Borracha processada no Acre é utilizada em sapatos da marca francesa Veja

Contrato entre seringueiros de Assis Brasil e empresários europeus é renovado, e Governo do Estado garante apoio na produção

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Empresários foram conhecer in loco o seringal onde os extrativistas fazem a coleta do látex

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Contrato entre empresa européia e produtores foi renovado

Nada de terno e gravata ou escritórios com ar-condicionado. Para renovar o contrato com extrativistas da Amazônia um grupo de 14 franceses atravessou o Atlântico e se embrenhou na floresta. A borracha extraída na Reserva Extrativista Chico Mendes, em Assis Brasil, é utilizada pela empresa francesa Veja na confecção de calçados orgânicos. Os executivos da empresa fizeram questão de vir negociar diretamente com os fornecedores e trouxeram parte de sua equipe de funcionários para que conhecessem de perto todas as etapas do produto que vendem.  

Para ver as dificuldades e o processo de extração da borracha que alimenta a fábrica francesa com matéria-prima, os funcionários encarregados de designer, venda, divulgação e outras etapas do processo produtivo do calçado enfrentaram a realidade dos ramais e das chuvas na floresta amazônica.

Este é o segundo contrato assinado entre a Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista de Assis Brasil (Amopreab), que representa os seringueiros. O primeiro contrato foi firmado no ano passado e foram comercializados 10 mil quilos de látex, através da Folha Defumada Líquida (FDL), ao preço de R$ 5 o quilo. Em 2009 o contrato foi de apenas cinco mil quilos e a Veja propôs um sistema de bonificação e preço diferenciado por produção. Quem produzir mais, ganha mais.

Segundo a presidente da Amopreab, Néia Araújo, foi uma iniciativa da organização reduzir a quantidade de borracha a ser entregue no contrato pois os seringueiros tiveram dificuldades em cumprir o contrato anterior. "Como era um projeto que estava em seu primeiro ano nem todos os seringueiros se engajaram e os que assumiram o compromisso tiveram dificuldades e produzir os dez mil quilos do primeiro contrato. Este ano mais 28 famílias vão processar a FDL, o que deve aumentar a produção, e o contrato é apenas a formalidade necessária, mas a Veja tem alto interesse em comprar toda a produção que tivermos", explicou.

No sistema de bonificação e produção diferenciada proposto pela Veja numa iniciativa elaborada junto com a Amopreab e TreeTap – empresa que intermedia a venda – o quilo da FDL pode sair até por R$ 7,20. A idéia é incentivar os seringueiros a produzir. A média de produção por seringueiro é de 300 quilos/ano, com base na produção do ano passado.

Os seringueiros tiveram contato com o processo de coagulação da borracha chamado de FDL através de pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB), que entraram em contato com a Amopreab, prefeitura de Assis Brasil e Governo do Estado, demonstrando interesse em desenvolver o projeto no Acre. Os seringueiros compraram a idéia e receberam todo o material necessário para trabalhar com o processo. Em parceria com o Governo, através da Secretaria de Extrativismo e Produção Familiar, os interessados participaram de um curso para aprender as novas técnicas de processamento do látex e hoje vendem toda sua produção para a França. O Governo do Acre, além de apoiar a produção, garante o incentivo com o subsídio pago pelo quilo da borracha.

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A Folha Defumada Líquida é utilizada pela empresa para produção de sapatos de borracha

Bônus por produtividade do contrato

* os seringueiros que produzirem até 100 quilos de FDL não recebem bônus e ganham R$ 4,50 + R$ 0,70 de subsídio do Governo = R$ 5,20

* os seringueiros que produzirem até 250 quilos recebem R$ 1,00 de bônus + subsídio. O preço final será de R$ 6,20

* os seringueiros que produzirem mais de 250 quilos vão receber R$ 2 de bônus mais o subsídio, recebendo o total de R$ 7,20 por quilo de FDL.

Segundo Bia Saldanha, da TreeTap – empresa que intermedia a venda – a Veja acredita que todos os seringueiros vão receber o preço final de R$ 7,20 por quilo, pois todos serão incentivados a alcançar a média de 250 de produção.

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Seringueiro Raimundo Nonato ganhou um bônus por ter tido a maior produção

Os seringueiros que tiverem o galpão mais organizado, a borracha de melhor qualidade e a maior produção também serão recompensados. Raimundo Nonato Lopes, o Tamba, produziu 440 de FDL em 2008, atingindo a maior produção da reserva. Ele foi premiado pela Veja com R$ 440.

"Vou continuar me esforçando, só não sei se vou ser o primeiro novamente pois agora todos vão querer produzir mais. Agora que o Luz para Todos vai chegar na minha casa vou trabalhar pra comprar uma geladeira, uma TV com parabólica. Com o dinheiro desse ano também vou comprar uma penteadeira", disse o seringueiro.

De acordo com François Dorivion, um dos sócios da Veja, os 440 quilos de FDL produzidos por Tamba renderam 5 mil pares de solas de tênis. Para cada mil pares de sapato são necessárias 100 pessoas na esteira de produção, além dos beneficiados indiretamente.

