A volta por cima de mulheres em situação de prisão. Elas buscam alternativas para fazer o tempo passar mais rápido e mudar de vida antes de conquistar a liberdade
Confiança cega em seu homem, o desejo de se submeter a extensas jornadas de trabalho, vingança por um amor desfeito, o vício do álcool, das drogas, do sexo – não importa por qual motivo elas tenham “caído”. A vontade de se refazer leva dezenas de mulheres a buscarem alternativas de sobrevivência dentro dos pavilhões femininos das penitenciárias do Acre. Ao ter a chance de estudar, trabalhar, aprender uma nova atividade, adquirir uma profissão, encontram ocupação para mente e corpo, renda extra e redução da pena mas, sobretudo, uma forma de fazer o relógio girar mais rápido em direção à liberdade.
Esquecer o tempo que resta para o cumprimento das penas serve como mola propulsora para que mulheres em situação de prisão na maior unidade carcerária do Estado, penitenciária Francisco d’Oliveira Conde, decidam participar de cursos profissionalizantes e de atividades remuneradas oferecidas por meio de programas desenvolvidos em parcerias institucionais firmadas entre o Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e Governo do Estado, representado pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen) e Instituto Dom Moacyr.
Além de grades e muros – Há quem nunca tente, por esforço próprio, abrir essa janela que permite enxergar um horizonte mais amplo além de grades e muros. Talvez não conheça outra realidade senão as prisões impostas pela condição social, pela falta de estrutura familliar, por maridos violentos, pela falta de escolaridade. Não é o caso de Maria da Conceição Cruz, Vania Oliveira, Luma Ferreira, Paula Natiane, Maria José, alguns exemplos de mulheres que acreditam que é possível ser livre, mesmo estando na prisão. As oportunidades surgem com a abertura de vagas para os cursos de corte de cabelo e escova, costura, confecção de bolsas, horticultura e paisagismo. Participar do Coral Asas da Liberdade ou trabalhar em programas de geração de renda mantidos com recursos do Pronasci e do Governo do Estado, faz parte da luta dessas mulheres para superar a solidão, o ócio e tentar minimizar os erros cometidos.
A carga horária dos cursos do programa Cidadania Feminina concluído há poucas semanas, teve de 80 a 160 horas – período em que foram oferecidas disciplinas como cooperativismo, motivação, autoestima, rejeição no mercado de trabalho, autonomia, empreendedorismo, sendo este último eixo comum a todos os cursos; e ainda os conteúdos específicos a cada atividade. “A ideia é que elas saiam daqui qualificadas e também com ensino formal, aumentando a possibilidade de conseguir trabalho e gerar renda para suas famílias”, explica Moisés Menezes, gerente de Reintegração Social e de Saúde do Iapen. Ele ressalta que a estrutura física da penitenciária está sendo adaptada aos poucos para atender às políticas de ressocialização desenvolvidas pelos governos Federal e Estadual. “Quando foram construídas, as cadeias não tinham esse olhar de ressocialização. É preciso criar estes espaços. Os novos presídios construídos no Estado já trazem essas mudanças”, diz.
{xtypo_rounded_right2}Para cada 18 horas investidas em educação, a presa tem um dia a menos na pena.{/xtypo_rounded_right2}O foco do trabalho de ressocialização está sendo reformulado com o fortalecimento de atividades pedagógicas, artístico-culturais e de qualificação profissional por meio do programa Cidadania Feminina, Educação de Jovens e Adultos e implantação de programas de geração de renda dentro dos presídios como a malharia, com garantia de remição da pena. Para cada 18 horas investidas em educação, a presa tem um dia a menos na pena. Breve elas terão ainda uma outra opção, o projeto Mentes Livres com a oferta de atividades de música, teatro e coral destinadas também ao público masculino. Muitos desses programas tem execução concluída em 2010, outros deverão ter continuidade em 2011. Outros não são permanentes ficando um período em inatividade até que novos convênios sejam firmados.
