Em encontro para discutir rodovia transnacional, representante do governo Bolsonaro recebe propostas de lideranças indígenas para o desenvolvimento da região do Juruá com responsabilidade social e ambiental
Pela primeira vez na história dos povos indígenas da região sul-ocidental da Amazônia, lideranças de etnias se reuniram com um ministro de Estado, três senadores do Acre, um representante da Câmara dos Deputados e com todos os prefeitos dos municípios do Vale do Juruá, em encontro para a formalização de um consórcio pelo desenvolvimento regional, na tarde desta quinta-feira, 27.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, parlamentares, chefes dos executivos municipais e jornalistas foram recebidos com honras pelo povo Puyanawa, dentro de suas terras indígenas, em Mâncio Lima, em cerimônia que reuniu várias outras lideranças indígenas, todas irmanadas pelo desenvolvimento regional, porém, com responsabilidade social e ambiental.
Isso ocorre porque, sobretudo os puyanawas, manifestam preocupação com o anúncio de que a BR-364, que chega a Mâncio Lima, poderá ser prolongada até a fronteira com o Peru, contribuindo para a ligação do Juruá à cidade peruana de Pucallpa. Esse trecho, à exemplo da estrada do Pacífico, pela BR-317, até o município de Assis Brasil, no Vale do Alto Acre, é visto como potencialmente promissor pela maioria dos prefeitos locais, para que o Juruá também possa atingir os mercados peruanos – e os da Ásia –, pelos portos peruanos.
No entanto, o clima de apreensão entre os indígenas tem uma razão: eles temem que a abertura da estrada possa impactar, negativamente, na vida de milhares de famílias de várias etnias e, sobretudo, do povo Puyanawa, que hoje é detentor de pelo menos 24 mil hectares, cuja uma parcela considerável dos 750 indivíduos que vivem nestas terras reside relativamente próxima das margens da rodovia.
Na opinião de um dos anfitriões do encontro, o líder indígena José Luís Martins ‘Pouê’ Puyanawa, a estrada passando a cinco quilômetros das terras indígenas de seu povo traz, sim, algum temor de invasões e desmatamentos ilegais.
“Estamos respaldados por várias conferências mundiais indígenas, de que não podemos tolerar injustiças que venham a nos prejudicar enquanto povos soberanos”, diz ele.
Por isso, os líderes de cada povo entregaram a Ricardo Salles uma série de documentos para subsidiar o projeto do governo federal nas obras.
Séculos de subjugação dos povos indígenas no país também deixaram sequelas graves no modo de pensar dos indígenas no Acre. Pelo menos foi o que pôde ser observado, com o lamento do líder Fernando Katukina, de Cruzeiro do Sul, ao mostrar sua amargura por serem, segundo ele, chamados de indolentes.
“Nunca fomos preguiçosos e sempre quisemos trabalhar com a floresta organizada, mas nunca tivemos o apoio do [Ministério do] Meio Ambiente. Sempre derramamos o nosso suor para receber da terra e só recebemos o nome de índios preguiçosos e violentos. Nós não somos [preguiçosos]”, bradou Katukina, com a propriedade de quem até hoje amarga a indiferença do estado brasileiro.
“Nós não criamos sistemas florestais ou formamos os nossos jovens a ter o controle da terra. Apenas usá-la e respeitá-la, porque queremos construir nosso mundo melhor, para termos nossa qualidade de vida. Entendam que medicamento não é ter saúde. Queremos apenas qualidade de vida”, afirmou, manifestando a sua preocupação com a estrada que pode ligar a Pucallpa. O povo Katukina é ligado à etnia Huni Kuin de Cruzeiro do Sul e composto de 765 indivíduos.
Para Maná Kaxinawá, do município de Tarauacá, “se queremos ter progresso, precisamos proteger nossas pessoas. Isso sim é cidadania, ouvir os povos indígenas. Queremos ter garantias para não termos prejuízos”.
