No Brasil, existem quatro grandes marcos regulatórios para florestas: o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000), a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei Federal nº 11.284/2006), a Lei da Mata Atlântica (Lei Federal nº 11.428/2006) e o Código Florestal Brasileiro (Lei Federal 12.651/2012).
O Código Florestal foi aprovado em 2012, após um longo e conturbado processo de revisão da antiga lei, que vigorava desde 1965. O seu objetivo é regular a proteção, a conservação, a possível remoção e o uso de florestas em áreas particulares, sendo temas que assumem grande relevância diante das mudanças climáticas.
Isso por si só já dá a dimensão da importância e o desafio que é a implementação dessa lei, pois, na prática, deve conciliar a proteção da vegetação nativa com a expansão da agropecuária, que é um dos principais pilares da economia brasileira, e regular o uso do solo nos mais de cinco milhões de imóveis rurais existentes no país.
O antigo Código Florestal foi pouco cobrado pelo Estado brasileiro e, portanto, sistematicamente desrespeitado. Isso pode ser atribuído à existência de normas agrárias conflitantes e à baixa capacidade operacional dos órgãos de meio ambiente, como também à ausência de instrumentos e tecnologias que garantissem sua efetiva implementação.
A nova lei florestal inovou com a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e de instrumentos econômicos para o alcance dos seus objetivos.
Estas propostas são interessantes, porém ousadas em relação a capacidade atual dos órgãos de meio ambiente. O CAR foi o instrumento oficial estabelecido pela lei para planejamento e gestão ambiental dos imóveis rurais. Considerando o seu caráter obrigatório, torna-se a principal ferramenta para a implementação da lei.
O PRA funciona como uma espécie de regra de transição, tendo o objetivo de promover a adequação ambiental dos imóveis rurais, referente às áreas de reserva legal, preservação permanente e uso restrito. Para isso, estabelece como metodologias elegíveis a recomposição, regeneração e compensação de passivos ambientais. Além disso, institui uma série de flexibilizações para facilitar a regularização de imóveis com até quatro módulos fiscais, entre outros benefícios.
Já os instrumentos econômicos trazem como princípio a criação de incentivos para recuperação da vegetação nativa e desenvolvimento de atividades sustentáveis. Entre esses incentivos, de forma bastante inovadora, a lei especifica o pagamento ou incentivo aos serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, as atividades de conservação e de melhoria dos ecossistemas.
O governo do Acre sempre tratou o novo Código Florestal como uma grande oportunidade para complementar suas políticas de meio ambiente. O CAR, por exemplo, se apresenta como uma ferramenta capaz de consolidar o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), bem como ampliar a escala e aprimorar as políticas florestais e de serviços ambientais, por meio do Sistema Estadual de Serviços Ambientais (SISA).
A implementação do novo Código Florestal, desde o início, foi definida como prioridade política pelo governo estadual. Assim que as inscrições no CAR foram liberadas, em 2014, o Acre, contando com apoio financeiro do Fundo Amazônia, já estava pronto e com estratégias definidas para garantir o acesso dos proprietários ou possuidores de imóveis rurais a sua inscrição.
Especial atenção foi dada aos imóveis com até quatro módulos fiscais, em que uma ampla rede de atendimento, baseada em postos fixos e mutirões itinerantes, foi colocada a serviço dos produtores rurais.
Todo esse trabalho produziu grandes resultados. Conforme dados atualizados do Serviço Florestal Brasileiro, o Acre já possui 47.963 imóveis rurais inscritos no CAR, que representam mais de 10,9 milhões de hectares de área cadastrada, cerca de 66% do território acreano e 90% da área classificada como cadastrável.
Além do banco de dados ambiental dos imóveis rurais, inédito na história das políticas de meio ambiente do Estado do Acre, o CAR também deixa um legado de infraestrutura institucional, com uma nova cartografia temática para análise ambiental e um sistema de informação com várias inovações tecnológicas para a gestão eficiente dos processos pelos órgãos de meio ambiente e, principalmente, pelos usuários.
Após a mobilização nacional e estadual em torno do registro no CAR, o Brasil e o Acre se deparam com os desafios da chamada análise e validação do cadastro, etapa necessária para a regularização ambiental e, portanto, para a garantia de implementação da lei florestal.
O debate sobre esse tema tem se concentrado na criação das condições institucionais para análise do total de inscrições realizadas no CAR. Projeções sugerem que em alguns estados, considerando a situação atual de recursos humanos e operacionais, esse processo levaria mais de 100 anos.
