Artigo – A Contribuição do Zoneamento Ecológico-Econômico ao Povo do Acre

Em referência ao artigo: “Zoneamento Ecológico-Econômico fracassou no Acre”, escrito pelo professor Écio Rodrigues e publicado no jornal A Tribuna do dia 16 de fevereiro, e em respeito às diversas instituições públicas, não governamentais e milhares de acreanos e acreanas que participaram da construção do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre (ZEE/AC), sinto-me na obrigação de fazer alguns esclarecimentos às informações prestadas pelo docente, pois seria injusto deixar o seu juízo de valor descaracterizar esse importante esforço da sociedade acreana para fazer o bom uso do território do Estado.

O professor decreta o fracasso ZEE/AC com base em duas premissas: i) o ZEE/AC custou muito caro; ii) na Amazônia instrumentos de planejamento não funcionam, pois aqui “ninguém planeja nada, não”. E procura fundamentar seu argumento com três rápidas “constatações”: a) a definição das zonas de ocupação não teria respeitado os estudos; b) o zoneamento teria sido esquecido, não teria sido implementado; e c) o desmatamento teria aumentado após sua conclusão. Ao resgatar um pouco da história e dos resultados do ZEE/AC, veremos que o cenário é mais complexo e que ele já nos legou muitos resultados positivos.

Primeiramente, passamos a esclarecer ao leitor o que significa o “zoneamento” de uma região. Esse instrumento faz parte dos mecanismos de regulação direta do meio ambiente, ou, como também são conhecidos, Políticas de “Comando e Controle”, nas quais o poder público estabelece determinados padrões para a relação do homem e suas atividades econômicas com o meio ambiente.

O zoneamento, portanto, consiste na fixação de áreas em que não serão permitidas certas atividades, estabelecendo-se os respectivos critérios para a concessão de licenças. Na Amazônia esse instrumento ganha especial importância, pois é formada por uma floresta tropical rica em biodiversidade, com recursos hídricos e minerais em abundância, além de ter um solo extremamente frágil para atividades agropecuárias intensivas. Assim, realizar o zoneamento da região é condição fundamental para a sua conservação e prevenção de prejuízos econômicos e sociais decorrentes do seu uso inadequado.

É certo que a elaboração do zoneamento envolve custos, pois é necessário o trabalho de profissionais de diversas especialidades, exigindo o levantamento e diagnóstico minucioso da região em seus aspectos ecológicos, econômicos e sociais. No caso do Acre, o professor esqueceu de mencionar – ou talvez não sabia mesmo – que os recursos recebidos a “fundo perdido” via cooperação internacional alemã, por meio da antiga agência GTZ (atual GIZ) e Banco Alemão (KFW), foram potencializados com a aposta no aproveitamento de recursos humanos locais em uma forte rede de parcerias institucionais, em que os próprios professores da Universidade Federal do Acre (Ufac) deram grande contribuição.

É possível dizer que o ZEE foi um grande mutirão de pessoas e instituições – que possibilitaram ao Acre ter um zoneamento de referência nacional e internacional. Com isso, obtivemos uma redução significativa nos custos para sua elaboração em comparação a outros Estados da Amazônia, como, por exemplo, Rondônia, que investiu mais de R$ 20 milhões, e nós aqui no Acre não chegamos nem a 20% desse valor.

Agora, não cabe aqui ficarmos prestando conta dos custos com a logística do processo, pois todas as contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado e da União, além das auditorias independentes e permanentes da cooperação alemã. Nesse aspecto, destacamos, somente, que a relação custo/benefício para a logística foi extremamente positiva, pois, além de viabilizar os estudos técnicos, permitiu-nos realizar consultas nas mais longínquas comunidades, num esforço de fazer o povo acreano protagonista do seu zoneamento.

Em relação à premissa de que instrumentos de planejamento estão fadados ao fracasso em uma região como a Amazônia, pois nossa cultura é avessa a qualquer forma de planejamento, considero um argumento por demais restrito e que transparece uma leitura presunçosa, simplista e reducionista do nosso cenário regional, principalmente da capacidade de nossa gente de se apropriar das oportunidades que cada momento histórico oferece.

Caso o professor não lembre, foi a partir da capacidade de compreensão e entendimento da região que as comunidades tradicionais acreanas planejaram novas formas de uso e ocupação do território, e através das Reservas Extrativistas promoveram a mudança do padrão de reforma agrária vigente para a região amazônica no fim da ditadura militar. A instituição das RESEXs, portanto, constituiu-se num produto da capacidade de planejamento dos amazônidas, e a consideramos como uma semente do método de elaboração do ZEE/AC, que veio a ser reconhecido como inovador, notadamente pela inclusão de um componente cultural e político e pela sua especial ênfase na participação de diversos setores da sociedade.

É falsa a afirmação de que a definição das zonas de ocupação do ZEE/AC não teria respeitado os estudos. Mais do que isso, o ZEE/AC incorporou todas as interpretações e interlocuções dos ambientes: natural, sociais e econômicos – os valores, tradição, costumes, hábitos, modo de vida e a “fala” das comunidades, dos grupos humanos para os quais o ZEE e o meio de expressão do seu projeto, do seu sonho, do seu saber e fazer, da sua relação com a natureza e com os outros. Transformou o arcabouço morto do ZEE positivista em um ente vivo, animado, coerente com a identidade das populações que vivem no território objeto da gestão.

