentes à 200ª sessão da Comissão de Anistia realizada em Rio Branco marcando a 17ª Caravana da Anistia, que percorre os Estados analisando processos de moradores locais.  Para Tarso Genro, Chico Mendes esteve à frente de seu tempo e "foi um sujeito civilizatório". "Este é um ano importante porque o Estado Brasileiro encerra o ano pedindo perdão a Chico Mendes", disse.

A relatora do caso (processo 2005.01/50424), Sueli Bellato, esteve várias vezes no Acre e teve contato mais próximo de Chico Mendes durante o terceiro congresso nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) quando o líder ambientalista demonstrou capacidade de articulação e conseguiu  aprovar a tese das reservas extrativistas como bandeira de luta dos trabalhadores brasileiros.

Durante os anos em que passou recolhendo documentos e informações visando confirmar a condição de perseguido político, a Comissão de Anistia encontrou 71 páginas de monitoramento da vida de Chico Mendes no Arquivo Nacional, que mantém documentos do regime militar.  Para concluir seu voto, Sueli baseou-se em vários registros literários mas principalmente no conteúdo do livro "Fronteiras de Sangue – a Saga de Chico Mendes", de Javier Moro.  Estiveram presentes e votaram na sessão desta quarta-feira os conselheiros Paulo Abraão (presidente), Sueli Bellato, Agmar de Oliveira, Jovelino José, Roberta Baggio,  Prudente Melo e Narciso Fernandes. A comissão é composta por vinte membros, todos voluntários, que oferecem dois dias por semana ao trabalho de avaliação dos pedidos de anistia política no País.

Chico Mendes, o presidente Lula, Jacó Bittar e José Francisco (membro da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, Contag) foram enquadrados nos incisos 2 e 4 do artigo 36 da Lei de Segurança Nacional porque participaram de um ato realizado em Brasiléia em 1980  em protesto ao assassinato do sindicalista Wilson Pinheiro. Para o aparelho repressor, eles estariam com atitudes subversivas.

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Governador se emociona ao falar de Chico Mendes, seu amigo e companheiro de luta (Foto: Sérgio Vale/Secom)

A viúva de Chico Mendes, Ilzamar, afirmou que o período em que Chico Mendes esteve enquadrado na LSN foi um dos mais terríveis de sua vida. Ela estava grávida de Elenira e os dias que antecediam as viagens a Manaus, onde Chico respondia ao processo, eram de absoluta angústia e sofrimento. "Esse tempo foi de muito sofrimento. Meu marido não tinha dinheiro para se manter em Manaus nem para pagar advogado", lembrou  Ilzamar. "O Chico morreu em defesa da floresta e não tinha uma causa individual mas coletiva".

Chico Mendes era obrigado a se deslocar a Manaus  para responder a acusação perante a , permanecendo tempos longe da família e afastado da luta dos trabalhadores do Acre. Em meio a isso, perdeu todos os direitos civis, vendo-se privado de direitos elementares, como o da inviolabilidade da correspondência e podendo ser detido a qualquer tempo.  O pedido de anistia foi protocolado em 2005 por Ilzamar Mendes com apoio do deputado Nilson Mourão e do ex-governador Jorge Viana.  A Lei de Anistia envolve as perseguições políticas de 1946 a 1988.

 

Governo do Acre dispõe contato para pedidos de anistia

O julgamento de Rio Branco  avalia sete  processos de acreanos perseguidos pela repressão militar, marcando também  a programação em memória aos 20 anos da morte de Chico Mendes e os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.  Um dos processos julgados é o do jornalista Edilson Martins, que escreveu a última entrevista de Chico Mendes a um veículo de comunicação. O texto ocupou página completa no Jornal do Brasil mas só foi publicada dois dias depois do assassinato do sindicalista. "Ter o meu processo julgado aqui no Acre junto com o do Chico é um coincidência muito feliz", disse Martins.

O Governo do Acre, através da Sejudh, apóia o trabalho da Anistia e do Ministério da Justiça. "Pedimos aos acreanos que se sentiram prejudicados em seus direitos durante a ditadura militar a comparecerem na Secretaria para fazer o pedido de anistia", informou Henrique Corinto, secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre. Melhores informações podem ser obtidas pelo telefone 3223-2702.

"Chico estará sempre no nosso coração", afirma Binho Marques

O julgamento do processo de Chico Mendes foi uma cerimônia marcada pela emoção. Amigos, companheiros, familiares e ativistas deste tempo e da época de Chico Mendes estiveram presentes ao Teatrão e aplaudiram de pé quando o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, anunciou o resultado: pelo voto unânime dos conselheiros presentes o líder ambientalista é agora reconhecido como anistiado político pela perseguição sofrida durante  um período de exceção estabelecido no Brasil durante décadas.

O governador Binho Marques mais uma vez se emocionou ao falar do amigo e companheiro de lutas, o seringueiro simples que tinha muitos sonhos, todos envolvendo a coletividade. "Hoje é um dia para que a gente ame ainda mais este País. O Brasil ganha muito com este ato", disse Marques. "Chico Mendes estará sempre no nosso coração".

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