Errar pela segunda vez teve um peso bem maior na relação de Maria José Alves com a família. "Sábado é a visita, a gente fica esperando, esperando e eles não vêm. A gente acaba se conformando", diz pra si mesma, pra em seguida chorar compulsivamente ao lembrar dos filhos. "Eles precisam de mim. Não fizeram nada de errado". Mais calma, Maria José conta que trabalha os dois horários na malharia costurando redes para a prática de esportes e uninformes para times de futebol e pretende concluir o ensino médio antes de sair. Até o mês de outubro 211 mulheres cumpriam pena nas unidades de Rio Branco, Sena Madureira e Cruzeiro do Sul. Nenhuma delas é inocente. Por mais que seja. Atravessar os portões de ferro de uma prisão feminina tanto para dentro, como para fora, tem o seu preço. Muitas delas não são santas ou querem parecer. A maioria não quer esquecer o passado. Somene algumas vão se agarrar às oportunidades de um recomeço. "Estamos dando uma oportunidade. Se ela vai usar não tem como sabermos. Nós estamos dando as condições para que essa mulher se reintegre à sociedade com um novo olhar, mas a decisão é dela. Se não estiver preparada será muito difícil essa volta", alerta Moisés Menezes.
Uma saída antes do fim: ensino formal e curso profissionalizante abrem portas
A rotina da tarde é quebrada pelo ruído de secadores, risadas, conversas descontraídas e pela instrução cautelosa da professora dentro de um salão de cabeleireiro montado na penitenciária. Luma Ferreira, 23 anos, se inscreveu para agradar a mãe que hoje cuida de seus dois filhos. Com bom comportamento, um dos requisitos para se inscrever nos programas, conseguiu a vaga que possibilita vivenciar tardes mais alegres e que ajudam a reconstruir a autoestima. “Estou bem mais leve. Ficar 24 horas presa dentro de uma cela saindo só para o banho de sol é muito ruim. Independente do que eu fiz quero voltar a estudar, trabalhar e poder cuidar dos meus filhos. Com essa oportunidade vou poder me aprimorar mais”, diz a jovem que cumpriu até agora oito meses de uma pena de quatro anos em regime fechado. Luma concluiu dentro da penitenciária o ensino fundamental e se prepara para cursar o ensino médio.
A instrutora Antonia Soares tem experiência de 20 anos em cursos profissionalizantes oferecidos por instituições voltadas para mulheres e reconhece que trabalhar com as reeducandas tem uma emoção especial. “Elas são carentes de amizade, de companhia. São cativantes justamente por não terem quem as apóie. Aqui no curso ficam mais à vontade”.
Gosto de liberdade – Presa quando levava uma pequena quantidade de cocaína para o município de Sena Madureira e condenada a mais de dois anos de prisão Paula Natiane encontrou na família o apoio para se reerguer e no curso de cabeleireira a primeira chance de acreditar em si mesma. Se deu conta do erro logo ao entrar no presídio Evaristo de Morais, de Sena Madureira, onde cumpriu um ano até ser transferida para a penitenciária de Rio Branco. “Lá éramos 15 presas. Quando entrei e vi mais de 100 mulheres no presídio de Rio Branco me assustei”. Ela está em regime aberto e trabalha com carteira assinada a partir de convênio entre o Estado e o Tribunal de Justiça e foi encaminhada pelo Núcleo de Apoio à Família e ao Egresso (Nafe), que aos poucos começa a desenvolver ações de apoio aos presos no momento de retornar à sociedade. Antes de sair começou a percorrer um novo caminho. Quis reconstruir-se para recomeçar. “Eu errei. Cansei daquela vida de limpar chão o dia todo. Achava que teria uma vida mais fácil, eu pensava que era fácil. Graças a Deus eu caí. Se tivesse dado certo poderia ser sido bem pior, sabe Deus onde estaria. Eu poderia agir como muitas lá dentro e me revoltar porque não têm o apoio da família. Mas eu queria uma vida diferente aqui fora ”, diz Paula que, aos 24 anos, começa a experimentar o gosto da liberdade.