O reconhecimento da ocupação de atividades agropecuárias ao longo das principais Rodovias do Estado em nada desqualifica o ZEE/AC, pelo contrário, faz justiça a um segmento importante da sociedade acreana, que sob os incentivos do governo brasileiro, à época, acreditava que estava contribuindo “da melhor forma possível”  para o desenvolvimento da região. Valendo ressaltar que isso também foi uma conclusão dos estudos temáticos, conforme metodologia adotada.

Além disso, a definição das zonas do ZEE/AC foi amplamente discutida e aprovada pela Comissão Estadual do ZEE/AC (CEZEE), formada por 35 instituições públicas e não governamentais, além de ter sido aprovado também pelos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, Floresta e Desenvolvimento Rural, pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), Assembleia Legislativa do Estado do Acre (ALEAC), Ministério do Meio Ambiente, e, por fim, decretado pelo presidente da República. Portanto, de fato a afirmação do professor Écio se enquadra como um juízo de valor de sua parte, e como tal devemos respeitá-la, como este também deve respeitar o julgamento do ZEE/AC pelas diversas instituições democráticas do Estado do Acre e do Brasil.

Igualmente injusta é a afirmação de que o ZEE/AC não vem sendo implementado. Nesse aspecto, lembramos ao professor que, além de decorar as salas dos Gestores Públicos, o Zoneamento do Acre permitiu:

  •   Promover a regularização fundiária de milhares de famílias, e estabelecer um novo modelo de ocupação as margens da rodovia BR-364, onde se priorizou a criação de Unidades de Conservação como forma de mitigar a pressão do desmatamento ao tempo em que se conclui as obras de pavimentação da estrada;
  •     Redefinir a política de concessão de crédito para fomento agropecuário, onde todos os bancos atualmente respeitam as diretrizes do ZEE/AC;
  •     Servir de base, desde a sua conclusão, para o planejamento e execução de todas as políticas públicas de desenvolvimento agropecuário, florestal e industrial, inclusive se tornando fator decisivo para captação de recursos de diversas organizações nacionais e internacionais;
  •     Estabelecer uma das mais inovadoras políticas de desenvolvimento regional por meio dos Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDC), onde centenas de comunidades e milhares de famílias isoladas estão sendo beneficiadas com investimentos definidos por eles mesmos;
  •    Subsidiar a formulação das políticas de monitoramento, controle, licenciamento e fiscalização ambiental do Estado do Acre;
  •     Instituir a política estadual para valorização do ativo ambiental florestal, que vem promovendo a regularização ambiental de imóveis rurais e viabilizando o Sistema Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais (SISA);
  •     Oferecer toda a base cartográfica do território acreano, integrando diversos temas com a utilização do Sistema de Informações Geográficas na escala 1:250.000 e tendo como base cartográfica a escala 1:100.000, dando o suporte necessário a elaboração de uma série de documentos, inclusive estudos e pesquisas acadêmicas;
  •     Incorporar a Nova Linha Cunha Gomes e novos limites municipais, ambos validados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), permitindo a incorporação de mais de 1,2 milhão de hectares de floresta ao território acreano;
  •     Definir as diretrizes e estratégias para o planejamento territorial em diferentes escalas.

Apesar de não ser o objetivo direto do ZEE/AC, é  fundamental repor a verdade com relação ao desmatamento no Estado do Acre. Os números do INPE/PRODES comprovam que, ao contrário do que foi também “constatado” pelo professor Écio em seu texto, passados cinco anos da conclusão do zoneamento, encontrando-se a lei do ZEE em plena vigência, o desmatamento no Acre diminuiu de forma significativa. As taxas já vinham diminuindo nos cinco anos anteriores, apresentando as menores de toda a série histórica dos últimos 24 anos – antes a média era de 0,40% ao ano e nos últimos cinco anos baixou para 0,14%.

É preciso esclarecer também que houve uma clara expansão da área de produção florestal, que aumentou em mais de três vezes nos últimos 10 anos, saindo de uma produção de pouco mais de 110 mil m³/ano para quase 1 milhão de m³/ano em 2012, sem contar com o aumento da produção de todos os outros produtos florestais não madeireiros.

Atualmente, o governador Tião Viana tem realizado os maiores investimentos da história do Acre para a intensificação do uso das áreas já desmatadas e expansão e modernização da economia florestal, tudo isso ancorado nas diretrizes do ZEE/AC, pois acreditamos ser o caminho para promovermos o desenvolvimento sustentável do Acre.

Por fim, posso afirmar que o ZEE/AC exerceu um importante papel para a melhoria da condição de vida do povo do Acre e para construção da sustentabilidade na Amazônia. No entanto, se ninguém viu nada disso acontecer, agradeço ao professor Écio pela oportunidade de mais uma vez poder discorrer sobre este assunto, pois, na minha avaliação, foi agrande a contribuição do seu artigo.

Edegard de Deus, Secretário de Estado de Meio Ambiente do Acre

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