As cinzas do último cigarro

Camões escreveu que “o amor é fogo que arde sem se ver”. Se o amor é algo que queima sob a manipulação de seu usuário, a paixão é então o incêndio mais tátil e altamente inflamável que existe. Esse tipo de sentimento é como comprar a primeira carteira de cigarro, causa uma sensação de estreia e é o suficiente para todas as outras caixas, todos os outros maços.

A primeira taquicardia que uma paixão causa é inesquecível, remexe o peito dentre as costelas e altera tudo. O querer torna-se autônomo a ponto de apenas tragar momentos, utopias, gestos e palavras. Na vida de um fumante cada cigarro é um passo mais próximo da morte, de um apaixonado pode-se dizer que o risco é quase o mesmo. E quando se nega a força de algo, a julgar pelo seu tamanho, se esquece de que quando o cigarro chega ao fim está queimando próximo a sua boca. À medida que o fumo muda sua forma, diminui, e logo é necessário substituir por outro, pois aquele se tornou cinzas. Todo fumante sabe o quão vulnerável está a tudo. Entretanto, quando o cigarro está entre os lábios isso pouco lhe importa. A quantidade de nicotina existente em apenas um cilíndrico rolinho branco alterna entre 0,65 e 1 grama de tabaco em um cigarro apagado, e inclui algo entre 7,5 e 13,4 miligramas de nicotina. Essa substância tem um efeito satisfatório de imediato, até que um dia seu uso em excesso cause um problema respiratório.

A lista de doenças causadas pelo tabagismo é imensa, por isso, é muito ambíguo relembrar essa informação a um fumante. A própria caixa diz, mas quem é que liga para avisos ou propagandas de prevenção hoje em dia? Quem quer se prevenir de algo que faz bem enquanto faz sentido? O que importa é inspirar a essência queimada e fazê-la descer pela cavidade nasal para alimentar o próprio vício. É certo que fumantes e pessoas apaixonadas negam que a paixão e o cigarro sejam vícios, mas tudo aquilo que continuamente causa abstinência já nos domina. É difícil proceder contra algo que aparentemente não está lhe fazendo mal algum, até que realmente faça.

Uma carteira de cigarro, seja cara ou barata, vai matar o seu comprador algum dia e isso é tão letal quanto apaixonar-se. Quando as consequências do vício batem à porta, não há como responder a algo que foi tragado com tanta vontade. A paixão nos torna viciados.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) deveria advertir que algumas paixões são como tentar acender um cigarro no meio de um tornado. O fogo dentro do isqueiro não é páreo para o vento do tornado violentamente mais forte.

É uma tentativa falha tentar deixar vivo algo que será apagado, consumir algo palpável que se transforma em fumaça, fantasiar um pseudoamor que sucumbe às cinzas.

Hellen Lirtêz, jornalista na SOS Amazônia, escritora, Autora do livro Poesia Oceana.

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