Por Lane Valle*
“O essencial é invisível aos olhos”. A citação, retirada do clássico e um dos livros mais traduzidos do mundo “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, refere-se ao diálogo entre o Príncipe e a Raposa, sobre como se tornam especiais aqueles que se cativam. Afinal, a verdadeira beleza não está somente no que enxergamos e, sim, no que sentimos com o coração.
O escritor francês nos deu uma lição valiosa. Quando paramos para observar o que verdadeiramente está ao nosso redor, nos reconectando como humanidade, aprendemos a lição que a raposa queria ensinar ao Pequeno Príncipe: tudo que é visível e material um dia acaba; já o invisível, o vínculo, o amor, o essencial, fica para sempre.
A filosofia da Raposa propõe uma primazia do sentir e do agir sobre o ver, refletindo que são as atitudes que tomamos as mais importantes, e não aquelas por mera aparência superficial daquilo que vemos ou tocamos, que nunca devem ser colocadas na frente daquilo que realmente tem valor.
Dia desses, estava parada no semáforo e de longe avistei um senhor deficiente visual entre os carros, pedindo ajuda. Demorou quase o tempo do semáforo ficar verde para que ele conseguisse se aproximar da minha janela.
Enquanto aquele senhor caminhava em minha direção, tentando se localizar entre os carros a minha frente, invisível aos demais, olhei ao redor, verificando se havia algum dinheiro acessível que pudesse lhe dar naquele momento.
Ouvindo as buzinas que seguiam em coro atrás de mim, somente tive tempo de colocar o braço para fora do carro e entregar uma porção de batatas fritas que acabara de comprar. “Batatas fritas!”, disse ele, com um sorriso que iluminou seu rosto. Acredito que aquela cena tenha durado entre dois ou três segundos, no máximo, mas o seu sorriso, que me fez chorar ao logo do percurso, jamais esqueci.
Talvez, ou certamente, aquele idoso que nada enxergava a sua frente, nunca saiba, mas o semblante em seu rosto, a felicidade de ganhar simples batatas fritas, me fez retomar a lição que a raposa tão sabiamente ensinou ao principezinho, que o amor engloba empatia, respeito e responsabilidade. Aspectos que se fazem tão necessários nos dias atuais quanto no contexto de guerra em que a fábula do Pequeno Príncipe foi escrita e publicada – 1943 (durante a Segunda Guerra Mundial).
Tão perspicaz, tão coerente e tão verdadeiro que nos faz compreender através de uma nova ótica, mesmo diante de tempos difíceis, como na década em que foi escrito, o famoso livro da literatura infantil se torna ainda mais inspirador, pois nos faz lembrar ou repensar a importância do vínculo como potência de vida, especialmente nos tempos atuais, em que nos tornamos apáticos uns com os outros, narcisistas, arrogantes e superficiais.
Espero, caro leitor, que possamos sorrir como aquele senhor das batatas fritas. Ele, mesmo sem intenção de ensinar, me proporcionou uma das maiores lições de vida, que quando cativamos alguém, esse alguém se tornará para sempre especial, pois as coisas que realmente importam na vida se tornam essenciais aos que se permitem ver com o coração.
* Lane Valle é jornalista e fonoaudióloga