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"Diálogo é a arma"
Jogo de cintura, sensibilidade, disciplina e principalmente diálogo são técnicas utilizadas por elas para conduzir o difícil trabalho de coordenar 119 presas. As três têm entre 22 e 25 anos e não se sentem intimidadas com a responsabilidade diária de manter tudo tranquilo considerando e respeitando a individualidade, os hormônios, as reivindicações. Ao lado de Camila Rocha, diretora da Unidade Feminina e de Raiana Ribeiro, coordenadora de Execuções Penais, a agente penitenciária e coordenadora de Segurança Ana Kécia Campos, que integra parte da equipe responsável pela organização, disciplina e ordem na ala feminina do presídio Francisco d’Oliveira Conde diz que não há espaço para descontrole emocional. Pelo menos da parte delas. “O diálogo é a arma aqui. Temos que usar várias linguagens. A convivência é difícil, ganhamos e perdemos. Essa realidade é dura. Elas podem ser esquecidas por todos, mas elas não esquecem ninguém e têm que conviver com a solidão”, avalia Kécia.
Raiana Ribeiro diz que elas reivindicam muito mais que os homens. Querem médicos, um novo advogado, conversar com a psicóloga, mais tempero na comida, mais tempo para os encontros íntimos, querem direitos, todos eles. Como o de cancelar a visita do marido para viver um novo amor. Ou com uma companheira de cela, ou com um preso de outro pavilhão. "Não há discriminação ou preconceito quanto a isso quando é vontade dela. Muitas acabam cedendo pela carência ou porque se apaixonam mesmo. Temos cuidado quando as mulheres abordadas são heterossexuais, sempre observando pelo prisma da segurança". A coordenadora explica ainda que o tema sexualidade é discutido com apresentação de vídeos educativos.
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Presas são as que mais sofrem rejeição da família
Maria da Conceição Cruz, uma das internas da unidade feminina, não tem parentes no Estado. A única pessoa conhecida, o marido com quem está casada há 23 anos, é responsável por sua prisão. Convidada por ele para fazer uma viagem ao Acre foi surpreendida ao se deparar com a acusação, quando embarcava de volta à Goiânia, de que uma de suas malas estava repleta de drogas. Atordoada, apenas alguns dias mais tarde compreendeu que era ele o proprietário da droga. Presos na mesma unidade penal voltou a falar com o marido somente dois anos depois. Encontrou no trabalho na malharia, como cozinheira e faxineira dentro do presídio remição da pena e salário mensal para ajudar a pagar a educação da filha menor de idade.
Presa há 3 anos acredita que é possível mudar de vida antes de sair. "Dá pra mudar completamente. A gente que é mãe de família, que caiu por um vacilo, por acreditar num homem, tem que ter força de vontade porque aqui a lição é grande. Eu deveria ter sido mais esperta, deveria ter observado melhor, mas eu era uma simples dona de casa que confiava no marido. É preciso olhar o que está em volta. Vejo hoje que muitas mulheres são forçadas a isso", diz Maria da Conceição.
Ela está certa. Dados do Ministério da Justiça e de organizações de direitos civis que atuam junto a este público indicam que 80% da população carcerária feminina estão envolvidos com o tráfico a partir de relacionamentos afetivos. Estas informações foram divulgadas durante Seminário sobre mulheres em situação de prisão realizado em agosto deste ano no Acre. Muitas delas são "mulas". Levam ou guardam drogas para seus companheiros, maridos, namorados e quando querem sair são ameaçadas por esses homens. Outra característica dessas detenções é que na prisão elas são abandonadas por suas famílias, pelo marido e até pelas mães. Para cada grupo de 100 mulheres é registrada a presença de apenas dois homens nas visitas. Na prisão masculina é o contrário. Muitas vezes, as visitas incluem não só as mães, mas as irmãs, filhos, esposas e amantes.
{xtypo_quote}Elas podem ser esquecidas, mas não esquecem quem está lá fora.
Ana Kécia Campos, coordenadora de segurança da Unidade Feminina da penitenciária Francisco d’Oliveira Conde {/xtypo_quote}
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