Entre os administradores municipais do Vale do Juruá, há uma peculiaridade. O prefeito de Marechal Thaumaturgo, Isaac Pianko, pertence ao povo Ashaninka. Ele apresentou ao ministro Salles uma lista de fatores que podem beneficiar as comunidades indígenas do Juruá, com a abertura da rodovia para Pucallpa, entre elas o fortalecimento da cadeia produtiva da farinha de mandioca de Cruzeiro do Sul – conhecida como a melhor do Brasil –, e do açaí.
“O consórcio de prefeitos e lideranças indígenas é uma proposta ambiciosa, porque pode fortalecer a cadeia produtiva e o turismo, com gestão territorial e ambiental em terras indígenas, mas é preciso que o governo federal garanta que isso se dê da forma mais segura possível”, asseverou Pianko.
Governo do Acre está atento a esse processo, diz Israel Milani
O Governo do Estado do Acre se fez presente com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente. O governador Gladson Cameli foi representado pelo secretário de Meio Ambiente, Israel Milani.
“Estamos acompanhando de perto todo esse processo e vamos estar também nas aldeias, ouvindo com cautela toda a nossa comunidade indígena desta região, para auxiliarmos nesse processo”, afirma Milani.
Salles: O tempo é de “integração com respeito às comunidades”
“O isolacionismo não é desejável para o nosso governo. Ele não é o caminho para isso. Pelo contrário, é de harmonia. Vocês e nós somos todos brasileiros. E o tempo é de integração”. A frase que abriu o discurso do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reforça o que ele classificou de um compromisso do presidente Jair Bolsonaro de ajudar a todos os brasileiros a crescerem economicamente, respeitando os costumes culturais e sociais de cada região.
“A história tem demonstrado que o Brasil é o país da união. E isso decorre do respeito às diferenças sociais, de cor e de raça. Esse é o momento do Brasil se ajudar. Não é fácil, nem muito corriqueiro, vermos um ministro numa aldeia, reconhecendo os valores, a cultura e a história dessas pessoas. Mas quando o presidente foi eleito, um dos grandes compromissos foi ajudar a todos”, pontuou Salles.
“Esse consórcio é extremamente importante para coordenar os esforços e valorizar um povo que tem extrema importância na cultura nacional, que nunca foi preguiçoso, nada disso, mas que não pode mais ficar no isolacionismo, porque este é um modelo fracassado, que leva ao atraso social e econômico às comunidades, como já comprovado em outras partes do mundo”, disse o ministro.
“O desenvolvimento é importante para os povos e para o país, porque é o passo importante para o desenvolvimento econômico e social, que permitem ter recursos, justamente para manter as tradições.”.
Entenda como o consórcio quer a região de frente para o Pacífico
Um trecho de terra de 16 quilômetros liga a cidade de Mâncio Lima ao final da BR-364, pelo ramal do Feijão Insosso. A estrada vicinal tem 16 quilômetros até o ponto em que se encontra com a BR.
A partir daí, serão mais 30 quilômetros até atingir a Comunidade do Sossego, às margens do rio Azul. É nesse local que a dificuldade aumenta, em razão de um trecho de 60 quilômetros de floresta fechada até a fronteira com o Peru. Após a linha que delimita os dois países, outros 60 quilômetros, do lado peruano, precisariam ainda ser abertos até a cidade de Pucallpa.
“Estamos falando aí então de 120 quilômetros a serem abertos até a cidade peruana mais próxima do Juruá”, diz o prefeito de Cruzeiro do Sul, Ilderlei Cordeiro.
Participaram do encontro os senadores Marcio Bittar, Mailza Gomes e Sérgio Petecão; o deputado federal Alan Rick; o prefeito de Mâncio Lima, Isaac Lima; o prefeito de Rodrigues Alves, Sebastião Correia; a prefeita de Tarauacá, Marilete Vitorino; e o comandante do 61º Batalhão de Infantaria e Selva do Exército Brasileiro, coronel Eduardo Almeida.