Bateu o sino, seu Alberto foi rezar

— Mãe, quem toca o sino?

Ela não titubeou e respondeu:

— É o “seu” Alberto.
Ela também não o conhecia, “mas sabia quem era”. Todos da cidade sabiam.

Desde que me entendo por gente, morando às margens do Rio Juruá, em Cruzeiro do Sul, ouvia em horários pontuais as badaladas do sino da catedral Nossa Senhora da Glória. Ainda imersa naquela inocência, não sabia de onde vinha o retinto som. Quando atingi certa maturidade, a ponto de explanar a minha curiosidade, então perguntei à minha mãe.

Alberto Brito, o “Seu” Alberto, não era familiar para mim, mas era como se fosse um integrante da família, porque todos os dias, às 15h, ele anunciava o momento de reflexão, de reza. Então, púnhamos a ouvir pelo rádio, na emissora Verdes Florestas, o Terço da Divina Misericórdia.

Ele fez parte da vida e oração de tanta gente que se punha de joelhos no chão a orar a Deus e à Nossa Senhora da Glória. De quantos milagres ele não deve ter participado, mesmo que sem saber?!

Quando fui à catedral pela primeira vez, por volta dos 12 anos, a primeira atitude ao chegar foi ficar de olho no homem que tocava o sino, porque eu sabia que ele estava lá, e que em algum momento eu o veria.

Em cada início, meio e fim das missas ele se aproximava de onde fica o suporte e corda que dá para o sino, localizado no alto da antiga estrutura sagrada. Baixo, de blusa clara de um tom meio verde, cabelos brancos, e um andar de calma transparente.

O som do sino tocado por ele abraçava toda a cidade, cujas notas se ouviam nos locais mais interioranos de Cruzeiro do Sul.

Descia a ladeira do Morro da Glória com a paz que só ele sabia ter, cumprimentando todos com quem cruzava no caminho para igreja, esbanjando seu largo sorriso que preenchia os corações de esperança.

Ele era um homem que transmitia santidade, espiritualidade, um contato especial com o Divino.

Zelara por anos a catedral e a cultura religiosa da cidade. Tenho certeza que a padroeira guarda-o sob seu manto azul, com o mesmo carinho o qual ele cuidou de seus filhos e da casa santa.

Não há, em terras cruzeirenses e de entorno, quem não conheça, ao menos de ouvir falar, o “seu” Alberto, que é canônico e patrimônio da história de Cruzeiro do Sul.

“Seu” Alberto também fazia entoar o sino para anunciar o ritual de alguém que falecera.

É, seu Alberto, Alberan Moraes cantou: “quem morreu? Bateu o sino, seu Alberto foi rezar”. Não há como não escrever sobre ti, em vida, ou homenagem póstuma agora, pois é parte de todos nós.

Vais rezar pertinho de sua padroeira, agora, zelando por aqueles que continuam nesta missão terrena. Muitos foram as badaladas que entoou, repletas de significados. Vai, vai, que daqui por ti iremos rezar.

 

Taís Nascimento é “cria” das ladeiras de Cruzeiro do Sul. É formada em Letras Português, pela Universidade Federal do Acre; é assessora de comunicação e social media; e pós-graduanda em Comunicação Estratégica e Marketing Político.

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