Sapato com conceito sócio-ambiental e preço justo

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Sapato produzido por empresa internacional alia sustentabilidade e preservação

A Veja tem apenas cinco anos de trajetória e atua no mercado europeu ao lado de marcas como Adidas e Nike. Fraçois explica que ao contrário da concorrência, não procura investir tantos recursos em publicidade e prefere aplicar o dinheiro no desenvolvimento de comunidades como a dos seringueiros de Assis Brasil ou os produtores de algodão orgânico do Nordeste. "Este diferencial dos nossos produtos atua como nosso marketing. Nós acreditamos no desenvolvimento sócio-ambiental e procuramos pagar por isso. Nós poderíamos comprar borracha de outros fornecedores ou mesmo a borracha derivada do petróleo. Mas não queremos este caminho", explicou.

A Veja nasceu do sonho de dois empresários em trabalhar com um produto que respeitasse o homem e a natureza. O preço dos sapatos variam de E 65 a E 160 e são mais competitivos que os preços dos concorrentes.

Vantagens da borracha

A borracha carrega consigo algumas vantagens, conforme explica o Secretário de Extrativismo e Produção Familiar, Nilton Cosson. A primeira é que nunca sofrerá com falta de mercado, pois é empregada em inúmeros processos industriais. Outra grande vantagem é que ela não causa nenhum dano ambiental à floresta. Ao contrário. As seringueiras ajudam a reduzir o efeito estufa através da absorção de gás carbônico e a espécie pode contribuir em até três vezes mais para a redução dos efeitos do aquecimento global do que o eucalipto, espécie florestal mais cotada para geração de créditos de carbono. Além de transformar gás carbônico em borracha, ela fixa carbono em sua estrutura.

"Em 20 anos a borracha será o produto mais importante da Amazônia. Isso vai trazer de volta para a floresta os seringueiros que deixaram de acreditar no potencial do látex e tornar o desmatamento inviável. É esse o objetivo do Governo do Estado ao investir no fortalecimento da cadeia produtiva da borracha", comentou Cosson.

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Látex retirado das seringueiras é fonte de renda para milhares de extrativistas no Acre e traz vários benefícios para a floresta

De látex à FDL

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FDL agrega vaor à borracha e sai da floresta pronta para ser processada nas indústrias

O látex extraído das seringueiras pode ser transformado em CVP (Cernambi Virgem Prensado), nas folhas defumadas líquidas (FDL) ou utilizado na fábrica de camisinhas. A FDL agregou valor à borracha por não conter impurezas e sair da floresta pronta para ser processada nas indústrias.

No processo de fabricação da FDL o látex é colhido de forma tradicional. Cada litro de leite é coagulado com dois litros de água e uma medida de ácido Pirolenhoso (APL), proveniente da queima da madeira. Na produção de carvão, o APL é encontrado fartamente e costuma ser descartado pelas indústrias na forma líquida. O látex coagulado descansa em bandejas de plástico por 24 horas, quando atinge o ponto ideal para ser passado pela calandra, um instrumento que ajuda a deixar as folhas de látex na espessura desejada. Depois desta etapa, o passo seguinte é a secagem das folhas.

Os estudos da UnB demonstraram que a borracha resultante do uso dessa técnica é mais flexível e mais resistente que a sintética ou a obtida com a defumação tradicional.

O técnico Marcos Góes, da Seaprof é responsável por prestar assistência aos seringueiros, acompanhando o processamento do látex, verificando a qualidade da borracha e dando o suporte necessário. A secretaria também é responsável por articular a melhoria dos ramais.

Governo investe R$ 1,2 milhão na cadeia produtiva da borracha 

A borracha foi definida como uma das prioridades da cadeia produtiva do Alto Acre, na regional de Assis Brasil, ao lado da castanha e a da fruticultura. Em todo o Estado serão investidos R$ 1,2 milhões no fortalecimento da FDL com recursos do Programa de Apoio às Populações Tradicionais e Pequenos Produtores, o Pró-Florestania.

O objetivo do programa é apoiar populações tradicionais e agricultores familiares visando melhoria na qualidade de vida com o uso sustentável dos recursos naturais. E o Governo do Estado vai garantir ainda mais investimentos. Os seringueiros da Reserva Chico Mendes, em Assis Brasil, serão contemplados com mais 28 unidades produtivas, que além do galpão incluem também todo o material necessário, das tigelas às calandras, para que a borracha seja processada em forma de folha defumada líquida.

Na área temática de Fomento da Cadeia Produtiva foram apresentados e aprovados 11 projetos relacionados à borracha dentro do Pró-Florestania. O objetivo é a produção e comercialização de borracha na forma de folha defumada liquida nos municípios de Feijó, Marechal Thaumaturgo, Rio Branco, Manoel Urbano, Assis Brasil e Tarauacá. Serão beneficiadas 194 famílias e os recursos serão gastos com material de uso para recolhimento e armazenamento do látex, capacitações para produção de FDL e gestão de negócios.