Seria interessante a construção de uma estratégia nacional para formar uma pauta prioritária de análise e validação do CAR, considerando em primeiro lugar aqueles que voluntariamente já se manifestaram pela regularização ambiental.
Em seguida, o planejamento de alguns recortes territoriais como prioridade de análise do CAR. Nesse aspecto, é possível citar como exemplo as áreas críticas de avanço do desmatamento, bacias hidrográficas que se encontram em estágio avançado de degradação e áreas com maior ocorrência de passivos ambientais.
A estratégia, portanto, seria estabelecer uma sensação de controle ambiental, onde àqueles que efetuaram o seu registro, compreendam a necessidade de estarem regulares perante a lei, ou mesmo preocupados em não cair numa espécie de “malha fina” ambiental, numa referência aos termos utilizados pela Receita Federal.
Outro enorme desafio para o cumprimento da nova lei florestal, especialmente no Estado do Acre, é a própria execução dos Termos de Compromisso celebrados no âmbito do PRA. Pela legislação, os produtores rurais terão até 20 anos para recuperar seus passivos e se ajustar aos termos da lei.
Apesar dos mecanismos, prazos e incentivos trazidos pelo novo Código Florestal, no final das contas, algum investimento deverá ocorrer por parte do proprietário ou possuidor rural, sem garantias de retorno financeiro. Além do chamado custo de oportunidade da recuperação ambiental, afinal, boa parte das áreas com passivo está ocupada com atividades agropecuárias.
Diante desse contexto, algumas abordagens estão sendo definidas no PRA do Estado do Acre, considerando a categoria do imóvel rural e o tipo de passivo ambiental. O suposto mercado de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs) é uma oportunidade interessante que deve ser considerada para as médias e grandes propriedades, que podem ser complementadas com sistemas de integração de lavoura, pecuária e floresta dentro dos limites legais.
O grande problema, entretanto, reside nas pequenas propriedades com até quatro módulos fiscais. Algumas análises preliminares nos dados do CAR do Estado do Acre indicam uma alta incidência de passivos de reserva legal decorrentes de desmatamentos irregulares posteriores a 22 de julho de 2008, data de corte para a consolidação de áreas perante a lei florestal.
Apesar de não haver tratamento legal para esse tipo de passivo perante o novo Código Florestal – cabendo nesses casos a aplicação da Lei de Crimes Ambientais –, essa pode ser uma boa oportunidade para desenvolver um programa de incentivo a sistemas agroflorestais para a agricultura familiar, em que a política de comando e controle ambiental poderia estimular formas mais sustentáveis de uso da terra, possivelmente até mais rentáveis do ponto de vista econômico.
Bom, é certo que a nova legislação florestal traz uma série de oportunidades para o aprimoramento da conservação ambiental do território, podendo inclusive melhorar a competitividade do Brasil na produção de commodities do agronegócio. No entanto, considerando os problemas que as instituições florestais e afins enfrentam, observa-se um cenário de grandes riscos para a sua implementação e, mais do que isso, que seja desrespeitada pelos setores agropecuários.
Claro que problemas operacionais para cumprimento das etapas referente ao CAR, a regulamentação dos PRAs pelos estados e a sua própria execução saltam aos olhos e se constituem nos grandes entraves para a efetivação da lei. Esse cenário pode motivar novos adiamentos nos prazos de execução do código florestal e, consequentemente, fazê-lo cair no descrédito perante a sociedade.
Somam-se a esse cenário dois outros grandes riscos: a falta de regulamentação para regularização dos passivos ambientais ocorridos após 22 de julho de 2008 no âmbito do PRA – o que deve induzir uma nova pauta política para a reformulação futura da lei florestal – e a ausência de um debate para efetivar o CAR como ferramenta para fiscalização e combate ao desmatamento – o que indica risco de descrédito da lei.
Nesse sentido, o Acre tem promovido uma série de discussões para tentar mitigar riscos e aprimorar o processo de implementação do novo Código Florestal a partir das oportunidades que se apresentam. Entretanto, o seu futuro dependerá sobretudo da capacidade do governo brasileiro de conciliar os interesses de setores tradicionais da agropecuária com os da conservação e, claro, assumir os custos políticos do rigor em fazer cumprir a lei.
*Edegard de Deus é biólogo e secretário de Meio Ambiente do Acre.
**João Paulo Mastrângelo é secretário adjunto da Sema, engenheiro florestal e professor da Ufac.