Aluno de escola rural realiza sonho de ingressar na Ufac

Não precisa ser íntimo de Diego Freitas para notar que ele carrega uma força de vontade especial. Desde a adolescência, Diego, que hoje trabalha como agricultor familiar, é daquelas pessoas decididas, que não temem as dificuldades perante a vida. Desse modo, alguns obstáculos tiveram que ser superados para que o jovem pudesse encontrar caminhos que o levassem até o sucesso.

Apaixonado por animais e pela calmaria que a vida rural proporciona, Diego, hoje com 25 anos, está prestes a concretizar um sonho antigo: cursar uma faculdade. A ideia de ingressar no nível superior lhe parecia distante, quando tinha que desistir dos estudos devido ao trabalho de sua mãe (vendedora), que os obrigava a mudar de bairro, moradia e escola frequentemente.

Por conta disso, parte da vida estudantil do rapaz foi cursada por meio de programas de ensino especial oferecidos pela Secretaria de Estado de Educação e Esportes (SEE), como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Diego, 25 anos, ingressa este ano na Universidade (Foto: Mágila Campos)

Diego concluiu o ensino médio no ano passado, pelo sistema EJA, na escola rural Dr. Santiago Dantas, situada no km 15 da Rodovia AC-90, na Transacreana. Assim que finalizou, focou os estudos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Foi a primeira vez que eu me senti seguro para tentar conseguir uma vaga na universidade. Para isso eu estudei de todas as formas que podia: na escola, em casa, nos livros, na internet. Sentia que não podia mais esperar para pensar no meu futuro.”

A princípio, desejava cursar medicina veterinária, no entanto, como o curso é em período integral, ficaria impossibilitado de prosseguir com seu trabalho diário na chácara em que reside com a família. Foi então que optou pelo curso de educação física, que, além de possibilitar estudar e continuar seu trabalho na agricultura familiar, também lhe interessa por um motivo bem pessoal.

“Antes de morar na zona rural eu pesava 140 quilos, e depois que comecei a trabalhar com minhas plantações e bichos perdi quase 40 quilos em quatro anos, sem auxílio de nenhum profissional. Passei a fazer atividade física também para os concursos e me apaixonei. Isso me fez entender o valor da saúde e da qualidade de vida, colocando o curso como minha segunda opção no Enem.”

O esforço deu certo e garantiu sua classificação em sexto lugar na chamada regular do exame para o curso de educação física na Universidade Federal do Acre (Ufac). Uma alegria que não tinha tamanho para ele e a família. “É uma sensação de realização. Um sentimento de felicidade e agradecimento a Deus, a minha família e aos meus professores.”

Mas isso só foi possível depois que percebeu o prejuízo de uma vida sem escolaridade. “Foi um surto mesmo que deu em mim. Percebi o quanto tempo eu havia perdido sem estudar e vi a realidade, que da maneira que estava vivendo não me levaria a lugar nenhum. Compreendi que se eu não focasse nos estudos não conseguiria dar uma vida melhor a minha família. Foi aí que eu despertei.”

Diego concluiu o ensino médio pelo sistema EJA, na escola rural Dr. Santiago Dantas (Foto: Mágila Campos)

Ensino especial

Ser aluno de EJA tem suas peculiaridades que diferem do ensino regular. Foram dois anos e meio para a conclusão do ensino médio, tempo insuficiente para o aprendizado de um aluno se consideramos o método de ensino regular. Contudo, para Diego, foi a solução encontrada para reverter o atraso em sua escolaridade. Com a assistência do EJA, ele viu a oportunidade de sonhar novamente com um futuro brilhante, a ponto de orgulhar-se de si próprio.

Considerando as dificuldades que enfrentou no dia a dia, Diego tirou essa fase de letra. Voltar à sala de aula aos 21 anos o fez refletir sobre muitas coisas, entre elas, a solidariedade e a compaixão pelo outro. “Dividi espaço com pessoas que estavam na escola pela primeira vez. Não podia ser egoísta e pensar somente na minha necessidade. Foi um tempo de troca de experiências e muita sabedoria. E sem o amparo dos professores que tive, seria impossível continuar.”

Para enfrentar a concorrência do Enem com igualdade, o aluno não esperava somente o conteúdo passado pelo professor em sala de aula. “Sempre busquei conteúdo também em casa, pela internet, para chegar à aula dominando as disciplinas. Gostava de chega na aula do dia seguinte dominando o assunto das disciplinas passadas”.

O secretário estadual de educação e esportes, Marco Brandão, alerta que o público-alvo da ação educacional, que oferece novas perspectivas de vida profissional e social, são pessoas com idade a partir de 15 anos que, por razões diversas, não tiveram a oportunidade de frequentar a escola ou concluir os estudos. “Por meio da EJA é possível acessar diversos ciclos de formação, os quais foram organizados para atender todos os níveis de ensino. Ainda existe ainda o Programa Especial de Ensino Médio (PEEM/Poronga) que é voltado para alunos de Ensino Médio que se encontram em distorção idade-série, ou seja, quando a idade não corresponde com o ano letivo que o estudante cursa”.

Desde 2014, todos os municípios são atendidos, incluindo Santa Rosa do Purus – onde a SEE iniciou atendimento com Ensino Médio EJA desde o ano de 2013, uma vez que os demais segmentos estão sobre responsabilidade do município.

O estudante pretende se especializar em sua futura área de atuação (Foto: Mágila Campos)

Exemplo

Ele faz parte de uma família de seis irmãos, dos quais apenas uma possui nível superior, e agora, ele. “Além de tudo, essa também é uma maneira de eu incentivar meus irmãos a continuar os estudos. Busco ser esse exemplo para eles e meu enteado. Apesar de ter desperdiçado uma parte da minha vida sem estudar, eu acordei e resolvi estudar, pois é o único caminho pelo qual posso melhorar de vida.”

Casado há 10 anos, seu envolvimento com os animais o fizeram permanecer na zona rural. “Trocamos nossa casa na cidade por esta e, por conta dos animais que criamos, não posso sair daqui, mas vou conciliar meus afazeres de casa com o estudo.”

Diego garantiu sua classificação em sexto lugar no curso de educação física da Ufac (Foto: Mágila Campos)

Sobre o futuro

Agora ele quer se especializar na área que escolheu estudar.  “A partir do momento que eu entrar na universidade eu quero focar nas disciplinas, para concluir e absorver a melhor quantidade de informações que eu puder, para ter uma boa base de formação. Daí para frente quero me dedicar ainda mais para os concursos, agora a nível superior ou, conseguir um contrato para trabalhar na área”.

Para a esposa de Diego, foi só felicidade saber que o marido vai cursar uma faculdade federal. “Fiquei muito feliz. Vamos nos adaptar a nova rotina para que nada interfira na vida acadêmica dele”.

Enem 2018

Na primeira chamada do Enem, sete alunos da escola rural Santiago Dantas se classificaram na chamada regular por meio do Sistema Unificado de Seleção (Sisu), além de estudantes de outras instituições da zona rural.

Leia também: Reformas contribuem para melhorar o ensino na zona rural

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